Arte poética
Eu mudo de arte poética
de meia, em meia hora.
Meu canto não se decide
cigano ou constelado de
pátria.
Meu ritmo é como as
ondas: sempre lento,
sempre denso de
metáforas.
A cada instante uma
nova rajada de raios
sacodem minha matéria
poética, me enchendo de
terra, de suor, de grito desesperado
de amor e de noite.
Após a tempestade, um vento
pousa na tinta e na pena,
reciclando a palavra com
sal, manteiga, azeitona,
e tudo se mistura em minha
canção, tudo se perde dentro
de mim e dos objectos que canto.
Ai, amada minha, e como canto!
Canto sempre o mesmo mar,
a mesma mariposa que passa
nas janelas dos meus olhos.
A mesma estrela, o mesmo amor,
a mesma areia que me cega as mãos.
Canto sempre o mesmo asfalto,
a mesma cidade que dentro de outra cidade
se mistura em minhas palavras como um
campo cheio de gente e de concreto.
Ai, amada minha, e como me desespero
ao cantar os sentimentos que me cercam.
Acabei de saltar de
uma imensa poesia sofrida,
aportei-me mais uma vez
nas águas marinhas do amor.
Quando me decretaram misterioso
como um trem feito de pelos caninos,
a policia poética declarou simplificado de mais
o meu canto.
Por isso não tenho grupo, não tenho sociedade.
Varo as madrugadas lendo e inventando histórias
que apago com as mãos queimadas de gelo.
E cada canto se torna um novo canto,
e uma nova vida, uma nova morte, um novo abismo
de luz, de onda, de tudo o que transborda
em minha volta
aparece refletido no espelho do meu poema.
Assim é minha arte, pequenos insetos.
Agora, voem e avisem os meus inimigos
que sigo
e que canto.