Eu era um menino quando a poesia me escolheu —
não como se escolhe um brinquedo,
mas como a chuva escolhe a janela para dançar.
Foi num fim de tarde morno,
com cheiro de terra que respira,
que vi, pela primeira vez, a chuva cair.
Não como os outros viam — como água.
Vi como quem vê algo conversar com o mundo.
As gotas eram sílabas que caíam em segredo.
Era como se o céu estivesse escrevendo uma carta de amor
e eu a estivesse lendo, menino analfabeto de tudo,
mas já íntimo do sentimento.
A janela, embaciada de perguntas,
se tornou meu primeiro caderno.
Com o dedo, tracei palavras que eu ainda não sabia dizer.
Ali nasceu o poeta —
no vidro molhado, no silêncio com cheiro de céu,
no som de trovões tímidos e felizes.
E desde esse dia, tudo ficou diferente.
O sol já não se punha sem que eu dissesse:
"Boa noite."
Sim, eu dizia "boa noite" ao sol.
Não por costume,
mas por amor.
O astro, vermelho de cansaço, descia atrás das montanhas,
e eu o olhava como quem se despede de um amigo.
Dizia "boa noite" com uma voz pequena,
mas com um coração que queria abraçar o mundo inteiro.
Havia em mim — e ainda há —
essa vontade de conversar com as coisas
que não respondem com palavras,
mas com presença.
O sol não me respondia,
mas voltava no dia seguinte,
brilhando ainda mais.
A poesia nasceu disso.
Dessas conversas solitárias com o invisível.
Dessa fé que só os meninos têm:
de que tudo no mundo escuta,
até mesmo a chuva,
até mesmo o sol.
E agora, já crescido,
quando escrevo,
é como se eu voltasse àquela janela.
Ainda vejo a chuva como versos.
Ainda digo boa noite ao sol,
mesmo que seja com os olhos fechados
e um poema na mão.
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