sábado, 2 de agosto de 2025

O Menino que Dizia Boa Noite ao Sol


Eu era um menino quando a poesia me escolheu —

não como se escolhe um brinquedo,

mas como a chuva escolhe a janela para dançar.


Foi num fim de tarde morno,

com cheiro de terra que respira,

que vi, pela primeira vez, a chuva cair.

Não como os outros viam — como água.

Vi como quem vê algo conversar com o mundo.

As gotas eram sílabas que caíam em segredo.

Era como se o céu estivesse escrevendo uma carta de amor

e eu a estivesse lendo, menino analfabeto de tudo,

mas já íntimo do sentimento.


A janela, embaciada de perguntas,

se tornou meu primeiro caderno.

Com o dedo, tracei palavras que eu ainda não sabia dizer.

Ali nasceu o poeta —

no vidro molhado, no silêncio com cheiro de céu,

no som de trovões tímidos e felizes.


E desde esse dia, tudo ficou diferente.

O sol já não se punha sem que eu dissesse:

"Boa noite."

Sim, eu dizia "boa noite" ao sol.

Não por costume,

mas por amor.


O astro, vermelho de cansaço, descia atrás das montanhas,

e eu o olhava como quem se despede de um amigo.

Dizia "boa noite" com uma voz pequena,

mas com um coração que queria abraçar o mundo inteiro.


Havia em mim — e ainda há —

essa vontade de conversar com as coisas

que não respondem com palavras,

mas com presença.

O sol não me respondia,

mas voltava no dia seguinte,

brilhando ainda mais.


A poesia nasceu disso.

Dessas conversas solitárias com o invisível.

Dessa fé que só os meninos têm:

de que tudo no mundo escuta,

até mesmo a chuva,

até mesmo o sol.


E agora, já crescido,

quando escrevo,

é como se eu voltasse àquela janela.

Ainda vejo a chuva como versos.

Ainda digo boa noite ao sol,

mesmo que seja com os olhos fechados

e um poema na mão.


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