A benção de Jacó
(diálogo imaginário)
- Jacó, venha aqui!
-Eis-me aqui, meu pai.
-Forre minha cama. Forre bem forrada,
do jeito que sua mãe faz. Você é tenro e lírico.
-Sim meu pai. Assim forrarei sua cama,
do jeito que minha mãe faz.
-Jacó!
-Eis-me aqui, meu pai!
-Forraste minha cama do jeito que eu lhe pedi?
-Sim, meu pai.
-Obrigado meu filho. Você é tenro e lírico. Por isso
eu te pedi que fizesse isso para mim. Agora me faça
um favor, chamai Esaú, e descansai.
-Esaú, nosso pai te chama.
-Irei eu ir ter com meu pai.
Falarei com ele. Sai, sai!
-Esaú, meu filho, venha aqui!
-Eis-me aqui, meu pai!
-Estou velho e lento, meu filho,
velho e lento como a maré silvestre.
-Não meu pai, estás formoso como
a videira frondosa do Eterno.
-Não meu filho, não me maltratais.
-Perdão meu pai.
-Perdão meu filho. Ouvi o que te digo.
-Dizei meu pai, e eu escutarei.
- Estou velho e farto, por Deus abençoado.
-Que assim seja sempre, meu pai.
-Mais eu não sei o dia da minha morte.
-Longe ela esteja de todos nós, meu pai.
-Ouve-me filho meu.
-Falai, meu pai!
-Toma as tuas armas de feridas,
a tua aljava e o teu arco de cor rubra.
-Sim, meu pai, assim farei eu.
- Sai pelo campo orvalhado de luz.
Apanha para mim alguma caça. Faça um guisado saboroso.
-Sim meu pai, assim eu ouço.
-Minha alma irá te abençoar depois do contentamento.
E então poderei morrer com minha benção em tua cabeça vermelha.
-Jacó, venha aqui!
-Eis-me aqui, minha mamãe amada.
-Ouve bem a tua mãe, meu filho?
-Escuto tua voz até com o vento soprando, minha mãe.
-Escuta, pois o Senhor comigo falou,
que o menor seria abençoado, e o maior o servidor.
-Minha mãe, que o frio da prata seja lento.
E que o amor entre os irmãos seja sem dor.
-Meu filho, ouves o que tua mãe fala?
-Minha mãe, escuto a tua voz até com a fúria do vulcão.
-Teu pai disse a teu irmão que iria abençoa-lo antes de morrer,
pois já está velho e muito farto, abençoar teu irmão ele vai.
-Minha mãe, eu te ouço. Que o Eterno determine tudo.
-Meu filho, escuta a minha voz?
-Sim, mamãe, até no verde deserto e na areia do poço.
-Pegue dois cabritos do rebanho,
aqueles mais frondosos.
-Minha mamãe, assim eu farei.
-Eu te farei um guisado saboroso.
-Minha mãe, não tenho fome.
-Irás dá-lo ao seu pai. Daí ele irá te abençoar.
-Esaú, minha mamãe, tem pelos de leões,
e eu sou liso como as rochas do mar.
-Meu filho, escuta a minha voz?
-Escuto, minha mãe, até no fundo do mar.
-Pois teu pai não irá te apanhar.
-Mamãe, posso lhe falar?
-Meu filho, falai, que eu ei de escutar.
-E se eu apanhado for? Mamãe, ai que dor,
no coração eu iria levar uma maldição.
-Sobre mim seja a maldição tua se fores
apanhado, meu filho, meu Jacózinho de lírios.
-Mamãe, que benção eu ei de tomar?
Esaú é peludo como os leões, e eu sou liso como as rochas do mar.
-Meu filho, escuta a minha voz?
-Mamãe, até no barulho eu a ei de escutar.
-Põe a pele dos cabritos nas mãos, toma as vestes do teu irmão.
-Mamãe, assim quero eu te alegrar.
-Meu filho, leve o guisado e o pão, para o teu pai te abençoar.
-Meu pai, meu pai, meu cego pai,
de rios, de ventos, de lestes e oestes.
-Quem és tu, meu filho?
-Eu sou o teu primogênito. Cabeludo como os leões.
Ruivo como a fogueira. Forte como os cabritos.
-Quem és tu, meu filho?
-Sou Esaú, filho de Isaque, neto de Abraão, irmão de Jacó,
filho de Rebeca, casado com duas mulheres belas. Uma é filha da abominação.
-Quem és tu, meu filho?
-Sou Esáu, teu filho preferido. O caçador de arcos,
o derrubador de touros, o montador da morte, o amigo dos abrigos.
-Quem és tu, meu filho?
-Sou Esaú. Esaú, seu filho.
-Venha até mim, meu filho de tantos títulos.
Deixa-me apalpa-lo, pois estou cego de olhos e ouvidos.
-Quem és tu, meu filho?
-Sou Esaú, teu favorito.
-A voz é tenra e lírica, como a voz de Jacó,
mas as mãos são fortes e peludos, como as de Esaú.
-Assim eu o disse.
-Quem és tu, meu filho?
-Esaú, o teu preferido.
-Abençoo-te meu filho.
-Aceito a benção meu pai.
-És mesmo Esaú? És mesmo o verão,
o fogo? Ou és o suplantador de lírios?
-Sou eu mesmo, meu pai. O fogo nos lírios.
-Dai-me de tua caça, meu filho, dai-me
dos lírios em fogo dos cabritos. Traz também a sobremesa e o vinho.
-Meu pai, beba até a tua alma ficar lenta.
-Meu filho, não me digas isso.
-Coma meu pai, a noite tem sucos e lírios.
-Meu filho, dai-me um beijo na nuca.
E eu te abençoarei,por Deus, nosso Rei!
-Meu pai, eu aceito tua benção.
-Eis que o cheiro do meu filho é como o cheiro do campo,
que o Senhor nos deus e abençoou.
-Que o Senhor te dê, que Deus que fez o orvalho dos céus,
te dê das gorduras da terra, das abundâncias dos trigos e dos mostos.
-Meu pai, eu aceito tuas benção das mãos do Eterno.
-Deixa-me falar meu filho e eu falarei minha benção: Sirvam-te povos, e nações se encurvem a ti; sê o senhor de teus irmãos, e os filhos da tua mãe se encurvem a ti; malditos sejam os que te amaldiçoarem, e benditos sejam os que te abençoarem. Escuta-me meu filho.
-Eu aceito tuas bençãos, meu pai.
-Dai-me um beijo, meu filho, e saí abençoado.
-Eis-me aqui, meu pai.
-Quem és?
-Esaú, teu filho, trouxe-te a caça que pedistes.
-Se és Esaú, quem foi que abençoei? Comi de tudo, antes que tu viesses, e abençoei-o, e ele será bendito.
-Jacó? Terá sido? Não é o seu nome um suplanto de mel e trigo? Roubou-me a primogenitura com castigo, e agora minha benção de trigos.
-Deveras foi, meu filho.
-Meu pai, abençoa-me a mim também: tens apenas uma benção?
Chorarei tão alto que me arrependi de fogos e de lírios.
-A benção será a que eu te disser. Ouve meu filho: Eis que a tua habitação será nas durezas da terra e no orvalho do céu.
-Meu pai, eu escuto.
-Pela tua espada viverás, e ao teu irmão servirás.
Porém, quando te livrares, sacudirás o seu jugo do teu pescoço.
-Seja assim meu pai, a tua voz ouço.
Chegar-se-ão os dias de luto de meu pai; e irei ferir Jacó pela minha benção.
-Jacó, venha aqui!
-Eis-me aqui, minha mamãe.
-Escutas a minha voz?
-Eu a ouço das montanhas, minha mamãe.
-Teu irmão busca te ferir, parti para Labão, meu irmão.
Parte e mora com ele até que o furor de teu irmão cesse.
-Se assim queres, minha mãe.
-Estou enfadada Isaque das filhas da terra. Mandai Jacó a meu irmão buscar mulher que não me fira a alma com descontentamentos.
-Por Deus te ouvirei, amada minha.
-Jacó, venha aqui.
-Eis-me aqui, meu pai.
-Parte para Labão, irmão de tua mãe.
E não voltai até estar casado com mulheres que não sejam de Canão.
-Assim te escuto, meu pai.
-Vai a Padã-Arã, à casa de Betuel, pai de tua mãe, e toma de lá uma mulher das filhas de Labão, irmão de tua mãe.
-Assim te escuto, meu pai.
-E que Deus Todo-Poderoso te abençoe, e te faça frutificar, e te multiplique, para que sejas uma multidão de povos.
-Assim te ouço, meu pai.
-E te dê a bênção de Abraão, a ti e à tua descendência contigo, para que em herança possuas a terra de tuas peregrinações, que Deus deu a Abraão.
-Assim te ouço meu pai.
-Esse é o meu adeus, filho meu.
-Esse é o meu adeus, meu pai!
foto: ilustrativa