segunda-feira, 18 de junho de 2018

A JANELA JAPONESA

A JANELA JAPONESA
(conto)

...nada no mundo real é tão bonito como as ilusões de uma pessoa prestes a perder a consciência...
Haruki Murakami, escritor japones

 Sempre fui fascinado pela cultura oriental. Desde pequeno, quando as aulas de geografia começavam, a professora começava a desenrolar o mapa da Asia, onde China, Índia, Japão e Coreia, se abriam como uma espécie de portal para a minha imaginação.  
 No começo o Japão me fascinou mais do que todos. Posso ser suspeito ao falar disso, afinal, minha companheira (vai fazer trinta e oito anos que estamos juntos), naquela época minha namorada, era japonesa, e por isso, tudo o que vinha desse país, cada notícia, livro, me parecia ser um exótico chá que eu degustava com prazer, ouvindo e aprendendo, tendo preenchido o meu vazio existencial com muito assunto japônico. 
 Compramos uma casa a beira mar, uma linda casa, toda branca, compramos com o dinheiro contado. Pretendiamos, eu e ela, consturir uma família ali, embora eu sempre brincava, dizendo que ela não gostava do mar porque seus ancestrais viveram numa ilha cercada de água. As vezes, quando ela estava brava, apenas me encarava, mas quando a situação era de alegria, ela me olhava, dava risada, e um sorriso que parecia abrir um sol no meu coração. 
 No lugar em que decidimos onde seria o nosso quarto, não havia janela. O negociante que nos vendeu a casa, apenas se pôs a dizer que janelas não eram necessárias, porque ninguém poderia entrar pelos muros da casa. Mesmo assim, eu as queria. 
 Comprei janelas e comecei a por elas por toda a casa, menos no meu quarto. Eu estava decidido a por uma janela japonesa, para que eu pudesse abri-la e ver o jardim, e do outro lado, se possível, avistar o mar com suas ondas pela varanda. 
 Quando chegou, fiquei satisfeito. Era uma perfeita janela japonesa, de madeira. Chegara de Kyoto, e por milagre, na alfandega, nem nos cobraram taxas de imposto para trazê-la ao país.
Colocamos a janela no nosso quarto. A principio, pareceu-me ser uma janela rústica e feia. Passando o tempo, comecei notar que a madeira, quando chegara, era feia, rústica, antiga, talvez do século dos samurais, não podia afirmar. Minha esposa ficou intrigada. E eu muito mais. A coloração verniz estava agora dando um amarelado, como se a madeira por mágica, ou por arte antiga de algum mestre zen do Japão, estivesse tornando feita de ouro. Fiquei intrigado. Mais não assustado.
 A janela inteira estava sendo, a cada dia que passava, revistada de ouro, ouro puro. Cheguei a usar um martelo para verificar, e o som de ouro sendo martelado chegou a dar-me gasturas no ouvido. 
Minha esposa foi sensata, dizendo que tínhamos que nos livrar daquela janela japonesa, afinal, por mais que aquela parte litorânea fosse calma e pouco agressiva como o resto do país, ter uma janela de ouro vinda do Japão, parecia ser um convite aberto para os ladrões entrarem em nossa casa, só para pega-la e vendê-la.
Não trouxe uma janela de ouro, comprei uma janela de madeira, argumentei perplexo. Ela sorriu, entendendo o meu ponto de vista. E a cada dia que passava, a janela ia transformando-se em ouro, ouro maciço, fazendo as travas de prego se levantarem. O ouro tornou-se tão luminoso, refletindo a luz do sol, que ficou impossível de dormirmos ali dentro, e trocamos de quarto. 
A luz começou a ofuscar navios, pessoas curiosas perguntavam se podiam entrar em nossa casa para ver a famosa janela magia do japão, que viera como madeira, porém, agora estava toda revestida de ouro como a cidade santa prometida pelo apóstolo João, no seu livro do Apocalipse. Minha esposa era sensata. Afinal, era uma japonesa, uma bela oriental, de quadris justos e seios perfeitos. Ela me convenceu a se livrar da janela. Mas antes, fui pedir explicações ao vendedor dela, um jovem monge budista que vivia em uma floresta, em Kyoto. Porque a janela se transformou? O que aconteceu para que isso viesse a ocorrer aqui? 
A explicação foi muito simples. A janela fora feita no Japão, por sábios japoneses que estudavam ocultismos de religiões orientais. Quando o país se tornou uma nação agressiva e militar, eles levaram a janela até a Coréia. Ali, depois de uma invasão japonesa naquela região, outros sábios coreanos amaldiçoaram a janela pela ganancia dos militaristas japonesas, que gritavam por ouro. Ao tornar ao seu lugar, a janela por instinto, sugava a energia do ambiente, e por ter saído do mosteiro budista, agora se revestia de ouro trocando as energias do lugar.
-Quer dizer. -Perguntei antipático.-Que a minha casa é um lugar de ganancia? E infelicidade?
-Quero dizer.-O monge continuou.-Que a riqueza da sua casa é tanta, o amor que você tem pela sua mulher é grande, seu coração para Deus é honesto, e sua alma para a bondade é infinita, a janela percebeu isso, e só pode pegar o que de bom havia no ambiente da sua casa. E para sinalizar o amor ardente do lugar, ela se transformou em ouro. Imitando o amor de ouro do seu casamento com sua esposa.
 Nunca mais vi aquela janela depois que a devolvi. Dizem que foi depositada em um canto escuro perto de uma casa simples, na cidade de Kyoto, onde diziam que cidades antigas por causa da bondade dos seus cidadãos tinham janelas que se transformavam em ouro.

                                                              Fim.

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