Fragmentos de um Corpo Negro em Cubos
não é o corpo inteiro,
é a dobra —
do braço em ângulo agudo,
o seio quebrado em planos,
o ventre repartido em triângulos quentes.
na tela,
a forma negra reluz como carvão polido
e tudo é beleza estilhaçada:
o quadril vira trapézio,
o rosto, um sol que perdeu o contorno.
e eu, diante da pintura,
reaprendo o desejo em pedaços:
um olho que me olha do lado esquerdo da tela
e a boca — ah! — a boca
nascendo onde não devia.
quem foi que disse que o belo era liso?
que a pele negra não pode ser geometria sagrada?
Picasso viu touros.
eu vejo
as ancas de Oxum partidas em mil pedaços brilhantes.
a pintura respira.
o tempo não.
fica tudo em suspensão:
o sexo, o gesto,
o grito que não sai da garganta angular da musa.
não é retrato.
é memória partida.
é mulher queimada no ouro do óleo,
mulher multiplicada,
incompleta e infinita —
bela como só o que não se entende.

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