Poema com Biblioteca, Buceta, Bibliografia e Idevair
(ou: Manual de Sobrevivência em Adamantina)
Eu era um jovem poeta em chamas
(ou talvez só com refluxo ácido),
sentado entre prateleiras mofadas,
na única biblioteca de Adamantina
(com ar-condicionado quebrado desde 2003).
Lia tudo:
Pessoa, Bukowski, Hilda Hilst,
os russos, os gregos,
o manual da impressora Epson,
qualquer coisa que me distraísse da realidade
(e da vizinha evangélica que ouvia louvor às 6h30).
Sentia-me um gênio incompreendido.
(ou só um imbecil com complexo de Rimbaud)
Até que ele apareceu —
um homem alto, magro, óculos redondos
como os do Foucault,
camisa de linho, cheiro de perfume caro
(e desespero sexual).
Chamava-se Idevair.
Nome de dragão aposentado.
Olhou para mim como quem olha
uma fruta caída
ou um aluno promissor.
Disse:
— Gosto de jovens poetas.
Falei:
— Eu gosto de morrer devagar.
Três minutos depois
estávamos no banheiro unissex
entre azulejos lascados
e uma pia que cuspia tétano.
Ele queria chupar minha angústia.
Eu queria que o mundo acabasse em latim.
Adamantina lá fora,
quieta como um túmulo de concreto.
E eu ali dentro,
sendo seduzido por um espectro
com citação de Derrida tatuada na virilha.
A vida é misteriosa.
A vida é linda.
A vida é uma cidade sem livrarias
e com muitos Idevairs.
Escrevi esse poema
no verso de um boleto vencido.
Talvez eu seja um gênio.
Talvez só precise transar mais.
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