“I am become Death, the destroyer of worlds.”
— Bhagavad Gita, citado por J. Robert Oppenheimer
I.
Em Babel
os homens disseram: “Construamos uma torre.”
Mas não sabiam
que a torre já morava no crânio de Kafka,
com escadas que descem em espiral até o joelho de Deus,
e lá —
há silêncio,
apenas o ranger das unhas contra o gesso
e um inseto que se move entre os panos da vergonha.
Sim —
Gregor Samsa não acordou de um sonho:
acordou do mundo.
E o mundo é este:
feito de trincheiras invisíveis,
coquetéis molotov de ternura,
palavras esmagadas sob a sola de sapatos bem engraxados.
E quem sabe amar
nesse corredor cheio de ossos?
II.
Oppenheimer,
teu nome estilhaça relógios:
revelaste que o homem pode ser estrela —
e sepultura.
Em Los Alamos
não havia crianças,
mas cálculos.
E o vento carregava partículas de Caim.
Ah, Oppenheimer —
te vi em sonhos,
em meio a cinzas radioativas,
recitando Jeremias com voz de aço:
“E a terra estava sem forma e vazia,
e havia trevas sobre a face do abismo...”
Mas então — faça-se a luz!
E a luz explodiu em mil sóis.
O amor morreu naquele clarão.
Mas que beleza havia nisso.
Beleza de Lúcifer caindo em câmera lenta
sobre as cidades humanas.
III.
A pintura cubista —
é um modo de ver o amor despedaçado.
O rosto de Jade
em sete planos.
O beijo interrompido por geometrias.
A boca — um retângulo de silêncio.
O olho — um compasso.
O sexo —
uma interrogação oblíqua.
E no fundo da tela
o mesmo ruído
de um coração tentando se lembrar
do que era o amor
antes da cor azul.
IV.
O desejo —
é a atrofia da eternidade.
Queremos o corpo
não como templo,
mas como ruína.
Queremos gozar como quem reza.
Ou rezar como quem goza.
Mas o tempo é cruel com a carne,
e o corpo ri de nós no espelho,
como o profeta Jonas riu da baleia
antes de ser engolido.
Oh desejo —
teu nome é lâmina.
Cortas o pão e a garganta.
V.
A Bíblia é um livro cansado.
Mas ainda brilha,
como um osso polido sob o sol.
Lemos nela os horrores de Abraão,
o amor de Davi por outro homem,
os gritos de Jó ao Deus mudo,
a cabeça de João
rolando entre frutas.
E nos Salmos —
a sede de quem só conheceu o sal.
O amor, lá, é pacto.
Mas o homem moderno ama por contrato,
com cláusulas de silêncio e cláusulas de fuga.
VI.
E o suicídio?
É apenas o ponto final
que se escreve com o corpo.
Mas mesmo ele —
em sua nudez última —
é um tipo de oração.
A corda,
a lâmina,
a janela —
são apenas versículos de uma escritura sem Deus.
Talvez —
Kafka tenha sorrido antes de morrer.
Talvez —
Oppenheimer tenha chorado no deserto.
Talvez —
Picasso tenha tentado desenhar a alma e só encontrou o sexo.
E ainda assim —
o amor.
Sempre o amor,
como um eco no fundo da mente.
Como um peixe invisível
nadando na cisterna seca do coração.
VII.
Entre os escombros atômicos,
nos museus vazios,
nas camas de motéis,
nos olhos dos que partem,
em tudo isso há delírio.
Mas há também amor.
Mesmo se torpe,
mesmo se mutilado,
ele ainda é
a única bomba
que não construímos para matar.
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