segunda-feira, 18 de junho de 2018

Insônia

Insônia 
(conto)
...seja lá o que esteja procurando, não virá da forma que você está esperando...
          Haruki Murakami, escritor japonês 

  Aimi não conseguia dormir. Após sete anos, quando conseguiu vencer a insônia que vinha ocorrendo desde os sete anos de idade, agora, de novo, ela se revirava de um lado pro outro da cama, sem conseguir pregar os olhos. Abriu a janela do seu apartamento, e viu as duas luas amarelas brilhando no céu. Achou estranho que não conseguia ver as estrelas numa noite tão escura e bonita. Decidiu andar um pouco pela cidade, já que o frio que entrou de fora para dentro animou-a para fazer isso. 

 Antes de sair ela escovou os dentes, pensando "nunca se sabe quem se pode conhecer numa noite fria de luares tão intensos", jogou um pouco de água no rosto, se maquiou, colocou um batom de tom alaranjado claro, pegou um pouco de dinheiro, vestiu uma roupa modesta, pegou a chave do apartamento e uma bolsa, e saiu. 
 
 As luzes da cidade invadiram seus olhos, e ela caminhou para a frente, andando no meio da multidão que andava, de um lado para o outro, mesmo sendo altas horas da noite.  

Aimi decidiu tomar um sorvete. E por quê não? pensou. Não conseguia dormir, não estava com sono, a cidade era imensa, luminosa, cheia de gente, parecia que os prédios gigantes iam devorá-la. Eu quero um sorvete de chocolate, pediu ao homem que estava no fundo do balcão da sorveteria.

-Aimi?

Ela encarou o homem de cima abaixo. Como poderia um estranho conhecer o seu nome.

-Desculpe. -ela respondeu um pouco tímida.- Você deve estar me confundindo com outra Aimi.

-Não. -ele continuou. -Aimi, você não está me reconhecendo? Sou eu, Erick, o namorado da Elisa. Lembra?
 
Com muito esforço, Aimi lembrou de sua amiga Elisa, uma moça cheia de sardas que conhecera na faculdade.

-Eu me lembro dela. Só não lembro do namorado dela. Me desculpe...

-Tudo bem. Aqui está o seu sorvete. -ele entrou o sorvete a ela e sorriu. 

-Nós terminamos esses dias atrás.

-Puxa. -Aimi tentou fingir interesse, não queria prosseguir a conversa, apenas sentar e tomar seu sorvete. -Que pena!

-Que nada. Tudo que começa termina. Não é assim que você falava?

 Aimi encarou Erick com certa curiosidade.

-E a insônia? Continua tendo?

 Como um estranho que nem sequer conhecia parecia saber conhecer seus problemas particulares. Aimi sentiu-se um pouco confusa. Olhou o relógio por cima da parede, sem se lembrar que estava usando um relógio de pulso feminino. 

-Se quiser, posso sentar com você. Meu horário terminou. Vou ser substituído. 
 
Uma moça alta e loira apareceu no balcão. Pareceu cumprimentar Aimi, e depois falou algo com Erick. 

-Tudo bem. -Aimi se viu respondendo. -Mas pra mim você continua sendo um estranho. Não me lembro de você.

 Sentaram-se na frente da sorveteria. A cidade parecia desperta, as duas luas imensas percorriam o céu, em rotações diferentes, uma indo para o lado esquerdo, outra para o lado direito do céu, cruzando-se e separando-se ao mesmo tempo, com efeito surpreendente. Erick parecia observar a que ia para o lado direito, que tinha um brilho amarelado, e ao mesmo tempo vermelho. 

-Essa noite está estranha, não acha? Não tem estrelas...

-Também reparei isso. -Aimi respondeu. -O que aconteceu com a Elisa?

-Ela voltou pro país dela.

-A Elisa não era daqui?

-Não. Ela era estrangeira, só estudava aqui. O pai dela era cônsul. Ela não te contou isso?

-Não. Também não me contou que terminou com você. E nem me ligou para avisar que ia embora.

 Erick estava com uma banana split, e saboreava, enquanto prestava atenção nas outras mesas e nas luas brilhantes do céu.

-Nós terminamos por causa disso.

-Eu não consigo me lembrar de... Espere, você não tocava banjo na banda de jazz da faculdade?

 Erick sorriu.

-Sou eu mesmo, Jarry Manfriend.

-Claro. Você era Jarry Manfriend. Eu não te conheci por Erick.

-Eu sei. Sempre gostei de usar pseudônimos. Acho que é a influência de um poeta português. 

-Agora me lembrei de você.

-Que bom!

Aimi olhou Erick, mais ele estava mais interessado nas pessoas que passavam e os carros de um lado pro outro, do que nela.

-A insônia voltou de novo. Por isso vim tomar um sorvetinho aqui.

-Comigo é exatamente o contrário. Eu tenho dificuldade de ficar acordado. Só fico acordado quando como banana split e converso com alguém. Eu moro aqui perto, naquele prédio ali.
 
Ele apontou o prédio, mas Aimi não olhou. Estava encarando uma moça que beijava o namorado com bastante barulho, na mesa ao lado.
Erick se levantou, quando terminou de comer a banana split, limpou a boca om um papelzinho e sorriu.

-Vem me visitar qualquer dia desses. Eu estou fazendo parte de uma nova banda de jazz. Sou o Garry Rock Jazz.

-Nome comprido, não é? 

-Um pouco. Tome, esse é meu telefone. Pode ligar. Eu te levo no barzinho onde eu toco.

-Tudo bem. Obrigado por ficar comigo.

-Obrigado você, por lembrar de mim.

-Tchau.

-Tchau.

  Enquanto Erick se afastava, com a bolsa e o boné virado para trás, 
Aimi percebeu que os cabelos loiros dele brilhavam, como se refletissem as duas luas brilhantes. Ela suspirou, quando um vento suave atravessou a mesa. Se levantou para voltar para casa. Estava sentindo um pouco de sono. No céu as duas luas estavam se cruzando, indo cada uma pra uma direção diferente.

fim

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