quinta-feira, 31 de julho de 2025
Visions of Stones or Jewish Primitivism
Nem nada nem tudo
Te amei como se ama o mar —
com medo e com sede.
Com os pés enterrados na areia da dúvida
e o coração atirado como âncora.
Tu vinhas com o sal nos ombros,
com os cabelos como algas rebeldes,
com o peito nascente
e a voz que soprava marés novas
em meu corpo de velho cais.
Te amei sem saber teu nome antigo,
sem querer teu antes —
porque eras onda,
e a onda não tem passado,
só avanço,
espuma,
e urgência.
No teu corpo navegavam
os navios da minha esperança.
Entre tuas coxas —
o estreito sagrado
onde minha alma perdia o leme.
Oh, sereia de carne e fúria,
teu sexo não era mistério,
mas revelação:
um mapa que o mundo nunca quis ler,
mas onde minha bússola se acendeu.
E quem ousará dizer
o que é homem, o que é mulher,
se até o mar muda de forma
a cada segundo?
Te amei —
nem nada
nem tudo,
mas como quem mergulha
e, afogado, aprende a respirar.
E se algum deus me negar teu beijo,
que me negue o céu,
a fala,
o ar —
mas nunca
a memória
do teu corpo-mar.
Voltei a ser poeta
Deixei a pena como se deixa
um pássaro ferido no escuro.
Fui ao campo,
carreguei pedras,
cavei buracos para os fantasmas da terra.
Minhas mãos, antes cheias de sílabas,
encheram-se de calos e poeira.
As manhãs chegavam com martelos,
os almoços eram pão duro e silêncio,
as noites — um cansaço que apagava o mundo
sem me apagar.
Mas algo,
algo rugia dentro do meu peito,
como se o coração mastigasse vogais.
A enxada pesava menos
do que o poema que eu não escrevia.
As palavras vinham escondidas
na sombra dos bois,
no grito dos homens,
no suor das camisas.
E quando chovia,
oh, quando chovia,
era como se Deus mesmo
rabiscasse versos no barro.
Voltei a ser poeta.
Não por escolha —
mas porque a língua me ardeu na boca
como um fruto esquecido.
Escrevo com a terra debaixo das unhas,
com a fome dos ossos,
com a força que não tem nome.
Voltei a ser poeta.
Como o rio volta ao mar.
Como o fogo volta à lenha.
Como o homem volta a si.
Não peço perdão.
Nem glória.
Apenas deixem-me cantar,
com voz de lavrador,
com mãos de operário,
com alma de barro:
sou um poeta.
E voltei.
Ser um Poeta
Queria ter sido
um operário do aço,
um martelo,
um punho,
um grito no espaço.
Mas nasci palavra,
verso torto,
língua que morde a própria garganta.
Ser um poeta,
que pecado, que arrependimento,
sou feliz, e morro assim,
revolução tristeza vento.
Não me dei ao luxo da calma.
A vida é um punhal em chamas.
A folha em branco?
É uma bandeira sem dono.
As palavras são dinamite!
Explodem nos becos da alma!
E eu,
feito trapo vermelho,
marchar rima abaixo,
quebrando a lógica dos muros
com o peito.
Cuspam na minha tumba!
Mas leiam meus versos.
Eles sangram!
Eles gritam!
Eles amam mais do que eu pude.
Ah, se ao menos o amor
não fosse uma greve
que nunca termina.
Ah, se ao menos o poema
pudesse ser um pão,
um beijo,
um fuzil.
Mas não.
Sou só isso:
letra,
lama,
luxúria da linguagem.
E no fim,
meu epitáfio será só uma frase:
-ser um poeta,
que pecado,
que arrependimento,
sou feliz,
e morro assim,
revolução tristeza vento.
As travestis dos meus olhos
Entre a dobra da dobra do olhar,
onde o espelho não me reconhece,
habitam as travestis dos meus olhos:
delírios com pênis, perfumes e promessas,
sinais de interrogação com cílios postiços.
Eu gozava o gozo do signo.
Na tela, o corpo não era corpo,
mas texto — um corpo que se escreve
com unhas vermelhas e gemidos falsos,
falsos como todo o real que se assume.
A masturbação não era ato — era leitura,
uma hermenêutica da carne encenada,
e cada pixel que piscava era um
supplement do que me faltava.
Meu desejo: uma errância,
meu prazer: um arquivo sempre em fuga.
Não era vergonha. Era presença.
Um modo de habitar o mundo
como quem habita um erro feliz.
Naqueles instantes de punho e luz azul,
eu tocava o impossível:
não o corpo, mas o sentido do corpo,
aquele que escapa, que dança, que ruge.
E me amei ali. Sim, me amei
no abismo entre o masculino e o feminino,
onde as travestis dos meus olhos
sorriam, e diziam:
você também é texto.
E gozar era dizer —
com o sêmen, com o choro,
com o silêncio depois —
que o mundo pode ser belo,
quando se aceita como indecidível.
Os Filhos dos Mortos
Nos fundos da casa, um judeu menino
ouvia a faca do pai tilintar no bar.
Não era o choro — era mais fino,
um metal que tentava se explicar.
A mãe, de xaile e crucifixo torto,
parava à porta, entre o sim e o não,
com um pé no templo e outro no aborto
de acompanhar o homem na perdição.
As cadeiras caíam sem cerimônia.
O copo fazia do chão uma oferenda.
O menino aprendia a ler a insônia,
como se fosse Torá — ou uma lenda.
Ele não era ninguém. Apenas um ramo
de uma árvore antiga e envenenada.
Carregava no sangue o mesmo drama:
a sede, a culpa, a estrada calcinada.
A cidade ria das roupas do pai.
Os goys cuspiam no pão de sábado.
Mas nada o feria mais do que o ai
não dito nos olhos da mãe ao lado.
Ela orava por Jesus. E por Javé.
Pedia que o filho não fosse igual.
Mas o menino, sem céu nem fé,
tinha no peito o frio do final.
E um dia sumiu. Como som de chuva
que se perde entre trilhos e ferrugem.
Restou na estante uma estampa suja
e o eco da faca — sem mais vertigem.
Oh filhos dos mortos, sem chão ou abrigo,
criados em becos de medo e tensão,
são como árvores que o vento abriga,
mas nunca lhes firma raiz no chão.
Uma infância deprimente
O menino toma café.
Preto. Quente. Amargo.
Como o mundo que ainda não conhece,
mas já sabe que odeia.
A xícara pesa mais do que a infância.
Tem sete anos
e pensa em Sartre sem saber que pensa em Sartre.
O ser e o nada misturados com leite.
Lá fora, a natureza:
pássaros gritam porque estão vivos.
Árvores balançam porque não têm escolha.
Tudo verde demais para tanta solidão.
A mãe limpa o chão como quem apaga pegadas.
O pai dorme com a TV ligada —
outro homem morto de olhos abertos.
Ele observa o sol batendo na janela
e pensa:
“tudo o que brilha apodrece depois.”
A infância é um palco vazio com cortinas floridas.
A vida é um pátio onde formigas carregam cadáveres.
O café esfria.
O menino também.
o elogio à pornografia gay
Cena 12: Luz, suor, desejo masculino
Corpo sobre corpo
sem culpa, sem Eva, sem cruz.
Sem Bíblia no meio da cama.
Só pele.
Só pêlo.
Só gozo que não pede desculpa.
Ah, pornografia gay —
você não mente, não engana com flores,
não vende casamento em caixa branca.
Você mostra. Você escancara.
Você dança com o falo ereto como tocha olímpica.
Homem sobre homem:
gêmeos que se recusam a ser Adão e Caim.
Queimam Sodoma por gosto.
Colocam a câmera no centro do pecado
e gritam:
“Aqui estamos! Filmados e felizes!”
É arte?
Não precisa ser.
É revolução?
Às vezes, sim.
É prazer sem vergonha.
E isso já basta.
Porque aqui,
entre o close e a carne,
não há juízes, nem Deus dizendo “pare”.
Só o corpo,
e o outro corpo,
e o som que eles fazem juntos:
liberdade.
-
AH MORTO
para elfried jelinek, com alegria e sorrisos!
Ah, morto! — sim, já sou antes do túmulo!
Pois vivo em carne sem volúpia ou cio,
um escriba estéril no meu próprio frio,
fantasma em fúria num presépio húmulo.
Na solidão do quarto onde me esfúmulo,
sonho ser Deus, ou ser apenas um rio...
Mas sou papel — sem tinta, amor ou brio —
um sopro escroto num divino acúmulo.
Não tenho sexo! — tenho pena e pranto,
e a mão que escreve é só rumor e espanto
de um verbo morto que ninguém conjuga.
Deus! Por que me deixaste assim, em vão,
com o coração roendo a própria cova
e a alma escura — como a Tua — muda?
der letzte neue Surrealismus
três poemas autobiograficos
O PÃO
para drummond
Sobre o signo da Fome - eis então
O Pão sobre a mesa sagrada da minha familia.
Angustia, tristeza, solidão,
Tudo isso é amargurado coração!
O Pão, carrega dentro de sí
A memória de um messias da judéia.
E lá, quando o sol bate nas pedras
Entra a voz errante da Eritreia.
Silêncio, que escrevo com
O trigo que salta da terra
A minha tristeza de ventos.
Que me importa o fim das eras?
Seremos tu e eu o pó do chão,
Eternos, igual o Pão que comemos.
O TAMARINDO
para daniel, cavalo!
Sonhei contigo na cama - pele negra
Serena raiz do doce que salta
De tuas frondosas folhas até meus
Lábios pequenos e tristes.
A marcha das moleculas segue
A vida do teu tronco de formigas.
O tamarindo entre o chão e o céu
Me observa serenamente vendo
A cobra negra que salta igual
Garça ou qualquer musica antiga
De uma roma sensual eterna.
Ficarei parado entre o não-pensar.
Pois se vejo a minha mão tocar
Teu gozo salgado nessa doce terra.
A NATUREZA
para schopenhauer e augusto dos anjos
A natureza é fria e enxergo
No roer dos vermes fundamentais
A morte em cada esquina
E a luta sangrenta dos animais.
É bela para ti, burguesa cega,
Esse cenário de Monet em quadros?
Olhai os peixes sendo devorados
Pelos tubarões com fome.
Até as árvores tem espinhos
Violentos iguais rosas: não toque,
Que a natureza é ansia e grito.
Choras... Pode chorar e lamentar.
Eis que tudo irá se findar
Na natureza fria da existencia humana.
Bad Boy Love
Mulher quer bad boy, isso é fato,
cheio de drama, todo desacato.
Ele some, ela chora, depois perdoa,
porque amor ruim é que vicia à toa.
Ele manda mensagem só pra zoar,
ela cai na lábia, volta a ligar.
Bad boy é tiro, é guerra, é fogo,
mas no final todo mundo quer jogo.
Veja a piada poema recitada por mim em video aqui:
Bad Boys e Corações
Mulher gosta de bad boy, é verdade —
porque eles têm atitude, e também a… maldade.
Eles chegam no rolê com olhar de “sou perigo”,
mas no fundo só querem é papo e abrigo.
Ela fala: “Quero alguém que me faça sentir viva!”
Ele responde: “Calma, gata, não sou só perigo, sou explosiva.”
Mas quando o bad boy some, quem chora? Ela, claro, coitada!
Mas no fundo, sabe, no fundo, ela acha até engraçada.
“Por que você gosta de quem só traz confusão?”
Ela ri e diz: “É que bad boy é meu tipo de emoção.”
Amor é bagunça, drama e um pouco de perigo —
só não vale reclamar depois do castigo!
No fundo, mulher quer é história pra contar,
mesmo que no final tenha que ir pra casa chorar.
Bad boy é tipo aquele filme ruim, cheio de ação,
que a gente vê de novo só pra sentir o coração.
A alma e a religião
A alma é um pássaro cansado,
que voa em silêncio pelo céu do tempo,
buscando, entre nuvens dispersas,
um ramo onde pousar.
Religião —
não como dogma frio,
mas como um lume tênue
que aquece as mãos no inverno da dúvida.
É nessa busca serena,
entre sombras e luzes veladas,
que a alma se revela inteira,
não mais perdida, mas inteira.
Paz não é ausência,
mas a chama que arde calma,
um sopro que atravessa o vazio,
um segredo murmurado pela fé.
Ah, alma inquieta,
que não teme o caminho longo,
pois sabe que a cada passo dado
o silêncio se torna oração.
E no final,
quando o mundo se aquieta em seu adeus,
só resta a alma —
livre, serena, em paz com a fé.
Nuvem ou outra coisa
Nuvem ou outra coisa —
não sei ao certo,
mas o céu se esgarça em silêncio,
e a vida, essa mão trêmula, escapa.
Somos folhas soltas no vento frio,
que carrega promessas feitas em vão,
palavras duras como pedra lançada
no lago que nunca se move.
Política —
um jogo de sombras e sussurros,
fantasmas que se arrastam,
tecendo fios invisíveis ao nosso redor,
mas que nada apagam do fogo interior.
Antes que o crepúsculo nos venha buscar,
antes que o corpo, cansado, se dobre,
procuro a luz que não se explica,
o nome que a boca não ousa dizer.
Deus —
esse segredo do silêncio,
a mão que talvez segure a minha,
quando a última folha cair,
quando o rio se recolher no mar.
Nuvem ou outra coisa —
no fim, somos tudo e nada,
mas ainda temos tempo para olhar para cima,
para um céu que espera, paciente,
o nosso suspiro final.
Ah, sim, o coração
(para V., no exílio da carne e da bandeira)
Ah, sim, o coração —
essa relíquia que insiste em bater
como as fábricas de Minsk,
mesmo depois do apagão.
Amo você, morena do sul,
com seu português de açúcar e navalha,
com seus quadris que desenham sambas
em ritmos que Lênin jamais previu.
Você é trans.
Trans-continental. Trans-lúcida. Trans-verídica.
Mais mulher do que todas as mães da pátria
que me embalaram com leite e ideologia.
Sua pele tem a cor
que os poetas do meu país jamais descreveram —
porque era preciso morrer em gulags
pra alcançar tal tom.
Mas você,
você me chama de "amor"
com uma boca que conheceu o aço
e o batom vermelho que derrotou o realismo socialista.
Você me olha
e eu vejo Moscou sob neve derretida,
vejo minha infância com cheiro de sopa e cigarro,
e tanques desfilando como metáforas do medo.
E, no entanto, você sorri
como quem não teme mais
nem Deus, nem o pai, nem o Estado.
E eu —
eu fico pequeno como uma república báltica,
querendo anexar sua alma.
Ah, sim, o coração:
esse estúpido trotskista apaixonado
que ainda sonha com bandeiras
e acaba deitado nos seus braços,
falando russo enquanto você geme
em iorubá, talvez, ou em silêncio brasileiro.
Você é mais que mulher —
é minha nova União.
Sem sovietes. Sem censura.
Apenas seu corpo —
um manifesto.
E eu?
Apenas um velho exilado,
traduzindo você devagar,
sem nunca entender tudo,
mas amando cada sílaba sua.
A Boca de Paul - conto
A Boca de Paul
Meu nome é Daniel, tenho vinte e um anos e um livro de Paul Celan na mochila. Nunca saio sem ele. A edição é bilíngue, francês e alemão, com tradução de um suíço que morreu de cirrose. Celan morreu afogado no Sena. Eu descobri isso antes mesmo de ler qualquer poema dele. Era o que me interessava.
Ele se jogou em abril de 1970. Esperou a primavera começar. Isso me parecia importante. Os poetas se matam no outono ou na primavera, nunca no verão. O verão é vulgar demais pra morrer.
Li Todesfuge numa lanchonete suja perto da faculdade. Chorei. Mas chorei com vergonha, escondido atrás do cardápio de hambúrguer. Um velho viu. Ele riu. Não importa. Desde então, comecei a escrever. Fiz um poema idêntico. Plágio, disseram. Os imbecis não entenderam. Era amor.
Depois vieram as outras obsessões. Comprei a mesma marca de caneta. Escrevia só em folhas soltas. Dormia com o livro. Sonhava com um campo de cinzas onde alguém me dizia: “Schwarze Milch der Frühe”.
Minha mãe disse que eu precisava de terapia. Meu pai não disse nada, como sempre. Um dia perguntei à professora de Teoria Literária se alguém já tinha escrito sobre morrer como o autor. Ela se afastou discretamente. Parei de ir às aulas. Fui trabalhar num sebo.
Era um lugar bom. Cheirava a mofo, como os porões onde os judeus se escondiam. Às vezes, eu me deitava entre as estantes e imaginava bombas caindo.
No início de abril fui ao rio. Não o Sena, mas o Tietê. Era o que eu tinha. Fiquei lá parado, fumando, com o livro molhado na mão. Chovia. A água era preta. Um cara gritou: “Vai nadar, otário?”
Sentei na borda. Tinha escrito um bilhete:
"Levei Paul até o fim. Perdoem-me por ser outro cadáver com versos na boca."
Joguei o bilhete na água. Ele afundou devagar, como tudo que vale a pena.
Depois me joguei também.
E por um segundo, juro, ouvi Celan dizendo meu nome.
Paul's Mouth - short story
My name is Daniel, I'm twenty-one years old, and I have a Paul Celan book in my backpack. I never go out without it. The edition is bilingual, French and German, translated by a Swiss man who died of cirrhosis. Celan drowned in the Seine. I discovered this before I even read any of his poems. That's what interested me.
He threw himself into suicide in April 1970. He waited for spring to begin. That seemed important to me. Poets kill themselves in autumn or spring, never in summer. Summer is too vulgar to die.
I read Todesfuge in a dingy diner near the university. I cried. But I cried with shame, hiding behind the hamburger menu. An old man saw it. He laughed. It doesn't matter. From then on, I started writing. I wrote an identical poem. Plagiarism, they said. The idiots didn't understand. It was love.
Then came the other obsessions. I bought the same brand of pen. I wrote only on loose-leaf paper. I slept with the book. I dreamed of a field of ash where someone would say to me, "Schwarze Milk der Frühe."
My mother said I needed therapy. My father said nothing, as usual. One day I asked the Literary Theory teacher if anyone had ever written about dying like the author. She quietly walked away. I stopped going to class. I went to work at a second-hand bookstore.
It was a good place. It smelled musty, like the basements where Jews hid. Sometimes I would lie down between the shelves and imagine bombs falling.
In early April, I went to the river. Not the Seine, but the Tietê. That's what I had. I stood there, smoking, with the wet book in my hand. It was raining. The water was black. A guy shouted, "Going for a swim, you idiot?"
I sat on the bank. I had written a note:
"I took Paul to the end. Forgive me for being another corpse with verses in my mouth."
I threw the note into the water. It sank slowly, like everything worthwhile.
Then I dove in too.
And for a second, I swear, I heard Celan saying my name.
Como a chama sem pavio
para ela, que esperei, e não veio !
Amei —
como o fogo ama
o altar já frio.
Ofereci meu coração
como quem acende incenso
num templo abandonado.
E teu silêncio —
era a eternidade
sem Deus.
Na auréola da travessia - Im Heiligenschein der Kreuzung
Na auréola da travessia
No limiar onde os anjos esquecem os nomes,
caminhas —
travesti de pele noturna,
filha de Sara e do sal do deserto.
Teu corpo é uma lâmpada acesa
no templo que ardeu mil vezes.
Teu andar —
alfabeto em chamas no véu do Sinai.
Oh, beleza insurgente,
de cílios que contêm o lamento dos profetas,
tua voz tem o tom dos salmos mutilados
cantados sob luas clandestinas.
Teu sangue leva o eco
de Miriã dançando entre as águas,
mas tua carne
é o escândalo e o milagre,
é o Shekhiná que voltou
em vestido e batom.
Tua cor,
a sombra das oliveiras no Gólgota,
é onde Deus, exilado em exílio,
reaprende a amar sua criação.
Travessia.
Travesti.
Teus seios são estrelas costuradas ao peito do mundo,
teu falo —
um segredo sagrado escondido nas tábuas da Lei.
Quem ousará negar tua santidade?
Se no teu sorriso cintila
a liberdade que o faraó temeu.
Im Heiligenschein der Kreuzung
An der Schwelle, wo Engel ihre Namen vergessen,
gehst du –
ein Transvestit mit nächtlicher Haut,
Tochter Sarahs und das Salz der Wüste.
Dein Körper ist eine brennende Lampe
im Tempel, die tausendmal brannte.
Dein Gang –
ein brennendes Alphabet im Schleier des Sinai.
Oh, aufrührerische Schönheit,
mit Wimpern, die die Klage der Propheten enthalten,
deine Stimme hat den Klang verstümmelter Psalmen,
gesungen unter geheimnisvollen Monden.
Dein Blut trägt das Echo
von Mirjam, die im Wasser tanzt,
doch dein Fleisch
ist der Skandal und das Wunder,
es ist die Schechina, die
in Kleid und Lippenstift zurückkehrte.
Deine Farbe,
der Schatten der Olivenbäume auf Golgatha,
ist der Ort, an dem Gott, im Exil verbannt,
seine Schöpfung wieder lieben lernt.
Kreuzung.
Transvestit.
Deine Brüste sind Sterne, eingenäht in die Brust der Welt,
dein Phallus –
ein heiliges Geheimnis, verborgen in den Gesetzestafeln.
Wer wird es wagen, deine Heiligkeit zu leugnen?
Wenn in deinem Lächeln
die Freiheit strahlt, die der Pharao fürchtete.
I'm going back to
Vou voltar a
poesia, é, eu sei
fazer poemas
como ninguém
é um dom, aliás
em mim há
meu querido ginsberg
imensas montanhas sensuais
de homossexualidade e heterossexualidades
gigantescas de prazer
que emanam da alma
e do coração a gozar!
version in english
I'm going back to
poetry, yes, I know how
to write poems
like no one else
it's a gift, in fact
in me there are
my dear Ginsberg
immense sensual mountains
of homosexuality and heterosexuality
gigantic pleasures
that emanate from the soul
and from the heart enjoying!
poema de amor Liebesgedicht
poema de amor
me leve ao fim do mundo
minha querida menina trans
travesti traveca amada
que irei chupa lá até
tu me der teu leitinho sagrado
de vaca!
Liebesgedicht
Bring mich ans Ende der Welt
Mein liebes Trans-Mädchen
Geliebter Transvestit
Ich werde dich dort lutschen, bis
du mir Milch von deiner heiligen Kuh gibst!
besondere Lyrik oder Vision eines Dichters, der behauptet, edel und sinnlich zu sein
quarta-feira, 30 de julho de 2025
Vou pelo campo e não choro
Vou pelo campo e não choro,
porque chorei demais nas cidades.
Chorei entre postes acesos e policiais fardados,
chorei debaixo das línguas secas dos padres,
nas escolas onde apagaram meu corpo com giz branco.
Vou pelo campo e beijo meu irmão nu de barro,
o musgo nos nossos pés é mais puro que os sermões,
nosso fôlego uma canção sem nota,
um grito molhado no cu do universo —
liberdade é o nome que dou ao seu peito suado.
Amo homens como quem odeia a guerra,
amo homens como quem lambe feridas de um mundo doente,
amo homens porque o amor entre homens
foi crucificado entre duas televisões.
Queimem a Bíblia nos armários fechados!
Rasguem as leis que me chamam aberração,
que merda é essa de amor cristão
se Cristo nunca amou com língua, com mão,
se nunca chorou ao gozar na barriga de um carpinteiro!
Eu vi!
Vi os poetas escondidos nos banheiros da rodoviária,
li seus versos riscados com mijo nos ladrilhos,
ouvi os beijos que a moral tentou calar com pastores de terno,
mas não conseguiram calar o cio da verdade,
a beleza da carne que arde e não se desculpa.
Vou pelo campo e não choro —
porque lá, entre os bois, os grilos e o vento,
posso tocar meu amor sem algemas,
posso dizer “te amo” sem ver Deus virar o rosto,
posso abrir a boca e gritar
que minha alma tem barba, peito e desejo.
E que isso, isso, porra —
é sagrado.
poema piada
Porno
Nua, é claro,
babando meu pau litros de gozo
e a buceta bucetinha bucetona
dela
toda raspadinha
-se fosse peludinha eu também chuparia!
Ah, o gozo do amor,
o sexo, o porno,
gozar, sonhar, amar.
Sim, amor!
confissão geständnis confession
confession
I wanted to be a gay porn actor.
Oh, the deep dreams of yesteryear.
When life was so good.
Sucking big, thick cocks.
Happiness is being myself.
Loving women, trans people, and gay people.
confissão
Queria ser um ator porno gay
Óh sonhos profundos de outrora
Quando a vida era tão boa
Chupando rolas grandes e grossas.
A felicidade é ser eu mesmo
Amando mulheres, trans e gays.
geständnis
Ich wollte ein schwuler Pornodarsteller werden.
Oh, die tiefen Träume von damals.
Als das Leben noch so schön war.
Große, dicke Schwänze lutschen.
Glück ist, ich selbst zu sein.
Frauen, Transsexuelle und Schwule lieben.
Contos para se ler no inferno
contos
A DISCÍPULA
OS VIRA-LATAS
ATÉ TU, BRUTOS?
LINHAS CRUZADAS
O CATALÃO
A Discípula
Elias tinha 72 anos e escrevia como um punhal.
As palavras vinham curtas, sujas, cortando pele.
Ele odiava metáforas.
Estava aposentado do mundo, mas ainda escrevia, por inércia ou por ódio. Um conto por semana, publicado em revistas online que pagavam mal. Não precisava do dinheiro, precisava da raiva.
Foi numa dessas revistas que leu um conto de Eliane:
"A navalha entrou no olho esquerdo do açougueiro como se fosse manteiga."
Ele tossiu. Era sua frase, com outras palavras.
Ela o imitava.
E imitava bem.
Mandou um e-mail:
"Você me copia. Vamos conversar?"
Ela respondeu:
"Você me criou. Me ensina a matar sem parecer cópia?"
Foram tomar café em Copacabana. Ele pediu espresso duplo. Ela, chá gelado. Ela tinha 27, dentes pequenos e olhos perigosos.
Falava pouco. Escrevia muito.
Mostrou um caderno.
Contos. Cem páginas. Todos com a cara dele.
Ele leu. Tossiu.
Quis bater nela.
Quis comer ela.
— Você escreve igual a mim.
— Eu sei.
— Isso é um problema.
— Não pra mim.
Ela o levou pro apartamento dela. Botafogo. Quinto andar.
Cheiro de tinta e um gato manco.
Transaram no chão.
Ela mordeu. Ele gemeu.
Depois fumaram.
Ela nua, rascunhando no espelho com batom: "matar não é copiar".
Na semana seguinte ela mandou um conto novo.
Título: “O Sopro e a Estaca”.
Não parecia com nada que ele tivesse escrito.
Era um soco.
Era lírico.
Era sujo e místico.
Era fêmea.
Ele leu três vezes.
Sentiu uma dor no estômago.
Respondeu:
"Você encontrou. Agora me mata."
Ela respondeu com um .pdf.
O conto chamava-se “O Último Mestre”.
No fim, o velho era esfaqueado na cama pela discípula.
Morria com um sorriso.
Ele sorriu também.
E nunca mais escreveu.
Os Vira-Latas
Guto acordava todo dia com os latidos.
Três vira-latas.
Suavam a madrugada inteira rosnando para o vento, para a lua, para o inferno.
O dono dos cães morava ao lado.
Policial.
Nome: Sargento Vilar.
Guto odiava o Vilar.
Mas odiava mais os cães.
Os três eram magros, nervosos, sujos. Um branco, um preto, um malhado.
Pulavam o muro.
Cagavam no jardim.
Derrubaram os vasos da mãe dele duas vezes.
A mãe morreu. Ele quebrou os vasos de volta.
Mandou bilhete.
Mandou áudio.
Chamou o síndico.
O policial riu.
Mandou ele tomar no cu.
Guto começou a pensar em veneno.
Foi na agropecuária da esquina.
— Quero algo que mate rápido e não faça barulho.
O balconista achou que era pra rato.
Vendeu chumbinho.
Guto cozinhou almôndegas e recheou com o pó azul.
À noite, jogou por cima do muro.
Um dos cães latiu. O outro comeu.
O terceiro fugiu.
Duas horas depois, houve um uivo longo e depois silêncio.
No dia seguinte, a campainha tocou.
Era o Vilar.
— Você viu o Bolinha?
— Não sei quem é Bolinha.
— Meu cachorro malhado.
— Nunca reparei.
Vilar olhou fundo nos olhos dele.
Guto sentiu o cu gelar.
— Escuta aqui, poeta de merda — disse o policial — se eu descobrir que foi você, te faço comer a coleira.
Naquela noite, Guto não dormiu.
Nem na outra.
Na terceira noite, ouviu latido.
Um só.
Baixo.
Dentro da parede?
Arrombou o porão.
Nada.
Cheiro estranho.
Na manhã seguinte, o Vilar passeava com dois cães.
O preto e o branco.
O malhado tinha sumido mesmo.
Mas agora os dois latem mais.
Mais roucos.
Mais fortes.
Guto compra mais chumbinho.
Mais almôndegas.
Mas não tem coragem.
Na quarta noite, um dos cães aparece no sonho.
O malhado.
Com um pedaço de língua pendurado.
Rosna e diz, com a voz da mãe:
— Você é pior que bicho, Guto.
Guto acorda tremendo.
Começa a mijar sangue.
Liga pro médico.
Nada nos exames.
Uma semana depois, abre a janela e vê os dois vira-latas cavando no jardim.
Não há plantas.
Só terra fofa.
Um buraco.
E um osso.
Humano.
Ele jura que é humano.
Tranca a casa.
Vende o apartamento.
Muda pro Méier.
No novo prédio, tem um vira-lata no térreo.
Velho. Cego.
Mesmo assim, quando passa por Guto, o bicho rosna.
E Guto sente que os outros dois ainda latem.
Dentro dele.
Até Tu, Brutus
Rubem não era bonito, mas tinha dinheiro.
Trabalhava com exportação de aço.
Fazia musculação três vezes por semana e escrevia contos nos fins de semana.
Tinha um amigo desde a infância: Brutus.
Nome de batismo: Bruno Teixeira.
Chamavam de Brutus por causa do maxilar, do jeito de gladiador, e do que ele fez na oitava série com um professor de educação física.
Amigos inseparáveis.
Sexo, futebol, porrada e literatura.
Rubem conheceu Lígia numa terça-feira.
Chovia.
Ela entrou no bar como se fosse dona da cidade.
Vestido colado, sorriso de veneno.
Prostituta. Classe alta. Três mil a noite.
Ele pagou cinco.
Conversaram depois do gozo.
Ela falava de Nietzsche e Mônica Bellucci.
Ele ficou apaixonado.
Achou que era amor.
Levou flores.
Levou pra Búzios.
Levou pra dentro dos contos dele.
Mostrou pra Brutus.
Brutus riu.
— Você é um poeta virgem.
— Nunca fui tão homem.
— Cuidado, Rubão. Até César levou uma facada.
Ele devia ter escutado.
No terceiro mês, Lígia começou a sumir à noite.
Dizia que era trabalho.
Ele acreditava. Amava.
Até que, num domingo, esqueceu o celular dela no carro dele.
Desbloqueado.
Uma mensagem:
"Tô com saudade daquele teu soco. Entra por trás hoje de novo?"
Remetente: Brutus.
Rubem vomitou.
Depois mijou.
Depois chorou.
No dia seguinte, foi na casa do Brutus.
Levou um conto impresso.
Chamava-se “O Filho da Puta do Meu Amigo”.
Deu pra ele ler.
Brutus riu.
— Vai fazer o quê, me matar com adjetivo?
Rubem tinha trazido um canivete.
Mas não usou.
Só olhou.
E foi embora.
Na segunda-feira, cancelou todas as sessões com Lígia.
Na terça, escreveu um novo conto.
Chamava-se “O Beijo do Traidor”.
No fim, o personagem principal explode o carro do melhor amigo com ele dentro.
Mandou pra uma revista. Publicaram.
Foi sucesso.
Começaram a chamar Rubem de o "novo Fonseca".
A editora ligou. Queria livro.
Na noite do lançamento, Lígia apareceu.
Vestido vermelho.
Sorriso de sempre.
— Foi tudo verdade, Rubem.
— Até o Brutus?
— Principalmente o Brutus.
Ele autografou um exemplar com a dedicatória:
"Para quem me deu a punhalada certa, no momento certo."
Ela sorriu.
Ele também.
E foram cada um pro seu lado.
Mas no fim do livro, na última página, tem um bilhete escondido:
“A próxima história é com você, Brutus.”
Linhas Cruzadas
O nome dele era Mauro.
Cinco letras, três filhos, uma mulher chamada Cláudia e um Honda Civic automático.
Servidor público.
Quarenta e oito anos.
Gordura abdominal e rotina de supermercado.
Conheceu Sara na fila do banco.
Ela usava salto alto, calça justa e um top laranja que dizia “negra, travesti e perigosa”.
Ele olhou.
Ela sorriu.
Na saída, ela perguntou:
— Você é desses que olha e finge que não gosta?
Ele não respondeu.
Só tremeu.
Transaram no carro, embaixo do viaduto.
Ele chorou depois.
Ela acendeu um cigarro.
Começaram a se ver toda quarta-feira.
Depois sábado.
Depois todo dia.
Ela dizia:
— Eu sou Sara. Não sou segredo de ninguém.
— Eu te amo — ele disse, numa noite em que ela estava sem peruca, sem maquiagem e com o pau mole entre as pernas.
Voltou pra casa.
Cláudia estava no sofá, assistindo novela.
— O que foi? — ela perguntou.
— Preciso ir embora.
Deixou a casa, os filhos, a geladeira nova e as fotos da viagem pra Gramado.
Foi morar com Sara num apartamento na Lapa.
Era pequeno, barulhento e tinha infiltração na parede.
Ele estava feliz.
O filho mais velho, Lucas, foi visitá-lo uma vez.
Entrou mudo, saiu calado.
Depois mandou mensagem:
“Você virou bicha?”
Mauro respondeu:
“Virei homem.”
Lucas parou de falar com ele.
Parou de falar com a mãe também.
Passou a fumar maconha todo dia e ouvir discos antigos do pai.
Dormia mal.
Sonhava com Sara o tempo todo.
Às vezes acordava excitado.
Depois se enchia de nojo.
Na véspera de Natal, Mauro mandou mensagem:
“Te amo, filho. Ainda sou seu pai.”
Lucas apagou a mensagem sem abrir.
Foi até a ponte Rio-Niterói.
Ficou olhando a água por vinte minutos.
Pensou no pai.
Na mãe.
Na travesti.
No pau da travesti.
No amor do pai.
Pensou em pular.
Não pulou.
Mas no caminho de volta, escreveu num papel:
“O que é ser homem?”
Guardou na carteira.
Nunca mais respondeu.
O Catalão
Me chamavam de Catalão, mas eu nunca tinha posto os pés na Espanha.
Talvez fosse por causa do meu nome — Daniel Benveniste — ou por causa das histórias da minha avó sobre nossos antepassados que fugiram da Inquisição com um saco de farinha, dois candelabros e um livro de provérbios.
Ela dizia que a gente tinha sangue ibérico.
“Você tem a alma quente”, ela dizia.
Mas ela dizia isso até pro cachorro.
De qualquer forma, aquilo ficou na minha cabeça.
Catalão.
Como se fosse uma coisa que eu pudesse usar pra não ser só judeu.
Ser judeu era um peso em certas conversas.
Mas ser judeu catalão... bom, isso era quase charmoso.
Aos 17, comecei a estudar espanhol por conta própria.
Lia Lorca, lia Cervantes, até lia o tal do Sabato, que nem espanhol era, mas me deixava meio tonto de tão bonito.
Escrevia cartas para a embaixada da Espanha.
Fiz amizade com uma bibliotecária de Girona, só por e-mail, que me chamava de “mi dulzura sefardita”.
Eu achava aquilo o máximo.
Mas, ao mesmo tempo, tinha esse peso todo.
Israel.
Era como um ímã.
Me diziam que eu tinha que ir. Que eu devia ver a terra dos meus.
"Ali está a tua história", dizia meu tio Saul.
Meu pai ficava calado, sempre calado.
Ele só se manifestava quando eu falava da Espanha.
— Espanha é terra de sangue.
— Israel também.
— Israel é terra de sangue nosso. Lá a gente morre, mas morre como gente.
Essa conversa foi num domingo, logo depois do almoço.
No fim daquela semana eu me alistei como voluntário no exército de Israel.
A verdade é que eu estava com medo de ser só um cara que sabia falar "Barcelona" com sotaque.
Em Israel, descobri que tinha um corpo.
Descobri também que o mundo é pequeno e a cabeça de alguém pode virar sopa numa esquina.
Treinamos no deserto, dormíamos mal, fumávamos muito.
Me apaixonei por um soldado de Haifa que falava como se estivesse sempre cantando.
Mas ele nunca soube disso.
Escrevi cartas pra minha avó.
“Estou lutando pelo sangue espanhol que virou areia”, eu disse.
Ela me respondeu com um versículo bíblico e uma foto minha quando bebê, vestido de toureiro.
O ataque aconteceu numa manhã besta.
Estávamos distribuindo água.
Uma explosão, depois duas.
Lembro do cheiro.
Cheiro de metal e leite.
Quando me deram por morto, eu ainda pensava:
“Era pra eu estar em Girona. Ou num café em Cádiz. Ou nem vivo, mas na Espanha.”
Agora escrevo isso do lado de fora do tempo.
E penso que talvez minha alma não fosse quente.
Talvez fosse apenas confusa.
Talvez ser catalão fosse só uma desculpa bonita pra fugir de morrer como judeu.
Mas cá estou.
Enterrado com uma estrela de Davi.
E duas letras em hebraico que dizem “Daniel”.









































