I
No pátio vazio, uma sombra de pedra
respira o frio das manhãs londrinas.
O mármore não dorme —
ele sonha de olhos abertos,
sonha com o peso das mãos que o moldaram
como quem segura uma ave
e ao mesmo tempo um corpo morto.
Vejo, entre o pó e o silêncio,
a Mulher no Cavalo,
o São Miguel inclinado sobre o dragão,
o anjo que não anuncia, apenas observa.
Epstein, teu cinzel é prece e punhal.
II
No eco de uma cidade feita de neblina,
as tuas figuras se levantam como sentinelas
em fronteiras invisíveis.
Não guardam nada — e guardam tudo:
a infância quebrada da guerra,
os ossos de cidades antigas,
o sal dos navios que trouxeram as vozes.
Há um murmúrio pagão
em cada rosto bíblico,
uma ferida moderna
em cada corpo eterno.
É como se teu martelo soubesse
que o tempo é ao mesmo tempo sagrado e vulgar.
III
Recordo os braços nus da Gênese,
os músculos tensos como cordas
que ainda vibram do sopro divino.
Recordo também
o Cristo no entalhe do túmulo,
onde a luz se recusa a entrar
como se respeitasse o luto.
Na pedra, há frio.
No frio, há claridade.
E na claridade, o peso de um mundo
que apenas a arte suporta carregar.
IV
Não há ornamento supérfluo,
não há sorriso decorativo.
A beleza que crias
é austera como prece dita no deserto,
é violenta como a primeira verdade dita a uma criança.
E ainda assim,
nessa gravidade mineral,
há ternura:
o toque lento sobre a curva de um ombro,
o silêncio cúmplice entre duas figuras
que se olham há milênios.
V
As tuas esculturas não terminam,
elas continuam na carne de quem as vê.
Seguem conosco pelas ruas,
entram em nossos sonhos
e se deitam ao nosso lado na noite.
Jacob Epstein,
teu cinzel não corta a pedra:
abre nela um abismo
por onde vemos o rosto do mundo
— e o nosso próprio rosto,
feito de pó e vento,
mas capaz, por um instante,
de se crer eterno.
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