sábado, 23 de agosto de 2025

O que sou eu

Chamaram meu nome no palco.

As palmas soaram como chuva em telhado de zinco: altas, repetitivas, mas distantes.

A mulher que entregou o prêmio sorriu com a prática de quem já sorriu mil vezes no mesmo gesto.

Estendi a mão, segurei o objeto dourado, pesado, inútil.

Sorri para as câmeras, para a plateia, para ninguém.

Naquela noite, voltei para casa com o prêmio na mesa.

A televisão anunciava: “um reconhecimento merecido, um dos maiores escritores do nosso tempo.”

A frase soava falsa como o timbre metálico do próprio troféu.

O que sou eu?, perguntei-me.

Um escritor? Um homem? Uma invenção das editoras?

Um espelho que só reflete o olhar dos outros?

Na manhã seguinte, devolvi o prêmio.

Fui ao gabinete do ministro, entreguei a caixa, assinei um recibo.

Ele tentou rir: “é um gesto simbólico, não é?”

Não respondi.

Era apenas um gesto — e o gesto me bastava.

Começaram os artigos, as entrevistas, as análises sobre meu ato:

“um protesto político”,

“um grito estético”,

“uma doença mental”.

Não era nada disso.

Era apenas silêncio.

E ninguém entende o silêncio.

Deixei a cidade.

As ruas, os cafés, as vitrines de livros exibindo meu nome.

Subi montanhas, entrei em florestas, procurei um lugar onde a fala já não tivesse poder.

Encontrei uma caverna.

A primeira noite foi difícil: o frio, os animais, a solidão sem testemunhas.

Mas pouco a pouco, o escuro se tornou mais verdadeiro do que qualquer claridade.

E no fundo da caverna, sem voz, sem rosto, sem prêmio,

senti a presença daquele que sempre evitei:

o deus silencioso.

Não disse nada.

E, finalmente,

eu também não precisei dizer nada.




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