O dia amanheceu como uma baleia
na claridade morna dos meus olhos.
Era tão claro ver a espiga e o delírio
que supus que o amor ardia dentro
da cor celeste-invísivel do vento morno.
O dia, o dia amanheceu e partiu
como se parte uma laranja ao meio.
Não era sombra nem estrela que raiava
em meu coração. Apenas o verde e o amarelo
se encontravam no azul claríssimo em direção
ao sol. E eu vivia preso ao mar sem querer partir,
porque o dia amanheceu seco e dourado
como um pelicano sentado na janela
do meu coração.
A noite
Foi a noite e ficou a chuva.
Que bom, que pena, que desgraça
é ouvir o ronco amarelo da tristeza.
Mais em ti, eu habitava cego e mudo, noite.
Porque eras negra como um pequeno
anu caçador em galhos secos e sem vida.
Noite, só tuas asas cinzentas de abutre
poderiam abrigar sem nenhuma cancela
as estrelas que brilham como luz de faca
cega no escuro.
E enquanto a chuva caia no chão,
porque de dia não havia outra explicação,
eu compunha a melodia dos homens
ouvindo o cantar terrestre dos grilos.
E a noite ajudava rindo da amargura,
rindo dos bêbados, rindo das igrejas,
rindo dos cães, rindo dos políticos,
rindo da televisão, rindo das redes sociais,
rindo dos bancos, dos amores, dos homossexuais,
das mulheres, das travestis, dos homens, dos animais.
E tu e eu, noite, brindávamos a discórdia
e o entretenimento à luz dos passos antigos dos sábios hebreus.
Porque nós dois noite, conhecíamos a verdade e a mentira
tão bem como um construtor de prédios conhece o barro e o suspiro.
E enquanto eu escrevia essas
palavras mornas de manteiga e de azeite
alguém estendia a mão para mim e gritava:
-Camarada, a noite se foi. Pare de cantar.
E eu parei.
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