segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Canção de textura



É amargo, é amargo,
as serenas estrelas
como limões encimas
do céu feito de algodão.

É amargo, é amargo,
alguns rios choram solidões.
As mãos tocam o sino
enquanto o mar chora

peixinhos feitos de laranja.

É amargo, é amargo,
o galope do cavalo é
o trovão que cai no
ouvindo do violino.

É amargo, é amago,
os poucos poços
que restam dos teus
olhos cheios de maças.

Pequenos suspiros
dançam em meio
ao nosso amor de
candelabro acesso.

É amargo, é amargo,
alguns pequenos gravetos
algumas tochas recém apagadas.
O livro que fechado antes era aberto.

Noite



Minhas mãos tremem
de luas e de mares.
A terra geme e chora.
Há uma paloma rosa
no meio do oceano.
Duas asas, duas rodas.
Uma onda me arde os olhos.
Minhas mãos treme
de luas e de mares.
São as lágrimas das rochas.

lamento marinho



me desligo
de mim mesmo
em sonhos
e em suspiros

o mar distante
chora comigo

isso porque
suspiro!

Representação noturna



As folhas noturnas
se movem na árvore escura.
De adormecidas raízes
vejo a luz da noite 
e o vagar das nuvens.

A alma serena observa
e canta a canção da paz.

O tronco imóvel se
inquieta com o ranger
das folhinhas pequenas
que caem.

A alma serena observa
e canta a canção da paz.

Nenhuma ave em
cima, nenhum ninho.
Nenhum beijo de farinha,
nenhum suspiro.

A alma serena observa
e canta a canção da paz.

Não há lua, nem trevas.
A árvore chora suas folhas
imóvel em prantos de formigas.
Alguém descansa no mar.

A alma serena observa
e canta a canção da paz.

Versos de agricultura



...com as mãos cheias de terra, pó, vento e poeira...

E quem move o meu
coração vermelho e cinza
de agricultor apaixonado
por ti, menina das palmeiras.

As minhas ferramentas
de amor são as sementes 
que lanço na terra molhada
e triste.

O vento passa por
mim. O tempo zomba.
E de repente, surge,
meu Deus, um broto.

Um lindo brotinho
ilumina o campo todo.
E o meu coração apaixonado
te olha, te observa.

Fui eu quem plantou
o amor em tuas mãos?
Meu Deus, não nasci
eu para plantar como agricultor?

Por isso minhas mãos
camponesas e meu rosto
estão queimados
pelo sol carrasco.

E te quero em minha
terra, chuva, porque o
E'terno te move para
as raízes profundas.

E necessito dela,
e de ti, e de tudo.
Meu Deus, não nasci
eu para plantar como agricultor?

Canção de ninar cigana



(com as mãos enferrujadas e com os olhos de nuvens)

Ar
cigano
da casa
cigana.
A casa
está fria.
A noite
está branda.
Ar
cigano
da casa
cigana.
O touro
toureia
o toureiro.
O toureiro
toureia
o touro.
Ar
cigana
da casa
cigana.
A casa
está fria.
A noite
está branda.
Olhinhos
miúdos
de peixinho.
Minúsculo
é o mar.
A terra
é fria.
O ar
é frio.
O rio
é claro.
Teus olhos
escuros.
Ar
cigano
da casa
cigana.
A casa
está fria.
A noite
está branda.

Um camponês mirando o campo



...com a janela embaçada... com a porta entreaberta... com os olhos
fixos na imensa nuvem que se aproxima.... pássaros fogem...

Sementes do campo germinam em meus versos.
Estou só. Estou frio. Estou calmo. Eu e a névoa.
A noite profunda invade os meus olhos. 
Sem estrelas componho canções inúteis.

Sílaba por sílaba a terra vai entrando em
minhas palavras sem vida. Elas, as palavras,
as mais verdes e castanhas, tornam-se azuladas,
e vão se iluminando pelo céu enegrecido de suspiros.

Estou ali, com as mãos doloridas e sangradas.
Ninguém vê o meu coração dolorido e imóvel.
Os espelhos se quebraram. As nuvens se foram.

Sufocou-me a noite e as palavras e o dicionário.
A melodia da terra e do mar tocaram a chuva.
O campo arde de verde. E eu também ardo.

Terra que chora



Retribua o mal que te fazem com o teu mais precioso  bem. 
Porque eis que aquele entre o qual  contigo tinha  inimizade, se tornará vosso MAIS sincero amigo.
Livro das Questões Místicas, pág. 89


Ai terra, que chora,
ai terra que chora e sofre.
Que acontece nessa hora?
Não sei, não sei.
Ai, terra, que chora.

A chuva não apagou
o fogo do ódio nesse mundo.
Ai, terra que chora e sofre.
O meu coração de cera
se derrete diante de tanta dor.
E eu só posso fazer poemas
diante dessa falta de amor.

Ai, terra, desconsolada,
ai terra amarga, terra de vento,
terra de dor, de roubos, de sofrimento.
Me perdoem se não tenho lágrimas
mais dou os meus versos a quem quer.
Porque sofro contigo, terra amarga,
pois o vento não apaga
os meus lábios amargos, ai, terra,
terra, triste terra.

Meu Deus, me perdoe,
me perdoe porque eu sou o que
não faz nada.
Estou imóvel,
com as mãos atadas.
E choro com você, amigo,
e choro com você, amiga.

Ai, terra, terra amarga.
Quantas dores, e eu?
Eu não faço nada.
Estou imóvel,
com as mãos atadas.

E pensas tu, amigo,
que tenho vergonha?
E pensas tu, amigo,
que não sofro contigo?
Que não grito contra
esses decretos malditos?
Ai, terra, terra amarga,
terra triste e desolada.

Esses são os povos
que devem ser enforcados?
Os muçulmanos, os cristãos,
esses devem ser postos em
suas lápides por decretos?
O que acontece que há
tanto sangue e tanta perseguição?

Iraque,
Iêmen,
Síria,
Irã.

Eu sei, eu não tenho razão.

Sudão
Líbia
Somália.

Meu Deus, quanta escuridão.

E eu não tenho mãos
e eu não tenho pés
e eu não tenho lágrimas
tudo o que tenho para batalha
não, amigos, não tenho armas
nem espadas nem dores
tenho apenas

palavras e sonhos
e alguns amores e paz.
Ai, meu Deus, quanta paz.

Ai terra, que chora,
ai terra que chora e sofre.
Que acontece nessa hora?
Não sei, não sei.
Ai, terra, que chora.

Me desculpem
por ser tão vão.
Me desculpem
por não ter condições
de consertar o mundo.
Só posso chorar
e cantar, cantar com a minha voz,
cantar, meu Senhor Jesus,
cantar mesmo mudo.

Ai terra, que chora,
ai terra que chora e sofre.
Que acontece nessa hora?
Não sei, não sei.
Ai, terra, que chora.

domingo, 29 de janeiro de 2017

A filha do rei e seu amante

pequena peça de teatro influenciada  por Ariano Suassuna no romance de Clara menina com D. Carlos de Aguiar




personagens:
Narrador
Rei 
Filha do Rei
Amante da filha do rei
Don Bastião


abre-se as cortinas

primeiro cenário: uma espécie de campo, com algumas árvores, pedras, céu azulado

Narrador
Se passou em Portugal
a história que eu vou contar.
Ou talvez foi na Espanha,
não consigo me lembrar.
Como não teve tempo
vou no Brasil a colocar.
Pensem num reino
há muito tempo e vamos
iniciar.
Pensem na Filha do Rei
passeando no jardim.
Brincando com o seu Amante,
longe dos olhos do povo, enfim.
E cruza pela estrada
Don Sebastião em
seu cavalo dourado.
Com olhos de quem
está muito interessado
em ir até a corte
fofocar o que se tem passado.

Don Sebastião
Esta é a Filha do Rei 
com seu Amante a brincar 
e isto o que estou vendo a
o meu rei eu vou contar 
ao meu rei eu vou contar 
e um bom posto eu vou ganhar!

Filha do Rei
Isto o que vês aqui
 a meu pai não vais contar
 que eu te dou muitas terras
 a qual podes caminhar
 e a minha prima Paulínia
 para contigo casar.

Don Sebastião
Não quero muitas terras
 a qual posso caminhar 
nem tua prima Paulínia 
para comigo casar 
porque eu vou contar 
a meu rei eu vou contar 
a teu pai eu vou falar 
e um bom posto vou ganhar

Amante da filha do rei
O que viste hoje aqui 
ao Rei não vais contar
 que eu te dou melhor cavalo
 arreado como está: ao redor do peitoral
 cem de ouro cem de prata 
cem do mais fino metal.

Don Sebastião
Não quero esse cavalo 
arreado como está: 
ao redor do peitoral 
cem de ouro cem de prata
 cem do mais fino metal
 porque eu vou contar 
ao meu Rei eu vou falar 
ao pai dela eu vou contar 
e um bom posto eu vou ganhar.


segundo cenário: sala do rei, com trono, cadeiras reais, etc

Don Sebastião - na sala do rei
Ó meu Rei, meu bom Rei,
 vim aqui pra te contar 
que encontrei vossa filha
 com o seu Amante a brincar, 
nua da cintura pra baixo 
nua da cintura pra cima 
sinal que é pra se casar.

Rei
Porque não falas logo
como tens que  já falar
se ela estava como dizes
com o seu Amante a brincar
nua da cintura pra baixo
nua da cintura pra cima,
estava nua pra  embuchar!

Don Sebastião
Eu seria um atrevido
se assim fosse assim falar!
Mas aqui vai a verdade:
me mandaram me calar!
A princesa tua filha
quis até me subornar:
ela quis me dar as terras
que ainda vai herdar
e sua prima carnal
pra comigo casar!

Rei
E o que foi que respondestes
depois dela assim falar?

Don Sebastião
Disse "O que vi aqui
a seu Pai eu vou falar,
a meu rei eu vou contar
e um bom posto eu vou ganhar!"

Rei
Fizeste muito mal
em aqui isso contar,
na frente de todo mundo,
pra todo mundo escutar!
devias ter me chamado
para um particular!

Don Sebastião
Eu estava só brincando
quando disso vim falar!
não era a Princesa tua filha
nem seu amante a brincar!
Ela estava bem vestida
na igreja, a orar!

Rei
Tu terias ganho o posto
falando em particular
mas na frente do meu povo
o que mereces ganhar
é o machado do carrasco
que está a te esperar 
pra essa tua cabeça
de um só golpe degolar!

sai Don Sebastião chorando.

Filha do Rei
E comigo e meu Amante
Que ação vais decretar?

Rei
Menina sem cabeça
eu devia te matar!
Mas morrias difamada,
e assim, é melhor casar!
Vou te casar com o teu Amante
e os sinos vão dobrar.
Os sinos vão dobrar
porque você e seu amante
hoje mesmo vão casar.

Narrador
E assim acaba o fato
que em Portugal aconteceu.
Ou talvez foi na Espanha
que isso se sucedeu?
Hoje eu não me lembro.
mais não faz mal.
Cada um que imagine
o que sucedeu no final.
Pois casaram-se os dois
e viveram felizes afinal!

pano.


foto: ilustrativa


Leitura de Schopenhauer



Derivemos a origem da vida: o sofrimento.
Mais o amor, o sagrado amor, a chama
que pode arder em nosso impulso de
léguas e outras coisas, etc coisas que

não significam nada e que atrapalham
o nosso raciocínio de entrega: a não-existência
celeste, o desaparecimento do ego finito,
a desdobra do outro em não outro. 

Seria a mensagem perfeita para quem
busca o mais perfeito Nada, o puro nada
não da morte, nem da vida.

O mesmo ponto de luz que cerca
as trevas do céu ou o mesmo ponto de luz
que cerca tudo o que existe não-existindo.

sábado, 28 de janeiro de 2017

Terra de sangue, amarga terra

Terra de sangue
amarga terra:
quem não chorará
por ti lágrimas
de vento?

Minhas mãos tremem
diante de tanto sofrimento.
Que se fará por ti,
terra de sangue, nossa terra?

Cada pedra um ódio,
cada ferida um coração,
cada olhar uma lágrima,
cada dor é minha dor.


Terra de sangue
amarga terra:
quem não chorará
por ti lágrimas
de vento?

Meus olhos imóveis
visam os lucros dos ricos
e a pobreza dos pobres.
Choro mariposas e tristezas.


Terra de sangue
amarga terra:
quem não chorará
por ti lágrimas
de vento?

Quem dará fim
a essa eternidade de dor?
Meu Deus. teus olhos
claros e escuros são

o abajur que pode
finalmente iluminar
a tristeza viva desse
triste mundo.


Terra de sangue
amarga terra:
quem não chorará
por ti lágrimas
de vento?

escrever para o povo (carta a redação)

carta a redação

Não sei se escrevo para o povo ou se de que tipo de povo devo dizer que escrevo. É muito difícil explicar isso, porque dentro de minhas entranhas intelectualistas, que é surrealista e modernista, sinto no fundo a necessidade de expressar o apoio ao povo humilde, o povo da classe trabalhadora a qual eu pertenço. Ainda não consigo expressar esse tipo de coisa, porque os fundamentos da minha arte são de outro tipo (sentimentais, artísticas). A minha necessidade básica seria demonstrar a minha cidade natal onde vivo, Adamantina, em poemas e peças, mais não consigo colocá-la em nenhum ponto, e isso acontece por causa da minha personalidade. Uma, sou cosmopolita de espírito, outra, sou protestante de carácter. Os meus poemas estão relacionados a temas da qual eu conheço e do qual eu convivo e de que desde pequena idade me foi oferecido por muitas leituras que tive, como a bíblia, os livros de poesia de poetas românticos, etc... citá-los geraria um texto muito mais extenso do que posso compor. Mais a arte do povo ou a arte para o povo deveria ser o meu sonho, e é claro que eu gostaria de ser lido pelo povo do meu país. Mais acho que alguns não entenderiam o meu propósito. Quero explicar bem isso para que o meu texto não seja místico nem de demasiada compreensão intelectual. Para mim, tenho uma alma andaluziana, por isso sempre li muito os poetas da Andaluzia, e vez ou outra, cito essa região em meus versos. Os meus temas são temas que podem parecer obsoletos, mais são temas caros para mim. Eu canto as minhas raízes que são portuguesas, judaica, cigana, turca, muçulmana, negra. Em meus poemas tento expor a minha alma, o meu momento, tento me decifrar, tento me esvaziar para me dar para que me leiam em forma de música. Eu diria que os meus poemas sou eu, ou uma tentativa de se eternizar em algo. Mais o povo é muito sofrido, e acho que minhas canções não são do interesse deste. Mais mesmo assim é minha intenção ser considerado um autor popular. Ou esse é o meu desejo. Não sei.

Sou um poeta cigano

...vozes de cigano na madruga gelada 
estrelada... azul!

Sou um poeta cigano
de noites tristes e mal-dormidas.
Sou um poeta cigano
de luas partidas de vidro e aço.

Sou um poeta cigano
que vaga nu pelo vento crespo.
Meu coração de lata é
cheio de sofrimentos e ventos.

Sou um poeta cigano.

Minhas mãos seguram a espiga,
a noite fria me atormenta.
Sou um poeta cigano,
sem rumo e sem coração.

Algumas palavras me machucam
outras me alimentam.
Sou um poeta cigano,
estou nu, estou vestido.

Minha casa é aquele norte,
aquele norte frio e amargo.
A minha casa é o norte,
o norte triste e vago.

Minha casa de cigano
é no sul de minha alma.
Minha alma cheia de pedras,
minha alma de sul e vento.

Sou um poeta cigano
cheio de tintas e preces.
Cheio de canções e uvas.
Sou um poeta cigano

sem rumo e sem direção
vago com o meu coração.
Pois estou no caminho oeste
com palavras de mel e petróleo.

Sou um poeta cigano
esse é meu cantar.
Não se espante com o meu pranto.
Pois sou um poeta cigano.

antes de adormecer

...ouvindo canções ciganas antes de adormecer....

a lua sem sol é de prata, é de prata
as ciganas são luas de prata,
mais o meu amor é cheio de ferrugem,
e a lua sem sol  é de prata, prata!

meu coração cigano ama e se atrapalha,
por isso doe-me tanto essas luas,
essas luas sem sol que são pratas, pratas,
a lua sem sol é  de prata,  prata!

vejo em teus olhos, cigana do sul,
a miragem de um anel de prata, de prata,
seus olhos de lua sem sol são prata, prata,
ai, meu coração de lata dói!

porque te amo cigana, te amo a pluma,
te amo o vento, te amo as palavras,
te amo os beijos, te amo a solidão,
te amo o sofrimento dentro do barril,

porque te vejo, porque te vejo
dentro do espelho e dos livros
com uma mão ensanguentada
pelas batalhas dos toureiros.

a lua sem sol é de prata, é de prata
as ciganas são luas de prata,
mais o meu amor é cheio de ferrugem,
e a lua sem sol  é de prata, prata!