quarta-feira, 13 de agosto de 2025

Lamentos brasileiros I


O trem parte devagar, como se não quisesse acordar as árvores.

Lá fora, o amanhecer é um borrão de rosa e cinza.

As nuvens baixas, preguiçosas, parecem costuradas à serra

por linhas invisíveis de bruma.


Passamos por vilarejos onde o tempo

se move mais lento que o gado no pasto.

Casas simples, telhados de barro,

roupas coloridas dançando no varal.

Há sempre um cachorro deitado no sol,

como se fosse o guardião de um segredo antigo.


Nas esquinas de terra, mulheres equilibram bacias na cabeça

— água, frutas, flores —

e ainda assim encontram um sorriso para oferecer

ao estranho que passa.

Penso na estranha capacidade

de sorrir em meio ao cansaço,

como se o corpo inteiro soubesse

que a vida é feita também de pequenos gestos inúteis,

e, por isso mesmo, essenciais.


As crianças jogam bola em campos improvisados:

duas pedras como trave,

grama alta misturada com terra batida,

um gol comemorado com a mesma

euforia que eu vi nos estádios lotados do Rio.

E penso que, talvez,

a alegria seja mais verdadeira

quando não tem onde se esconder.


No litoral, o mar respira lento.

Parece que espera algo —

talvez uma promessa antiga,

talvez apenas o próximo barco de pesca.

O sol, tímido, vai abrindo as cores como se fossem caixas:

primeiro o amarelo das dunas,

depois o verde pesado dos coqueiros,

por fim o azul imenso

que parece não caber no horizonte.


Mas sob essa beleza,

há uma vibração contida:

as paredes descascadas das escolas,

o mercado onde o peixe

é vendido fiado,

o menino que oferece balas

no farol como quem oferece um pedaço de si.


E ainda assim,

o Brasil se move como música —

às vezes lenta, às vezes urgente —

mas sempre com um compasso secreto

que mistura lamento e festa.


Se pudesse,

eu recolheria cada pedaço desse país:

o sal do mar,

o riso das feiras,

a poeira das estradas,

o canto das cigarras,

e costuraria tudo num pano enorme

para que, quando a tristeza viesse,

pudesse cobrir-se com ele

e lembrar:

há lugares no mundo

onde a pobreza é imensa,

mas a beleza é maior,

e o povo,

mesmo carregando fardos pesados,

ainda sabe oferecer flores.



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