terça-feira, 31 de outubro de 2017

Abraão

Abraão
Há uma querência
em ter um filho.

É um sonho válido
uma canção serena
na voz dos lírios.

Suave passam as
nuvens, os olhos,
uma marca deixada.

As promessas do
Eterno nunca falharam.

Eis aí o seu rebento:
pão vivo, celeste água.

a casa


figura sem nome


o bode e o círculo azul


entre quadrados


ela sem direção


auto-retrato com as mãos para cima


meditação


Gazel do dia de chuva

Gazel do dia de chuva


E cai a gota seca
nos sonhos molhados.
As flores e o vento
dançam as folhas da névoa.

E cai gota a gota
a água transparente
e o vento canta triste
e os pássaros se escondem.

segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Gazel do rio lento

Gazel do rio lento
Sou um rio lento,
e passo. Sereno
pelo campo vai
o meu caminho.
Quanta água,
e as folhas caem
transbordadas.
Ai, miragens dos
desertos imensos.
Lento, lento,
sigo o meu rumo
para o mar.
Os campos
aplaudem o
vento e o vento
aplaude o ar.
Mar? Sou um rio lento,
e passo. Sereno
pelo campo vou.
Alguns insetos se
atrevem a me molhar.
Sou molhado. Sou um rio.
E vou com os pássaros
cantando minha melodia
de águas doces, até se
tornarem sal.
Sou e não sou.
Sou um rio lento,
e passo.

domingo, 29 de outubro de 2017

Gazel do mapa marinho

Gazel do mapa marinho

É o mar... Tentei não olhar.
Do outro lado, o lado esquerdo
E lá estava o molhado mar.
O mar, molhado, parecia
estendido como uma régua.
Era o mar. A primeira vez
que eu o via. Fazia frio.

As nuvens do céu
estavam pálidas, gaivotas
cantavam agitadas, e o mar
pastoso, leitoso, parecia
um peixe se agitando na
praia.

Engolir o sal da água
é esquecer a lição primária
de que a água do rio é doce
mais a água do mar é salgada.

Poderíamos passar
a tarde inteira se lembrando
de cada onda golpeando
o rosto, o frio (ah, não era
tão frio assim, se não não

teríamos entrado dentro da
água), parecia um lento
piano nos tocando, enquanto
sentávamos na areia para

escrever os nomes.  

Poderíamos viver aqui
eternamente olhando as
águas se agitando com o
vento, observando os
pescadores e as lindas
meninas entrando na água,
dando gritinhos histéricas
e assustadas, afinal a água estava
gelada.

Por fim sempre encerramos
o livro que estamos lendo.
Temos que voltar e subir a cerra.
Que triste despedida essa,
pois o mar não responde nenhuma
carta que possamos enviar.

O viajante apunhala um
punhado de conchas,
pensando em comércio,
ou talvez apenas alguma
recordação para em casa
guardar.

noite


depois da chuva


exposição do açúcar


escurecendo


o farol sinaliza


praia


caracolzinho


flor ao vento


peixes no aquário


Gazel para Jesus Cristo

Gazel para Jesus Cristo

Deus, sua palavra é o mel,
ondas cheias de folhas,
ai, bíblia, não te deixo
aberta em uma estante
te deixo aberta em meu
coração judaico em meu
nariz turco de judeu marrano.

Jesus, és o Ungido do Senhor,
tenho nada para dizer a não ser
cantar e celebrar o teu amor.
Porque me dirão os amalequitas
mentirosos, idiotas, servidores da maldade:
porque gritam se Deus não é surdo?

Não ouvistes, seus pagãos miseráveis,
 Que o Senhor Deus, Jesus Cristo, nosso Rei,
ama ouvir a voz dos seus santos clamando por sua Divina Face?

Ai, Senhor Jesus, tu me inspiras,
e eu te canto, te canto, e canto, canto tua face.
Meu Deus, Deus Eterno dos judeus,
Deus de todos os povos, Deus de todas as nações,
escreve o teu amor na tábua dos meus corações,
porque não tenho um, Senhor Jesus,
tenho tantos corações que não consigo
me caber sem tua presença de Luz.

Ai, Senhor, Senhor meu Deus,
tu és o mel da vida, tuas palavras o mel do Amor.
Senhor Jesus, tu és a única Misericórdia, o Santo de Israel,
ai, Senhor, que posso fazer nesse mundo
de tanto horror se não cantar e sonhar e te adorar?

Deus, sua palavra é o mel,
ondas cheias de folhas,
ai, bíblia, não te deixo
aberta em uma estante
te deixo aberta em meu
coração judaico em meu
nariz turco de judeu marrano.

Gazel do amor ferido

Gazel do amor ferido

Ó lamento da noite,
feriram o meu peito com
espadas e flechadas.
Ai, o corpo dela me
feriu de amor e leite.

Mel maravilhoso,
mel tenebroso, 
esqueci o azeite,
esqueci a azeitona.
Peitos de cebola,
peitos de mariposa.

Ai, amor ferido,
o rio é um leito
de vinagre vermelho.
É o sangue da vida.

Ai, amor ferido,
sou lento e o céu é nublado,
estou coroado pelas águas
de Cristo.

Ai, amor ferido, ferido,
e canto e canto e canto,
repito repito repito,
não vês que me feres
com cimentos e punhos?

Ai, amor ferido,
por que canto se choras?
Choras, choras, choras.
Olha, vês as horas que
passam lentas como o dia.

Amor ferido, maltratado,
amor, amor, amor, amor,
amor esculpido, amor divino,
amor, amor, amor de fados.

Ó lamento da noite,
feriram o meu peito com
espadas e flechadas.
Ai, o corpo dela me
feriu de amor e leite.

Gazel do dia que se inicia

Gazel do dia que se inicia

E começa o dia, e começa,
e começa a noite e a noite se encerra,
a chave está fechada e o rio
se move como as gaitas.

Começa o dia, começa,
e os galos cantam e eu canto,
imito o vento e imito a serra,
se move a noite e o dia se abre.

É dia, e em cada dia há
uma melodia, uma hora simples.
Encerrou-se a noite, acabou
a escuridão e começa o azul.

É o dia, a ponta da noite
se inicia no oriente e começa
as cigarras a trabalharem o sono.
Quem dorme? O dia e a noite.

Gazel do doce aroma

Gazel do doce aroma

Ai, doce aroma, 
ai, ar, doce aroma do mar,
ai, luzes, doce aroma do amor,
ai, céu escuro, doce aroma
da noite escura dos sonetos.
Ai, doce aroma.

Obscura fórmula do sal,
ai, doce, doce, como o rio.
Ai, prata, prata
como a colher jogada.
Doce aroma incompreensível.

Ai, doce aroma dos prados,
ai, aroma das aranhas perfumadas,
aroma pardo dos orvalhos,
ai, aroma dos dias e dos galos.

Ai, ai, canção, canção
de aromas como algodão.
Ai, ai, ai, ai voz dos aromas,
vozes do meu coração,
aroma dos ventos que gemem,
aromas das emoções.

Ai, que canta o aroma.
E o aroma me encanta.
Ai, doce fragrância do nada.
Ai, que canta, canta.
O doce aroma que encanta!

Nos jornais

Nos jornais

diálogo sobre o nada

Como vai?

Bem, e você?

Indo como sempre.

Ótimo então.

Sim, sim, ótimo.

Alguma novidade pra me contar?

Nenhuma.

Puxa, que saco.

Ficou sabendo que a Barbara se casou?

De novo? Essa mulher vive se casando.

Pois é. Dessa vez é com um ricaço.

E qual não era rico?

Pensei que ela tivesse te avisado.

Não. Eu vi nos jornais.

Soneto do amor tranquilo

Soneto do amor tranquilo

Me amas, me amas, como as
luzes que surgem nas montanhas.
Me amas, me amas, como as aranhas.
Me amas, me amas, como as

neblinas que geram o outono frio.
Me amas, me amas, como as águas do rio.
Me amas, me amas, como as sombras do navio.
Me amas, me amas, como as luzes das montanhas.

Mas eu te vejo lenta como o dia,
eu te vejo como o sal da minha poesia.
Mas seu rosto vazio sempre me ilumina.

Ai, intranquila, me amas? te amo.
Te amo, te amo, como o pranto.
Te amo, te amo, te amo e te amo.

sábado, 28 de outubro de 2017

regra


Gazel do pintor

Gazel do pintor 

Imagino a noite me cobrindo os olhos,
a noite do céu, a noite escura.
O pincel na mesa e as tintas na
cadeira das mesas, na cadeira o

pintor imagina o sonho.
O papel em branco é a angústia.
Indecifrável miragem, indecifrável.
A vida não se resume a gotas sobre
a tela imóvel.

O pintor não pinta imóvel.
Aprendeu a lição de pollock:
eu sou a natureza que se pinta.
O desenho está imóvel. Morto.

A tela expressa a vida.
A paisagem, o abstrato
se camufle em outros olhos.
No final se resume tudo:

uma assinatura, invisível, um peixe dorme.

flores no jardim


Verde Tela


forma


forma


casinha


casa


amor


livre ou abstrato


coberto


por cima


incertezas


pano


sexta-feira, 27 de outubro de 2017

nada iii


nada ii


nada i


esfera e quadrado


Informação


Gazel do mar inútil

Gazel do mar inútil
Até quando mar? até quando
coração de espuma,
galope de noite, espuma
de vinho, ferida de algas.
As estrelas no céu não
piscam nem choram lesmas.
Agora chega mar,
chega de rios e fontes.
Até quando até quando?
E você me pergunta coisas
que nem o luar me responde.
Até quando mar?
Até quando
coração de espuma,
galope de noite, espuma
de vinho, ferida de algas.

Gazel do amor quebrado

Gazel do amor quebrado
Quebraram o meu amor,
que pena, mataram o meu
amor quando eu não tinha
anos nem olhos nem penas
nem cauda nem cimento
nem lírios.
Ai, quebraram o meu amor,
meu amor no campo lento,
meu amor de lesma,
meu amor de pedra.
Quebraram o meu amor,
quebraram, não mataram,
e arremessaram os meus
olhos pelas janelas
e os corvos riram,
quebraram o meu amorzinho,
o meu delicado
amorzão de baleia serena.
Quebraram, quebraram,
ai de mim, maomé e moisés,
quebraram os meus amores,
ai de mim, Jesus Cristo de Nazaré,
quebraram o meu amor,
quebraram, quebraram, quebraram,
meu Deus, quebraram o meu amor,
quebraram quebraram quebraram.
Meu amor era de vidro,
que pena, caiu no chão
e se espatifou.
Quebraram, quebram, quebraram,
o meu amor deixaram espatifado
pela lua, pelo caminho, pelo chão,
quebraram, quebraram, quebraram,
ai Jesus de Nazaré, quebraram o meu amor.
Você sabe que
quebraram, quebraram, quebraram.
E depois ela me coseu de beijos.
Me amaram me amaram me amaram.

Gazel do menino morto

Gazel do menino morto

E fui pelas bibliotecas
procurando livros e pessoas.
Não encontrei nada
a não ser palavras e mel.
Fui pelas bibliotecas,
não, com o corpo quebrado,
com o amor desperdiçado,
fui pelas bibliotecas.
Ai, solidão de luares tantos,
fui pelas bibliotecas,
observando os pássaros
mortos nas janelas,
fui pelas bibliotecas,
sim, pelas praças
desertas, pelos mares
dos olhos constelares,
fui e não fui,
fui e sim não fui,
fui morto pelas bibliotecas,
cada livro era uma tumba,
cada palavra um lenço,
e fui pelas bibliotecas,
decifrando letras e números,
sem entender nada,
sem entender tudo.

Gazel incompreensível

Gazel incompreensível
Está na hora de levantar
esse luar pálido nos teus
olhos de ofuscante lema.
Amor, chega de amor.
Para mim cansei de coisas
que não sejam quevedescas.
Está na hora de tomar
o café com leite toando
o som do amor em coro.
Amor, chega de amor.
Para mim cansei de coisas
que não sejam gongóricas.

Gazel clandestino

Gazel clandestino
Mas que violão sereno
a rocha do teu corpo em fogo,
sera saturno ou vénus,
planetas feitos de lodos e iodo.
Meu coração observou a
clandestinidade do teu corpo,
ó luz do amor feita de ares,
arames que sejam belos
em tua pele manchada de
fêmea, raposa, mulher, vela;
para onde iria a luz dela
no violino, violão, angelical,
esculpido corpo de moça,
quando lambes o açúcar do céu.

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Gazel em segredo

Gazel em segredo

-Pois não?
-A chave.
-Que chave?
-Aquela do meu
coração.
-Não me deste chave alguma.
-Não?
-Não.
-Nem rio, nem ferida, nem folha.
-Alguma coisa?
-Não.
-Sim.

-Por favor, a chave.
-Que chave?
-Todas as chaves.

-Não tenho nenhuma porta.
-A porta é a voz de Jesus Cristo.
-Que queres me dizer?
-A chave, a chave da vida eterna.

-Por favor, podes me entregar 
a chave?
-Minha alma é feita de lamentos.
-O que quer dizer com isso, cigano?
-Que a minha vida é um decreto de alhambra.
-De onde foste expulso?
-Do coração do rio e do amor dela.
-Cigano, cala-te.
-Não tenho voz, senhor, nem nuvens.
-Por favor, cigano, ciganinho, amo aquela cigana.
-Não. O amor de prata é um fruto desmedido.

-Pois não?
-A chave por favor.
-Que chave?
-Todas as chaves...!

Gazel de antes

Gazel de antes

Se eu visse o rosto dela no espelho
coroado por figueiras e nuvens brancas.
Não viu a estrelinha fugindo do temporal
enquanto a chuva ardia verde em prantos?

Se eu visse o rosto dela nas águas
 teria certeza que a voz dela era o outono.
Não que o amor fosse a chave do mistério,
meu coração abrasado de fogo e colheres.

Se eu visse o rosto dela no outono
iria compor versos de sofrimentos amorosos.
Não que a dúvida ardesse nas folhas
se a primavera não vem sem régua e compasso.

Viu o rosto dela? Noturna miragem
nos espelhos das águas sofridas do outono.

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

ilusão


vermelho e preto


verde e preto


Brincadeira cigana

Brincadeira cigana


Quando você pensa em mim,
quando eu penso em você,
você pensa em mim,
eu penso em você.

Somos dois, somos um.
Ai, lua de marfim branca.

Quando eu penso em você,
caracóiszinhos andam no meu jardim.

Quando você pensa em mim,
quando eu penso em você,
você pensa em mim,
eu penso em você.

Quando você pensa em mim,
flores amadurecem em meus olhos.

Ai, lágrima dura em forma de rio,
ai, pedra escura em forma de noite.

Quando você pensa em mim,
quando eu penso em você,
você pensa em mim,
eu penso em você.

olhos de luar


Estações

Estações

Sou o que sou
não posso mudar.
Como mudar?
Me diz, lua de prata,
enferrujada de branco;
me ensine, sol,
luz flamejante da
morte dentro da vida.
Sou o que sou.
O que fazer para
ser menos azul,
menos verde de
                natureza? 
O que fazer para
tirar a mancha do
orgulho de dentro
do meu peito enferrujado
e ferido como o luar
pálido?
O galo canta sempre
a mesma nota e a mesma
nota outros galos respondem.
Sou como essa nota fina,
arrogante, quero se exceder,
quero ser e não ser.
E para não ser sou.
Não posso mudar. 
É as estações, 
e já passou.

terça-feira, 24 de outubro de 2017

Violino, violina

Violino, violina

...e por tudo isso o amor nos sangra...

Mas você me viu,
frio como o campo,
gelado como o sol,
frio como o dia frio,
noturno como a noite.
E eu te via raiando
com o ventos nos lábios,
beijando-me com o fogo
do coração imóvel,
enquanto eu escrevia
moto de versos, morto
como os jornais.
Mas você me via,
não me via? morto
pelos campos, com
as mãos inchadas de
mariposas, com os
olhos cheios de grilos.
Sua voz não me alcançava,
nem a manhã me ofendia.
Você não era judia, e mesmo
assim eu te decifrava o talmud.
O meio não é o nosso fim,
mas você me via, você me viu,
ridículo como as gaivotas mudas,
cheio de torturas, amargo, vivo,
como todos os objectos.
E no final os nossos corações
se tornaram uma só máquina.
O pulso da vida era aquele olhar
de peixe, de rocha, de nuvem.
Por fim o nosso amor
se elevou até o céu como elias,
queimando nas mãos de Deus,
ardendo nas imensidões eternas!

Noturna balada

Noturna balada

Canta o galo.
Que horas
são?
A mesma
de ontem
ou novas
horas serão?

O amor

O amor
E começo o amor
e não começa,
arde os olhos,
fere o peito,
lábios de mel,
beijos de manteiga,
e arde os olhos
com luas e pedras,
pequenos dilemas,
e segue o amor
e começa o poema.

Amor, vou deixar

Amor, vou deixar
Amor, vou deixar
em tua porta
o meu amor,
as minhas folhas,
os papéis do ar,
amor, ali vou
deixar o sal e o
açúcar, o mel e o
pão, o frio e o
vento sereno.

Foi

Foi
Foi rio
antes da aurora,
foi choro,
pedra, pluma
e fogo.
Estrela, nuvens,
campo.
Depois mingou.
Findou-se. E pronto.

domingo, 22 de outubro de 2017

Sul

Sul


Granada, que luz
de fogo molha os meus olhos?

Alva, granada,
que és? espelhada,
ritmo de tourada?
alva estrelada?

E as suas judiarias?

Granada, que luz
de fogo molha os meus olhos?
Alva, granada,
pedra talhada.

Só isso.