quarta-feira, 27 de agosto de 2025

A Lagosta - e outros quatro poemas


A Lagosta

A lagosta se move devagar,

carapaça vermelha que lembra tijolos.

No fundo da água, suas antenas

varrem o espaço como cortinas balançando.


Se eu pudesse morar dentro dela,

haveria quartos para minhas mãos,

uma cozinha para minhas lembranças,

e janelas para a maré que nunca para.


Mesmo na solidão do aquário,

a lagosta mantém sua arquitetura,

seu mundo encapsulado em silêncio.




O Peixe e o Lago

Eu o vi deslizar sob a água verde,

lento, quase imóvel,

com olhos que guardavam segredos

que nenhum homem pode tocar.


Havia algo de definitivo nele,

uma calma que não se explica,

como se o lago inteiro soubesse

que a morte também nada,

e nós apenas flutuamos até encontrá-la.




 Chegada em Campinas

As ruas de Campinas me receberam

como uma manhã de verão:

luz que dobra sobre telhados e árvores,

vento que passa pelos becos e sacadas.


Senti meu coração bater em silêncio,

como se o mundo tivesse aberto um espaço

para que eu pudesse respirar,

apenas respirar e olhar.


E naquela cidade tranquila,

onde o passado e o presente se encontram,

soube que ficaria encantado para sempre.



A Casa

Volto em pensamento ao interior de São Paulo,

onde a casa branca espera entre os eucaliptos.

As portas rangem com o vento,

e o chão guarda o cheiro da terra molhada.


Sento na varanda e lembro das manhãs,

do café fumegante e do silêncio que fala.

Cada objeto parece sussurrar

histórias que só eu posso ouvir.


Mesmo agora, longe,

a saudade é um quarto iluminado

onde eu sempre volto.



Inspeção Microscópica

 Correndo o risco

de parecer

tão desinteressante

começaremos então

a moldar as coisas

a nossa própria maneira


silêncio, os sentimentos

são coisas vergonhosas,

não devemos dar risadas

mesmo quando os bêbados

de vinho chegam até nós

para comprarem casquinhas de sorvete


porque a vida não é

uma novela cômica,

ela é séria, muito séria,

tão séria que eu poderia

dizer que a melhor imagem

que podemos ter da vida

é a de uma igreja anglicana. 

Os galos

 Em sua 

melodiosa

voz 

a

  ni

mal

canta o galo

e outros o responde

os

berros são músicas

cânticos agudos

quase cristianizados

pedros eu diria

desses galos

sul-americanos:

esporas que carregam

logo cedo

hoje não soa tanto.

antigamente

eram vários na casa do meu avô.

casinha

 veio dormir

o vento

à minha porta


na cidade de campinas

em são paulo

não não ela estava lá


veio dormir

a menina loira

à minha porta


na cidade de campinas

em são paulo

não não ele estava lá.

Explicação cientifica

 o

universo

dentrode

uma caixa

de sapato

e

só.

Poema de dias obscuros (o visionário)

 o

p

   oeta

não escreve

nem sonha mais

a vida

é

im

preci

sa.


tudo é ineficaz

menos o roubo

o posto de gasolina


o

p oeta

não escreve

m

   a

is.

Herberto Hélder, um verso

 nas

   a

    s

as

de um pássaro

se não voas

P.O.E.M.A

e

n

s

emos.

Amanhã

 Amanhã a lua sairá

brilhante e minguante

em cima no céu

os mais românticos

irão se

        apaixonar

os mais 

               sensíveis

irão chorar

   os com carros

irão se embriagar

a lua


   trapo branco

    brilhante no

   céu


vai olhar tudo

como se fosse um

filme mudo de

   hollywood.

Ontem e Hoje

__ Muro, vasto muro do

meu coração tão

vagabundo

onde posso deitar

minha cabeça

   se não tenho

rede

nem poesia

nem vida

nem morte

nem dinheiro


serei poeta,

minha bela

poeta de olhar uma

menina morena

e me apaixonar de novo


ou serei apenas

um sacode trapos

roto.

Fonseca

Em teus livros, Fonseca, a vida arde,

Nas vielas, nos becos, no homem em luta;

A dor se faz poesia que não se tarda,

E a sombra urbana em palavras se oculta.

Teu verso é espada que corta o descuido,

Teu riso é amargo, teu pranto, veneno;

No crime, no amor, no vício contido,

O Brasil inteiro se revela em teu terreno.


E assim, mestre, teu talento é farol,

Que ilumina o grotesco e o vil, o sórdido e o belo;

Com coragem e ironia, dás o sol

A quem vive perdido, errante e singelo.

Rubem Fonseca, em teu nome se encerra

A força da palavra que eternamente impera.



Um Grande Tolo

Só um grande tolo, entre cérebros vazios,

pode ouvir estrelas ou flores que murmuram;

pois o mundo real, em suas leis frias,

não sussurra segredos que só eles capturam.


Risos e perfumes se confundem com vento,

química e morte dançam em cada célula;

o poeta idiota confunde sofrimento

com a música oculta que a vida anula.


Oh, criatura que escuta pétalas caídas,

não vês que o cosmos é pedra e podridão?

Que teus ouvidos atentos a ilusões rendidas


não capturam senão sombra e decomposição?

Tolo, teu delírio é heroísmo vão,

pois a verdade só existe na carne, no chão.



Ode à Língua Portuguesa

Ó língua minha, língua de carne e sangue,

verbo que pulsa nos ossos do mundo,

não és inculta, Bilac, criatura limitada,

mas matriz fecunda de pensamentos e gemidos.


Teus sons, teus ritmos, teus versos quiméricos,

não se curvam ao pedantismo morto

dos que confundem erudição com morte,

e desdenham a seiva que nutre a mente humana.


Em ti habitam serpentes de ouro e marfim,

palavras que se enlaçam como nervos e veias,

poemas que nascem do lodo e da decomposição

e sobem, sublimes, até o céu de nossas almas.


Bilac, teu olhar estreito não alcança

a vastidão orgânica do nosso idioma;

o português é músculo, é pus, é estrela cadente,

é o grito de um corpo que pensa e que sente.


Eu te canto, língua que se contorce e se eleva,

te celebro como quem adora o próprio sangue,

pois és mais que palavras: és vida, és morte,

és o verbo que germina mesmo nos túmulos do mundo.



O Comediante

Ele subiu no palco da televisão,

a luz branca queimando a testa,

a câmera rindo com ele,

a plateia esperando o truque certo.


A piada saiu.

Era só uma piada, disse para si mesmo.

Mas o país inteiro ouviu,

e a gargalhada se transformou em grito,

o grito em fúria,

a fúria em sentença:

“Esse homem precisa morrer.”


Ele fugiu.

De avião, de táxi, de motel barato.

Deixou o país que o odiava

como se deixasse uma roupa suja no chão.


Nos Estados Unidos, o público riu.

A imprensa o aplaudiu.

O dinheiro veio rápido,

as câmeras, mais rápidas ainda.

Era rei de novo, mas em outra língua.


E o Brasil, sem perceber, começou a sentir falta.

O inimigo de ontem tornou-se herói na distância.

As redes sociais reverberavam memórias,

o esquecimento se transformava em adoração,

e o comediante, agora endeusado,

ouvia de longe o país inteiro chamando pelo seu nome,

sem saber se ria ou se chorava.


Ele era só um homem

com piadas na boca,

fugas no coração

e a certeza de que,

no fundo, a fama sempre é perigosa,

porque o país que te ama hoje

pode querer teu sangue amanhã.



O Último

Em Varsóvia,

onde o frio engole as calçadas e o silêncio se espicha entre os prédios,

eu caminho pelas ruas como sombra própria.


Um menino me segue nos espelhos da memória:

tem o rosto de Isaac,

filho de rabino, olhos fundos como páginas do Talmude.


Ele lê os sinais do mundo com dedos nervosos,

descobre o sexo,

seus mistérios,

os corpos que trepidam e mentem,

a pele que queima e confunde.


O Talmude nos olha do alto,

tenso, rígido,

como se julgasse nossas mãos sujas de desejo.

Aprender a palavra proibida

é caminhar sobre vidro:

cada passo corta, cada segredo inflama.


Varsóvia respira junto,

os postes suam sombra,

os becos guardam murmúrios de outrora,

eu sigo sendo o narrador e o menino,

o último que ousa atravessar o Talmude e o corpo,

o último que sente o anseio e a dor,

o último que sabe que viver é ler e tocar

e que o mundo, sempre cruel, só se entrega a quem ousa sujar-se de si mesmo.



O Anseio

-Ah, ser judeu!

Não basta gostar de bagels,

nem rir das piadas do tio rabugento

nem chorar com a trilha sonora de Spielberg.

Segundo eles,

a regra é simples:

nascer de mãe judia.

Se for do pai, desculpe,

você é… nada.

Um impostor cósmico

no tribunal celestial da pureza genética.

Então fico imaginando:

e se minha mãe fosse uma canadense amante de panquecas?

E meu pai, um rabino fanático que só queria um filho para contar piadas ruins?

Ah, sim, não posso ser judeu.

E o bar mitzvah? Só um show de talentos frustrado.

Mas o que é ser judeu afinal?

É a identidade? A religião?

Ou só uma desculpa para reclamar da vida,

do metrô lotado, do vizinho fofoqueiro, do mundo inteiro?

Eles dizem: “Você precisa nascer!”

Eu digo: “Olha, nasci, chamei a atenção,

e mesmo assim, aqui estou,

com meus anseios, minhas dúvidas, minha culpa gratuita,

pronto para discutir filosofia em qualquer café que me deixar entrar.”

Ah, a linhagem!

Se isso determina quem você é,

então eu prefiro meu senso de humor.

Mais útil em qualquer festa,

mais eficaz contra a angústia da vida,

e infinitamente mais divertido do que seguir regras antigas

que nem Deus lembra direito.

O anseio?

Ah, meu amigo, é ser judeu à minha maneira:

irônico, nervoso, neurótico,

e com uma piada pronta para cada absurdo do mundo.



Angústia e Anseio



A identidade judaica 

paira como um espelho rachado,

refletindo fragmentos de uma história

que nunca cessa de arder na memória.


Estava ligada a uma profunda reflexão

sobre o tempo que corrói certezas,

sobre a condição humana

que caminha entre escombros e esperanças.


Sua angústia moral é chama inquieta,

um nó no peito que não se desata,

pergunta sem resposta,

silêncio que pesa mais do que o grito.


E no entanto, o anseio floresce,

um fio de luz na escuridão,

a busca por um sentido de pertencimento

num mundo em transformação,

que ora acolhe, ora repele,

ora promete, ora devora.


Entre angústia e anseio

ergue-se o homem, vulnerável e inteiro,

sabendo que sua alma é errante,

mas sua palavra, eterna.



Bokinha


 

Bokinhas comédia


 

Bokinhas comédias


 

Bokinha - quadrinhos





 

Desenhos Porno 'S

a atriz pornô

cinco moças
nuas

o ator pornô
de
pau duro

 

Desenhos Tribais

desenho croqui

cabeça tribal

busto de mulher

 

Zona Rosa Libre

prostituta conversando
na rua com um
cliente em potencial

a puta na rua
de calcinha rosada
(zona rosa libre)

 

Abstratos livres


o homem vertical
sobre a terra horizontal

cena de sexo gay entre
quatro jovens russos



a menina nua

paisagem abstrata 



composição erótica
em forma de abstração 

 

Poema do Universo



O quadro negro respira,

procuro a linha simples.



matéria é amor comprimido.


O tempo curva o espaço,




a equação é partitura,

mas quem ouve a melodia?


As estrelas falam em fogo:



nós lemos sua luz

como cartas de longe.


O homem é pequeno,

mas dentro dele




o universo se repete.


O real e o sonho se abraçam,



um beijo entre mundos

invisíveis.


E no fim escrevo:




porque compreender é amar,

e amar não termina nunca.



bokinha


 



bokinhas comedias


 

Furiosa abstração


 

entre vermelho amarelo e verde


 

Marca indelevel


 

חוסה


 חוסה

ועכשיו, חוסה?

המסיבה הסתיימה,

האורות כבו,

האנשים נעלמו,

הלילה התקרר,

ועכשיו, חוסה?

ועכשיו, אתה?

אתה חסר השם,

לועג לאחרים,

אתה שכותב שירים,

אוהב, מוחה?

ועכשיו, חוסה?




José


Ve-achshav, José?

(ve-akh-shav, ho-sé?)


Ha-mesibah histaymah,

(ha-me-si-bá his-tai-má)


Ha-orot kav’u,

(ha-o-rót kav-ú)


Ha-anashim ne’elmu,

(ha-a-na-shím ne-el-mú)


Ha-laila hitkarer,

(ha-lái-la hit-ka-rér)


Ve-achshav, José?

(ve-akh-shav, ho-sé?)


Ve-achshav, atah?

(ve-akh-shav, a-tá?)


Atah chaser ha-shem,

(a-tá ra-ser ha-shém)


Lo’eg la-acherim,

(lo-ég la-a-he-rím)


Atah she-kotev shirím,

(a-tá she-ko-tév shi-rím)


Ohev, mocha?

(o-hév, mo-ché?)


Ve-achshav, José?

(ve-akh-shav, ho-sé?)

העולם גדול

 העולם גדול ומתאים לחלון הזה המשקיף על הים. הים גדול ומתאים למיטה ולמזרן של האהבה. אהבה גדולה ומתאים לזמן קצר של נשיקה.



Aqui está a transliteração para o português, para quem se interessa pelo hebraico: Ha-olam gadol u-mit'aim la-chalon ha-ze ha-mashkif al ha-yam. Ha-yam gadol u-mit'aim la-mitah u-la-mizran shel ha-ahavah. Ahavah gedolah u-mit'aim le-zman katsar shel neshikah.

terça-feira, 26 de agosto de 2025

Não chore por mim

para Drummond, o mestre!


 Não chore por mim

não vou ligar no seu telefone

não vou passar e-mail no google

não vou digitar seu nome

nem vou pedir socorro ao 190.


Não chore por mim

não vou escrever que te amo nos muros

nem vou chorar lamentando

ou esmurrar minha face judaica

nem me observar no espelho

quando eu for tomar banho.


Não chore por mim

porque não vou esquecer tuas mechas

mas também

não vou sofrer nem mais te fazer deusa

nem citar em meus delírios o teu nome.


Não chore por mim,

filhas de Jerusalém.

Não sei viver sem você



A rua passa diante de mim como um rio cansado,

e por você irei amar sempre.


O tempo me oferece relógios que não sei decifrar,

e por você irei amar sempre.


As pedras se acumulam no meu caminho,

e por você irei amar sempre.


O silêncio das noites pesa no meu corpo,

e por você irei amar sempre.


Mesmo que a esperança se parta em pedaços,

e por você irei amar sempre.


E se o mundo me virar as costas um dia,

e por você irei amar sempre.



Caminhando

Caminho.

As pedras me acompanham como cães sem dono.

No asfalto gasto, o futuro é uma sombra que não sei ler.

E meus pés duvidam da terra.


Caminho.

O vento traz recados de fábricas invisíveis,

há fumaça no horizonte e um silêncio metálico,

como se a cidade inteira fosse uma máquina de esperar.


Caminho.

Os homens passam, fechados em seus nomes,

cada um com o segredo de um amanhã guardado no bolso,

sem perceber que a rua também sonha,

que até o chão se pergunta para onde vai.


Caminho.

E se o futuro vier, virá torto,

como quem tropeça mas insiste,

virá com sede, com fome, com pressa,

e ainda assim haverá quem plante uma árvore

no meio do nada.



O Hipopótamo



O hipopótamo dorme no barro do rio,

seu corpo pesado é canção do vazio,

ninguém o levanta, ninguém o domina,

é bicho sagrado, é pedra que ensina.


O hipopótamo ri da pressa do homem,

que corre sem norte, que esquece seu nome,

comendo silêncio, bebendo luar,

sabe mais da vida que o livro no altar.


Eu vi no olhar do hipopótamo velho

um brilho escondido, um secreto espelho,

mostrando que o mundo é só repetição,

um circo de lama, guitarra e canção.


E eu sigo cantando, pesado também,

hipopótamo livre, bicho de ninguém.



Eu te procurei no Tinder, no Grindr, não te achei, amor



Eu te procurei no Tinder, no Grindr, não te achei, amor,

rolei pra direita, rolei pra esquerda, fiquei na dor,

me disseram que o mundo agora é digital,

mas teu perfume não cabe num código banal.


Eu te procurei nas selfies e nos filtros coloridos,

nos sorrisos de anúncio, nos corações partidos,

e quanto mais eu clicava, mais vazio eu ficava,

teu rosto não vinha, só a tela que me enganava.


Eu te procurei no wi-fi, no bluetooth da ilusão,

na nuvem do Google, na prece da solidão,

mas o amor não tem login, não pede senha nem conexão,

ele chega nu, feito raio, rasgando o chão.


E quando percebi que era tudo miragem,

apaguei o aplicativo e segui a viagem.




Eu te procuro no chão e no ar, amor



Eu te procuro no chão e no ar, amor,

na poeira da rua, no rastro da estrela,

na pedra que sangra silêncio e calor,

no sonho que vem quando a noite se revela.


Te busco no vento que gira sem norte,

no riso perdido das coisas sem dono,

no tempo que corre sem medo da morte,

na chama escondida no fundo do sono.

Eu te procuro na sombra e na luz,

no grito do pássaro, no fogo do mar,

na dor que me quebra, no bem que seduz,

na fé que me leva sem nunca chegar.


E quando não acho teu rosto em mim,

descubro que o mundo é começo e é fim.



Flatulência

Oh, vento vil, de entranhas nascido,

que sem pudor te soltas no ar,

não és anjo nem sopro querido,

és trovador que só sabe trovejar.


Na corte ou na igreja te assentas,

rei e bispo não podem negar,

quando passas, até as damas contentas

se benzem rindo, pra não desmaiar.


És música rude, rabel sem corda,

és missa profana no corpo a soar,

ninguém te chama, mas logo recorda

que o mundo é humano, que é bom perdoar.


E eu te canto, vento atrevido,

pois até no fedor há riso escondido.


-

A Maçã

Ó Thaís, formosura delicada,

em ti se aninha o sol da criação,

teus olhos brilham qual estrela alvorada,

teu riso é fonte, é lírio, é oração.

Na mão segura a maçã encantada,

rubra coroa da própria perfeição;

seu gosto doce em seiva perfumada

reflete em ti divina inspiração.

Assim no Éden, quando a luz primeira

ergueu da terra a sombra em claridade,

a fruta ardia em graça verdadeira,

espelho vivo da eterna castidade.

E tu, Thaís, qual rosa derradeira,

és hino santo, és pura majestade.



Elogio a uma Mulher Virgem


para angel, que não me entendeu !



Ó flor do campo, aurora imaculada,

que em ti resplande a graça e o candor,

és lírio casto em hóstia consagrada,

és fonte pura onde habita o Senhor.


Na fronte clara a luz se faz morada,

e em teus olhos repousa o resplendor;

virgem formosa, estrela não manchada,

reflexo és da divina e eterna Flor.


Se a rosa exala o perfume que consola,

se o cedro guarda a firmeza no chão,

em ti se erguem virtude e corola,

em ti se abriga a santa perfeição.


Virgem celeste, aurora que não se enrola,

és cântico vivo, és pura oração.




Elogio à Goiaba


Doce fruto gentil, que a terra amada

em seiva pura e cálida produz,

goiaba, rosa pálida encantada,

que em ti se encerra o dom do próprio Deus-Luz.


Teu corpo humilde em rama perfumada,

na simplicidade guarda a força e a cruz;

ó dádiva da mata consagrada,

que ao peito humano dá vigor e luz.


Se a vide ornava os lares da Judéia,

se o trigo antigo o pão do mundo ergueu,

na tua polpa a vida se semeia,

manjar de paz que o Brasil concebeu.


E em louvor canto, em verso que incendeia,

goiaba eterna, o coração te deu.



Morena



Morena, tu sonrisa es un sol danzante,

tus ojos brillan como un mar infinito,

cada paso tuyo es pura esperanza,

y la vida se curva cuando estás cerca de mí.


Tu cabello es una noche de terciopelo,

tu manera es ritmo, es canción, es luz de luna,

cada gesto tuyo es dulce y profundo,

hace que mi corazón lata sin control.


Morena, tu risa es un río de alegría,

tu abrazo es refugio, es luz que me guía,

y en las sombras o a la luz del día,

siento que tu perfume me enseña a amar.


Cuando pasas, todo se ilumina,

la ciudad entera parece cantar,

y yo, perdida en tu divina belleza,

aprenso el significado de simplemente mirar. 

Colores del Mundo


El sol se derrama sobre la antigua calle,

cada piedra guarda historias olvidadas,

el viento canta secretos de una vida amigable,

y los árboles susurran recuerdos ocultos.


Los colores danzan entre el cielo y la tierra,

el azul se funde con el oro de la tarde,

cada sombra lleva una canción,

y el mundo entero parece más suave.


El río refleja nubes y silencio,

los pájaros inventan notas en el aire,

el tiempo flota, ligero, sin fatiga,

y la vida finalmente se deja tocar.


Entre flores y pasos, el corazón se abre,

el aroma del momento invade la memoria,

cada gesto es un poema desconocido,

y todo se transforma en una historia única.


Al final, el cielo se dobla en un lento abrazo,

la luz se despide con un toque de pasión,

cada color es un abrazo, cada viento es una bocanada de aire fresco,

y me pierdo en esta canción infinita.

Pintura de Luz

As cores dançam como se fossem vento,

o pincel desenha memórias escondidas,

cada traço é suspiro, é movimento,

a tela respira minhas noites contidas.

O sol invade o quarto em um instante lento,

e a sombra se curva sobre a parede amiga,

o azul se mistura ao amarelo em talento,

e a alma inteira se espalha, antiga.

Tudo é forma, tudo é toque, tudo é canto,

e eu permaneço absorto nesse encanto.


Entre linhas e curvas, descubro a vida,

o vermelho é beijo, o verde é saudade,

o tempo se perde na tinta esquecida,

o coração encontra a sua liberdade.

O mundo se dobra em cor e medida,

e cada respiração é pura eternidade,

o pincel se move com mão rendida,

a mente dança com a simplicidade.

No quadro tudo respira, tudo se torna,

e eu me perco, me encontro e me adorna.


O vento atravessa a janela aberta,

e a luz brinca com cada nuance do chão,

a pintura é festa, memória desperta,

canta no silêncio a sua própria canção.

Entre o toque e o gesto, a mão incerta,

descubro um universo em expansão,

cada cor é abraço, cada linha é oferta,

uma dança lenta, uma invocação.

A tela é o mundo, a vida, o instante,

e eu me deixo levar por esse gigante.


Ah, pintura, teu perfume é desejo,

o corpo inteiro se curva a teu encanto,

as cores se tornam música, me almejo,

e o olhar se perde em teu manto.

Cada traço é voo, cada mancha é beijo,

e o tempo se dobra em doce espanto.

O mundo inteiro se dissolve nesse ensejo,

o silêncio é festa, o silêncio é canto.

Pintura, teu coração me possui inteiro,

e eu permaneço, feliz, por inteiro.




Pintura



Pintura que baila en la pared de luz,

colores que respiran, respiran lentamente,

el pincel dibuja el alma que se eleva,

y el mundo entero parece suspirar.


Entre la luz y la sombra, el silencio canta,

y cada pincelada es un beso que se extiende,

el tiempo se dobla, se estira y encanta,

la mirada se pierde y la mano comprende.


Ah, pintura, tu aroma es un verbo, tu fuego es el mar,

en cada color me pierdo y me reencuentro.

Ouvindo Shakira Escuchando a Shakira


Ouvindo Shakira, o sol dança na sala,

cada nota é rastro de calor e pele,

meu corpo se curva à curva da fala,

e o mundo se abre, leve, como um céu de mel.


A voz dela atravessa mares e cidades,

arrasta as dores e deixa só o prazer,

cada suspiro é sombra de liberdades,

cada riso, um segredo que quer nascer.


No balanço da cadera, o coração se perde,

ritmo que invade os ossos, que faz sonhar,

e eu me descubro inteiro, leve, verde,

no ritmo que insiste em me levitar.


Shakira, tu és o canto que nos acende,

o fogo e a água, a brisa e o chão,

te escuto e a alma inteira se entende,

a música se torna beijo, suor e mão.




versión por mi en español : 

Escuchando a Shakira


Escuchando a Shakira, el sol danza en la habitación,

cada nota es un rastro de calor y piel,

mi cuerpo se dobla al ritmo de su voz,

y el mundo se abre, ligero, como un cielo meloso.


Su voz cruza mares y ciudades,

arrastra el dolor y deja solo placer,

cada suspiro es una sombra de libertad,

cada risa, un secreto esperando nacer.


En el balanceo de la silla, el corazón se pierde,

un ritmo que invade los huesos, que hace soñar,

y me descubro completo, ligero, verde,

en el ritmo que insiste en levitarme.


Shakira, eres la canción que nos enciende,

el fuego y el agua, la brisa y la tierra,

te escucho y mi alma lo comprende,

la música se convierte en beso, sudor y mano.




A Cantora e o Coelho - conto



       Ela subiu ao palco como se carregasse o mundo nos ombros, os sapatos rangendo suavemente sobre a madeira polida, o vestido negro colando-se ao corpo como segunda pele, e a luz incidindo sobre seu cabelo solto, refletindo uma promessa de grandeza que ninguém poderia medir.

O piano começou a soar, notas que se arrastavam e ao mesmo tempo saltavam, preenchendo o teatro com uma expectativa líquida, e ela sentiu a familiar mistura de nervosismo e êxtase, aquela sensação de que cada gesto seu seria insubstituível, como se pudesse tocar todos os corações de uma só vez.

Enquanto cantava, a garganta lhe parecia não apenas um canal de voz, mas um espaço de profundidade inimaginável, onde algo habitava, pulsava, esperava, algo que não podia ser nomeado nem previsto, e que crescia a cada melodia que se expandia no ar.

E então, no auge da canção, o inesperado aconteceu: um coelho, branco e assustado, emergiu de sua boca, pequeno demais para ser entendido, mas suficientemente presente para transformar cada nota em um eco de incredulidade e maravilha, e ela continuou cantando, porque a música era mais forte que o espanto.

O público congelou, dividido entre o riso nervoso e o horror contido, entre o desejo de aplaudir e a necessidade de recuar, enquanto o coelho girava entre os pés do piano e as luzes, saltitando como se tivesse sido convocado diretamente de um sonho ou de um pesadelo antigo.

Ela sentiu a estranha sensação de que aquilo não era um acidente, mas uma consequência inevitável de tudo que havia engolido ao longo da vida, das palavras guardadas, dos silêncios, das angústias, e os coelhos agora pareciam multiplicar-se, alguns brancos, outros com manchas cinzentas, alguns com olhos que refletiam fogo e consciência.

A música se transformou em um diálogo impossível, em que cada verso produzia novas criaturas, novas presenças que saltavam e rodopiavam no ar, enquanto ela, completamente absorvida, sentia-se ao mesmo tempo cantora e médium, criadora e refém de uma orquestra que ninguém mais poderia ouvir.

O teatro desapareceu, ou talvez se tivesse transformado em uma massa indistinta de respirações e sombras, e os coelhos não eram mais apenas coelhos, mas símbolos vivos, imagens concretas de intenções e segredos que sempre estiveram escondidos sob a superfície do cotidiano.

Ela continuava a cantar, já sem saber se cada nota era dela ou deles, se cada respiração era um gesto de coragem ou apenas um reflexo do absurdo do mundo, e percebeu que jamais poderia separar a música do corpo estranho que emergia, daquilo que era real e daquilo que pertencia apenas ao imaginário coletivo da plateia que já não existia.

Quando a última nota se perdeu, ela caiu de joelhos, ofegante, o palco coberto de coelhos que a observavam com olhos de quem conhece todos os mistérios do universo, enquanto ela apenas respirava, tentando se reconhecer, tentando entender a própria estranheza de existir naquele momento único.

Ela saiu do teatro como se estivesse flutuando, deixando atrás de si um rastro de silêncio e assombro, enquanto o vento soprava leve entre os prédios, levando consigo os coelhos que desapareciam em esquinas, frestas e sombras, e a música continuava, invisível, nos ouvidos de quem ousasse ainda sonhar.

E assim ficou a lembrança, difusa e hipnótica, como se tudo tivesse sido um sonho, ou talvez uma profecia, e a cantora caminhava entre ruas molhadas e sinais apagados, com o corpo leve e a mente cheia, sabendo que jamais poderia cantar de novo sem que cada nota carregasse a memória daquilo que vomitou em forma de vida, uma estranha e bela catástrofe chamada coelhos.


 

Intenções - conto



Chico voltava do campo exausto, os ombros carregando o calor do sol, os pés enfiados na poeira da terra que parecia querer engolir tudo. Decidiu ir ao mato, buscar um pouco de sombra, e ali, entre o cheiro úmido das folhas e o silêncio quebrado apenas pelo canto distante de um sabiá, inclinou-se para urinar.

Mas então aconteceu algo que o fez estremecer. Não era o xixi comum, amarelo e líquido, mas pequenas mariposas que surgiam de seu corpo, pairando no ar, vibrando com cores que não existiam, formas que nenhum artista poderia imaginar. As asas tremiam como se fossem pensamentos, intenções, sonhos não ditos.

Chico recuou um passo, assustado e maravilhado. As mariposas giravam ao seu redor, dançavam entre os galhos, pousavam nas flores como se as convidassem para um baile secreto. Sentiu, então, que aquilo não era apenas um fenômeno, mas a revelação silenciosa de sua própria alma: cada intenção, cada gesto do dia no campo, havia se transformado em vida, havia se tornado magia.

O jovem permaneceu ali, imóvel, até que o sol começou a se deitar no horizonte, tingindo o céu de vermelho e dourado. As mariposas se dispersaram, voaram para o infinito do mato, e Chico voltou para casa com o coração inquieto, sabendo que, às vezes, o mundo se dobra de maneiras inexplicáveis e belas, revelando que até o mais humilde dos homens pode gerar milagres sem querer.

A Bomba - conto


No coração de São Paulo, entre prédios que pareciam tocar o céu cinza, vivia Kenji, um nipo-brasileiro de olhar distante e mãos sempre inquietas. 

Passava os dias entre cafés silenciosos e livrarias empoeiradas, pensando no mundo que o irritava com sua maldade, nas notícias que falavam de guerras, mentiras e indiferença.

Decidiu então, numa tarde sem sol, que a única forma de justiça seria a destruição completa. Uma bomba nuclear, disse a si mesmo, seria a resposta. Nos cadernos espalhados pelo quarto, rabiscava fórmulas impossíveis, esquemas que só ele compreendia, enquanto jazz tocava baixo no velho toca-discos. Mas havia algo estranho nos sons da cidade, no bater da chuva contra a janela, nas sombras dos prédios que pareciam se inclinar sobre ele. 

Cada equação que completava trazia não alívio, mas um frio na espinha. Sentiu então, com uma clareza dolorosa, o peso absoluto de sua intenção.

Naquela mesma noite, Kenji saiu à rua. Respirou fundo o ar úmido, tocou a água das poças e percebeu que a vida, ainda que frágil e maldosa, era bonita demais para ser apagada. A bomba se desfez em silêncio dentro de sua mente, como fumaça que escapa por frestas de madeira.

No dia seguinte, começou a plantar rosas. Pequenos botões vermelhos surgiam entre a terra molhada, e cada pétala lembrava-lhe que, mesmo num mundo cruel, ainda existia espaço para cuidado, silêncio e beleza. Kenji ainda caminhava pelas ruas de concreto, mas agora suas mãos carregavam sementes, não destruição. O jazz ainda tocava, e ele sorria, quase imperceptível, para a vida que persistia.





A Máscara - conto macabro

     A festa estava exuberante. Lustres pendiam como cristais derretidos. Tapetes vermelhos abafavam os passos dos convidados, todos impecáveis, todos esnobes. O champanhe borbulhava, a conversa era riso contido, olhares avaliando cada detalhe, cada jóia, cada sorriso falso. Então entrou. Vermelho de vermelho, do chapéu ao sapato. Olho torto, boca torta, corpo estranho que parecia dançar sozinho. Todos se afastaram por um instante, mas logo, rindo, aplaudiram. Era o espírito da festa, disseram, o toque de audácia, a estrela do baile de máscaras. Ela caminhava pelo salão. Cada passo um gesto de escárnio para a riqueza ostentosa. O corpo inclinado, tremendo, como se carregasse séculos de doença. Mas ninguém via além da fantasia, da audácia do vermelho. “Ela deve ganhar”, cochicharam, “olhem que criativa!”. Chegou o momento. A corte de ouro do salão cercou-a, todos com sorrisos e mãos estendidas. Iam tirar a máscara. O riso tornou-se estrondo, a pompa virou expectativa.

         Quando a máscara caiu, não havia máscara. Não havia riso. Havia uma mulher inteira, ou talvez metade de mulher, metade peste negra. Feridas abertas, carne marcada, olhar que implorava e amaldiçoava ao mesmo tempo. O salão congelou. O rubor dos vestidos e gravatas se tornou cinza. Os ricos, espantados, recuaram, tropeçando nos próprios sapatos de verniz. E ela apenas caminhou. Vermelha e torta, a boca rindo como se todos ali fossem brinquedos. A peste negra não era fantasia. Nunca fora. Ela passava pelo salão, atravessando a riqueza, atravessando o tempo, atravessando a morte que a todos espreitava. No dia seguinte, ninguém falaria disso. Uma memória difusa, talvez apenas um pesadelo coletivo. Mas a máscara não se esqueceria. Nem a verdade de que, por trás de todo luxo, a morte sempre dança com vermelho.




A Busca do Simples é Ardua

1

Houve uma forte busca pela simplicidade,

como se a vida, com seus gestos e ruidos,

pudesse ser contida em palavras limpas,

em linhas precisas que não mentem,

nem se escondem atrás de ornamentos inúteis.

A precisão clássica se apresenta

como pedra polida no caminho,

mas os passos tropeçam,

porque o homem carrega a confusão do mundo

dentro do peito,

a memória de todos os ruídos,

o peso de todos os olhares.


2

Narrativa limpa, dizem,

mas a narrativa humana é tortuosa:

um rio que não corre reto,

uma cidade cheia de becos e sussurros,

uma mão que quer desenhar o mundo

e só consegue tocar sombras.

Às vezes parece próxima do nativismo,

como se retornar à raiz,

àquilo que é simples e verdadeiro,

fosse suficiente para acalmar a angústia,

mas a raiz também se curva, também sangra,

e a busca do simples é ardua,

mais ardua do que o homem pode suportar,

porque a simplicidade é um espelho

onde se refletem todas as complexidades.



Interesse de longa data

para josé saramago e jorge amado


O interesse de longa data pelo homem, pelos seus símbolos e deuses, e pela posição do Homem tanto como indivíduo como humanidade num mundo onde o Divino já não está presente já não fala, paira sobre nós como uma sombra silenciosa que se alonga ao sol da manhã e se retira à noite, sem que possamos tocá-la, sem que possamos medir sua ausência, e ainda assim sentimos a urgência de compreender, de nomear, de arrancar de nós mesmos a certeza de que algo que foi outrora completo agora se mostra incompleto, fragmentado, e que tudo aquilo em que acreditamos, tudo aquilo que chamamos de verdade, repousa na dúvida, e que talvez seja essa mesma dúvida o único sinal de que alguma vez estivemos próximos do divino, mesmo que o divino não fale, mesmo que não nos veja, mesmo que nos deixe sós com o peso de nossos símbolos e de nossas perguntas, e que o homem, sim o homem, com sua fragilidade e sua força, com seu riso e seu choro, com a fome e a esperança, continua a caminhar, a construir, a destruir, a tentar compreender a posição que ocupa no mundo, e nisso consiste toda a nossa história, todo o nosso esforço, toda a nossa solidão compartilhada, porque não há resposta que nos seja dada de fora, só o eco de nós mesmos, só o interesse de longa data pelo homem.



A Questão Fundamental


 em memória de  Pär Lagerkvist


Entre Barrabás e o pó da rua, 

o homem se levanta, libertado,

mas quem mede o silêncio do sangue?

Assuero caminha, passos sem fim,

o Judeu Errante tropeçando nas sombras

dos altares vazios, das igrejas fechadas.


Bem e mal — sussurros em tapeçarias antigas,

entre os vitrais quebrados

e o eco de sermões esquecidos.

O moralista percorre corredores de pedra,

sem dogma, sem cruz,

apenas a urgência de olhar,

de ver os nomes riscados nas portas.


Oh, a cidade, estranha e longa,

abre suas mãos como sepulcros

e nós, habitantes da dúvida,

tocamos o frio do eterno,

buscando sentido entre a libertação

e a condenação que nunca vem.


E ainda, na esquina,

Barrabás sorri — não pelo perdão,

mas pelo peso do erro humano,

Assuero observa, cansaço nos olhos,

o Judeu Errante segue,

e o mundo inteiro se inclina

sobre a questão fundamental.





Sonhos

TRAVESTI GOZANDO MUITO 


TRÊS TRAVESTIS
EM EROTISMO

BOKINHA - UM DIBUJO

 

ABSTRAÇÃO PORNO


MULHER MAMANDO UM CAVALO

Na relva azul do tempo
a mulher ergueu-se, estrela,
e o cavalo, feito raio,
bebeu-lhe da boca o destino.

Era o leite da aurora,
era a crina do vento,
era o mugido do espaço
em soluços de fogo.

Mamava não carne, mas cosmos,
não músculo, mas centelha,
o cavalo cuspia relâmpagos,
a mulher devolvia oceanos.

E juntos, na vertigem,
inventaram a palavra primeira:
**AMOR**,
um tropel de sílabas selvagens
que até hoje galopa
na garganta do mundo.






O Beijo

O beijo não toca, explode.
Entre dentes e nuvens,
uma chama se espalha
como se a boca fosse infinito.

O gosto da tua sombra
gruda nos meus ossos,
e mesmo o silêncio se curva
à urgência da tua língua.

Entre nós,
o ar se encolhe e depois grita,
e tudo que é sólido
derrete-se na língua do instante.

Não é amor.
Não é dor.
É a eletricidade
que nos rasga a pele
e nos devolve à loucura
como se o mundo fosse só isso:
um beijo que queima o céu inteiro.




MAMANDO UM CAVALO

galope-troa
no ventre do som,
ela sibila-lamba,
mordo-masiva
o selvagem de escuro pelame

neve-tipo de língua
resbala no corpo-lombo,
tremeluz,
crec-crec de dentes e sussurros
entre dentes e campo

oh cavalo!
estou tua boca,
meu beijo é selva,
é fôlego de mato e martelo
que bate no tambor do teu cio

zumbolho,
sobe e desce,
lambe-lança,
meu amor é pata, casco,
rugido que explode no silêncio

galopa, galopa, selvagem
e eu — boca-mundo,
te alimento de mim
como se fosses inteiro
e eu, inteira também






Entre a cama, o relógio e eu

Entre a cama, o relógio e eu
há uma noite que respira em silêncio,
e o tempo, como água escura,
escorre pelas bordas do meu sono.

O ponteiro hesita, inquieto,
como se soubesse dos segredos
que a escuridão murmura
entre o lençol e a pele.

Eu, imóvel, escuto o ritmo
da vida que se arrasta e se dobra,
como sombra de pássaro noturno
sobre o mármore frio do instante.

E tudo — o tic-tac, o suspiro da cama,
o murmúrio dos sonhos que não vêm —
se dobra em meu peito,
como se o mundo inteiro fosse
uma pausa,
e eu, apenas, seu eco.





Pintor e Modelo

Oh, o pintor e o modelo —
cintilam como neon em quarto abafado,
a luz elétrica tremendo sobre corpos nus,
a tinta escorrendo dos dedos como sangue doce,
e cada linha do corpo se torna poema
sob o olhar ardente da mão do artista.

Ele murmura cores no seu ouvido,
verde, carmesim, azul como sexo antigo,
e o modelo arqueia —
não é vergonha, é êxtase,
os músculos cantam, a pele grita
cada toque, cada pincelada, cada suspiro.

Eu vejo: a respiração entrecortada,
o cheiro da tinta misturado com suor,
a boca do pintor próxima à orelha do modelo,
um amor que não pede desculpas,
um amor que atravessa paredes, ruas, mundos.

E a cidade lá fora dorme,
mas aqui dentro tudo vibra, explode, pulsa,
o quadro nasce de gemidos e cores,
e o pintor e o modelo
são apenas dois corpos eternos
derramando amor e loucura na mesma tela.