O trem parte devagar, como se não quisesse acordar as árvores.
Lá fora, o amanhecer é um borrão de rosa e cinza.
As nuvens baixas, preguiçosas, parecem costuradas à serra
por linhas invisíveis de bruma.
Passamos por vilarejos onde o tempo
se move mais lento que o gado no pasto.
Casas simples, telhados de barro,
roupas coloridas dançando no varal.
Há sempre um cachorro deitado no sol,
como se fosse o guardião de um segredo antigo.
Nas esquinas de terra, mulheres equilibram bacias na cabeça
— água, frutas, flores —
e ainda assim encontram um sorriso para oferecer
ao estranho que passa.
Penso na estranha capacidade
de sorrir em meio ao cansaço,
como se o corpo inteiro soubesse
que a vida é feita também de pequenos gestos inúteis,
e, por isso mesmo, essenciais.
As crianças jogam bola em campos improvisados:
duas pedras como trave,
grama alta misturada com terra batida,
um gol comemorado com a mesma
euforia que eu vi nos estádios lotados do Rio.
E penso que, talvez,
a alegria seja mais verdadeira
quando não tem onde se esconder.
No litoral, o mar respira lento.
Parece que espera algo —
talvez uma promessa antiga,
talvez apenas o próximo barco de pesca.
O sol, tímido, vai abrindo as cores como se fossem caixas:
primeiro o amarelo das dunas,
depois o verde pesado dos coqueiros,
por fim o azul imenso
que parece não caber no horizonte.
Mas sob essa beleza,
há uma vibração contida:
as paredes descascadas das escolas,
o mercado onde o peixe
é vendido fiado,
o menino que oferece balas
no farol como quem oferece um pedaço de si.
E ainda assim,
o Brasil se move como música —
às vezes lenta, às vezes urgente —
mas sempre com um compasso secreto
que mistura lamento e festa.
Se pudesse,
eu recolheria cada pedaço desse país:
o sal do mar,
o riso das feiras,
a poeira das estradas,
o canto das cigarras,
e costuraria tudo num pano enorme
para que, quando a tristeza viesse,
pudesse cobrir-se com ele
e lembrar:
há lugares no mundo
onde a pobreza é imensa,
mas a beleza é maior,
e o povo,
mesmo carregando fardos pesados,
ainda sabe oferecer flores.
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