O frio chega antes do sol,
entra pelas frestas das portas,
escorrega pelos cabelos,
como lembrança de um tempo que não volta.
No quintal, a terra treme sob os pés,
e o vento arrasta poeira e silêncio
entre mandacarus tortos e pedras gastas.
O gado resmunga longe,
e o eco é só dos próprios ossos.
As paredes de taipa guardam calor antigo,
mas nem sempre a lembrança aquece.
No fogão, a brasa morre devagar,
e a panela suspira, vazia de sustento.
A lua surge pálida,
refletida na água da cacimba,
onde o sertão se dobra sobre si mesmo,
como se rezasse a própria solidão.
Há um cheiro de chão frio e saudade,
um canto de aves que não encontram abrigo,
e o homem, encolhido no manto,
sente a pele e o espírito gelarem juntos.
Mas é nesse frio que o sertão se revela,
na dureza da pedra, na paciência do vento,
na esperança que brota mesmo em dias secos,
e no coração que insiste em bater
apesar de tudo, apesar do frio.
O frio do sertão é memória viva,
é história que se arrepia na pele,
é canto de mãe que já não chama ninguém,
é silêncio que fala mais que palavras.
E assim, ao fechar os olhos,
o homem sente o frio e sorri:
pois no sertão, até a geada
tem sabor de vida e promessa de manhã.
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