sábado, 8 de setembro de 2018

Poeta


E quando virei poeta, entendi que tinha um preço
a ser pago por essa maldição tão bela, tão rústica,
em cada traço de tronco percebi que um coração
poderia ser o meu ferido por mil abelhas, assim sendo
adormeci com muita preguiça,
e acordei como um tigre procurando pelo mel do mar.

Segurando a caneta sem tinta, percebendo
que o papel não pode ser outra coisa a não ser dinheiro,
comecei a meditar para me comparar com os santos,
e percebi que era apenas um vagabundo
sentado, espreguiçando com as mãos
as velhas maças dos mercados, roubado
pela ternura o carinho de estranhos, e desconheci
as feiras, e encontrei no meio das igrejas almas penadas,
e enquanto eu escalava os montes, fui frequentando
as faculdades dos livros.

Decifrei na primeira gota do mel a ternura do sofrimento,
então entendi de decor a filosofia de Schopenhauer,
depois foi o amor a ser lançado como uma barata
esmagada na minha direção, e eu quis cantar como Lorca,
e quanto mais abria a boca para receber estrelas,
caramujos e gravetos entravam pelos meus cabelos,
e meditei com os piolhos o porquê de gostar de jogar
baralho.

Por fim bebi algumas gotas para entender o que as
fadas descontentes sentem, e percebi que fora do remédio não há eu.
Depois entrei dentro dos hospitais e gritei pela vida
quando o eco da morte queria me dar injeções nos braços.

E como eu sentia vontade de apertar as nádegas
daquela doce gata, meu bom e velho Whitman,
porque só você, bom e velho Walt Whitman,
poderia entender o segredo voluptuoso do corpo
de uma mulher, da brisa suave que tem suas pernas,
suas nádegas, walt whitman, meu bom companheiro
de Nova York, ai mesmo, enquanto eu lanço minhas
sementes em todas as direções e vejo que o porto do
mar está frio porque os nossos olhos, bondoso whitman,
não podem mais mira-los onde tu e eu estamos,
porque tu se encontra em um estado de graça que não
pode ser descrito, e minha poesia come do vento a poeira.

Por isso entendia as dúvidas dos jornalistas,
o cacoete dos galinheiros, o uivo dos cães lembrando de serem lobos selvagens, e entendi que eramos estranhos,
domesticados para destruir a terra sem motivo. 

Mirando a lua, descrevendo nas raízes das flores
a borboleta, o espelho, o sal, a salgada onda, 
e depois, mesmo depois, quando tudo isso virou cinzas,
vibrando com um último gole, uma só palavra,
e o poeta continuou cantando pelo vale da sombra da morte.

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