sábado, 30 de setembro de 2017

Coroação

Coroação

El espíritu invade mi existencia con poder soberano.
jorge guillén

Coroado sou
de espinhos ou de águas?
Fontes lentas me embaçam
a respiração e o ar se torna
escuro com estrelas geladas.

O vento me feriu uma vez.
Faz muito tempo. Eu nem escrevia
poesia, nem sabia o nome de 
coisas que gosto e desgosto.

Coroado de feridas
coroado de sorrisos.
Restou o meu rosto.
O vinagre da felicidade.
O açúcar da tristeza.

Canção da água

Canção da água

Água cristalina,
canção do mel
de Cristo em
nossas vidas.

Transparente vida,
água cristalina.

Mistério suave
dos goles das fontes:

Mel de Cristo em
nossas vidas.

Brasil

Brasil 

Brasil, minha terra de sangue,
por quê de Sangue? por que não de vida?
Brasil, minha imensa mariposa ferida,
minha terra agreste, meu lar de feridas.
Brasil, minha cidade é uma faca
e me corta todo dia. 
Brasil, porque meu vento é assim
você me acha infeliz, mas sou lento
como a gaivota marinha.
Brasil, pátria amada sangrada.
Por quê sangras tanto em minha poesia?

Canção

Canção

Vou ficar ali imóvel,
vou ficar ali parada,
como um rio sem colheitas,
como o trigo sem grãos,
como a espiga e a espada,
como a caverna e o buraco,
serei brasa e vivo, 
serei morto e sou,
como um touro sem chapéus,
cavalgaduras lentas, camelos,
lentos abismos, fontes,
águas de nascentes que
desçam pelos beijos do
ocidente e do oriente
se queimando na canção.

Sou

Sou

Sou a morte
e não sou
nada que
não queiram
que eu seja.

Sou a morte,
sou a vida,
sou o carrasco,
sou nobre como
a espada que
fere a cabeça
e a corta para

que uma estrela
já não exista.

Sou a morte
e sou a vida.

Só o mistério.
E o que conduz os lírios?

Quero cantar

Quero cantar

Quero cantar,
me deixem cantar,
mais já não querem
me deixar cantar.

Estou trabalhando
rodeado de insetos.
Sou vazio como os
gafanhotos, por isso
choro.

Quanta maldade
nesse mundo que me rodeia.
O que são esses seres
de pele e ossos que me
ferem com suas flechas
de serpentes verdes?

Quero cantar.
Não nasci para trabalhar.
Nasci para ser rei,
nasci para ser morte,
nasci para ser vida.

Quero ficar quieto,
mesmo que me chamem de
mentiroso, mesmo que o
papel não valha o preço que
dou, mesmo que o dinheiro
seja apenas o carrapicho dos
meus olhos castanhos.

Quero cantar.
E vou.

Seus filhos da puta,
malditos desgraçados,
se é esse o fogo das vossas cobiças?

Vou cantar, ainda que queiram me ver morto.
Irei cantarm ainda que eu esteja morto nesse rio.

Lembrança do mar

Lembrança do mar

(Praia dos Sonhos, Itanhaém)

Lento mar de dores,
lento mar de lágrimas,
nos meus olhos o sono,
lento mar, mar que se foi,
mar, mar de fiquemos,
mar de, cheguei e vou,
mar pequeno, mar de
lágrimas e de lenços.

Mar, minha voz não é tua.
Adeus...

Morte cigana

Morte cigana

...com olhos lírios de morto...

A morte é lontra.
A morte, morte.
A morte se foi.
Morte, morte.

A benção de Jacó

A benção de Jacó

(diálogo imaginário)

- Jacó, venha aqui!

-Eis-me aqui, meu pai.

-Forre minha cama. Forre bem forrada,
do jeito que sua mãe faz. Você é tenro e lírico.

-Sim meu pai. Assim forrarei sua cama,
do jeito que minha mãe faz.

-Jacó!

-Eis-me aqui, meu pai!

-Forraste minha cama do jeito que eu lhe pedi?

-Sim, meu pai.

-Obrigado meu filho. Você é tenro e lírico. Por isso
eu te pedi que fizesse isso para mim. Agora me faça
um favor, chamai Esaú, e descansai. 

-Esaú, nosso pai te chama.

-Irei eu ir ter com meu pai. 
Falarei com ele. Sai, sai!

-Esaú, meu filho, venha aqui!

-Eis-me aqui, meu pai!

-Estou velho e lento, meu filho,
velho e lento como a maré silvestre.

-Não meu pai, estás formoso como
a videira frondosa do Eterno.

-Não meu filho, não me maltratais.

-Perdão meu pai.

-Perdão meu filho. Ouvi o que te digo.

-Dizei meu pai, e eu escutarei.

- Estou velho e farto, por Deus abençoado.

-Que assim seja sempre, meu pai.

-Mais eu não sei o dia da minha morte.

-Longe ela esteja de todos nós, meu pai.

-Ouve-me filho meu.

-Falai, meu pai!

-Toma as tuas armas de feridas,
 a tua aljava e o teu arco de cor rubra.

-Sim, meu pai, assim farei eu.

- Sai pelo campo orvalhado de luz.
Apanha para mim alguma caça. Faça um guisado saboroso.

-Sim meu pai, assim eu ouço.

-Minha alma irá te abençoar depois do contentamento.
E então poderei morrer com minha benção em tua cabeça vermelha.


-Jacó, venha aqui!

-Eis-me aqui, minha mamãe amada.

-Ouve bem a tua mãe, meu filho?

-Escuto tua voz até com o vento soprando, minha mãe.

-Escuta, pois o Senhor comigo falou,
que o menor seria abençoado, e o maior o servidor.

-Minha mãe, que o frio da prata seja lento.
E que o amor entre os irmãos seja sem dor.

-Meu filho, ouves o que tua mãe fala?

-Minha mãe, escuto a tua voz até com a fúria do vulcão.

-Teu pai disse a teu irmão que iria abençoa-lo antes de morrer,
pois já está velho e muito farto, abençoar teu irmão ele vai.

-Minha mãe, eu te ouço. Que o Eterno determine tudo.

-Meu filho, escuta a minha voz?

-Sim, mamãe, até no verde deserto e na areia do poço.

-Pegue dois cabritos do rebanho,
aqueles mais frondosos.

-Minha mamãe, assim eu farei.

-Eu te farei um guisado saboroso.

-Minha mãe, não tenho fome.

-Irás dá-lo ao seu pai. Daí ele irá te abençoar.

-Esaú, minha mamãe, tem pelos de leões,
e eu sou liso como as rochas do mar.

-Meu filho, escuta a minha voz?

-Escuto, minha mãe, até no fundo do mar.

-Pois teu pai não irá te apanhar.

-Mamãe, posso lhe falar?

-Meu filho, falai, que eu ei de escutar.

-E se eu apanhado for? Mamãe, ai que dor,
no coração eu iria levar uma maldição.

-Sobre mim seja a maldição tua se fores
apanhado, meu filho, meu Jacózinho de lírios.

-Mamãe, que benção eu ei de tomar?
Esaú é peludo como os leões, e eu sou liso como as rochas do mar.

-Meu filho, escuta a minha voz?

-Mamãe, até no barulho eu a ei de escutar.

-Põe a pele dos cabritos nas mãos, toma as vestes do teu irmão.

-Mamãe, assim quero eu te alegrar.

-Meu filho, leve o guisado e o pão, para o teu pai te abençoar.


-Meu pai, meu pai, meu cego pai,
de rios, de ventos, de lestes e oestes.

-Quem és tu, meu filho?

-Eu sou o teu primogênito. Cabeludo como os leões.
Ruivo como a fogueira. Forte como os cabritos.

-Quem és tu, meu filho?

-Sou Esaú, filho de Isaque, neto de Abraão, irmão de Jacó,
filho de Rebeca, casado com duas mulheres belas. Uma é filha da abominação.

-Quem és tu, meu filho?

-Sou Esáu, teu filho preferido. O caçador de arcos,
o derrubador de touros, o montador da morte, o amigo dos abrigos.

-Quem és tu, meu filho?

-Sou Esaú. Esaú, seu filho.

-Venha até mim, meu filho de tantos títulos.
Deixa-me apalpa-lo, pois estou cego de olhos e ouvidos.

-Quem és tu, meu filho?

-Sou Esaú, teu favorito.

-A voz é tenra e lírica, como a voz de Jacó,
mas as mãos são fortes e peludos, como as de Esaú.

-Assim eu o disse.

-Quem és tu, meu filho?

-Esaú, o teu preferido.

-Abençoo-te meu filho.

-Aceito a benção meu pai.

-És mesmo Esaú? És mesmo o verão,
o fogo? Ou és o suplantador de lírios?

-Sou eu mesmo, meu pai. O fogo nos lírios.

-Dai-me de tua caça, meu filho, dai-me
dos lírios em fogo dos cabritos. Traz também a sobremesa e o vinho.

-Meu pai, beba até a tua alma ficar lenta.

-Meu filho, não me digas isso.

-Coma meu pai, a noite tem sucos e lírios.

-Meu filho, dai-me um beijo na nuca. 
E eu te abençoarei,por Deus, nosso Rei!

-Meu pai, eu aceito tua benção.

-Eis que o cheiro do meu filho é como o cheiro do campo, 
que o Senhor nos deus e abençoou.

-Que o Senhor te dê, que Deus que fez o orvalho dos céus,
 te dê das gorduras da terra, das abundâncias dos trigos e dos mostos.

-Meu pai, eu aceito tuas benção das mãos do Eterno.

-Deixa-me falar meu filho e eu falarei minha benção: Sirvam-te povos, e nações se encurvem a ti; sê o senhor de teus irmãos, e os filhos da tua mãe se encurvem a ti; malditos sejam os que te amaldiçoarem, e benditos sejam os que te abençoarem. Escuta-me meu filho.

-Eu aceito tuas bençãos, meu pai.

-Dai-me um beijo, meu filho, e saí abençoado.

-Eis-me aqui, meu pai.

-Quem és?

-Esaú, teu filho, trouxe-te a caça que pedistes.

-Se és Esaú, quem foi que abençoei? Comi de tudo, antes que tu viesses, e abençoei-o, e ele será bendito.

-Jacó? Terá sido? Não é o seu nome um suplanto de mel e trigo? Roubou-me a primogenitura com castigo, e agora minha benção de trigos.

-Deveras foi, meu filho.

-Meu pai, abençoa-me a mim também: tens apenas uma benção? 
Chorarei tão alto que me arrependi de fogos e de lírios.

-A benção será a que eu te disser. Ouve meu filho:  Eis que a tua habitação será nas durezas da terra e no orvalho do céu.

-Meu pai, eu escuto.

-Pela tua espada viverás, e ao teu irmão servirás. 
Porém,  quando te livrares,  sacudirás o seu jugo do teu pescoço.

-Seja assim meu pai, a tua voz ouço.
Chegar-se-ão os dias de luto de meu pai; e irei ferir Jacó pela minha benção.

-Jacó, venha aqui!

-Eis-me aqui, minha mamãe.

-Escutas a minha voz?

-Eu a ouço das montanhas, minha mamãe.

-Teu irmão busca te ferir, parti para Labão, meu irmão.
Parte e mora com ele até que o furor de teu irmão cesse.

-Se assim queres, minha mãe.

-Estou enfadada Isaque das filhas da terra. Mandai Jacó a meu irmão buscar mulher que não me fira a alma com descontentamentos.

-Por Deus te ouvirei, amada minha.

-Jacó, venha aqui.

-Eis-me aqui, meu pai.

-Parte para Labão, irmão de tua mãe. 
E não voltai até estar casado com mulheres que não sejam de Canão.

-Assim te escuto, meu pai.

-Vai a Padã-Arã, à casa de Betuel, pai de tua mãe, e toma de lá uma mulher das filhas de Labão, irmão de tua mãe.

-Assim te escuto, meu pai.
-E que Deus Todo-Poderoso te abençoe, e te faça frutificar, e te multiplique, para que sejas uma multidão de povos.

-Assim te ouço, meu pai.

-E te dê a bênção de Abraão, a ti e à tua descendência contigo, para que em herança possuas a terra de tuas peregrinações, que Deus deu a Abraão.

-Assim te ouço meu pai.

-Esse é o meu adeus, filho meu.


-Esse é o meu adeus, meu pai!

foto: ilustrativa

Vida

Vida

Quando o pulso
move o poema o
ato de escrever 
se torna o que é: vida.

Roteiro de filme pornográfico



A menina geme. O cara
a penetra bem fundo.

ela
Vai, tá gostoso.
Quero mais...
Enfia tudo.

                (fim)

sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Lembrando a Ucrânia

Lembrando a Ucrânia

-para os meus leitores ucranianos 

O ar da Ucrânia
me fere. Eu quero
cantar a Ucrânia,
o país ucraniano.

Eu já fui verde,
eu já fui azul. Estive lá.
Em sonhos, a muito tempo.
Amava a flora da Ucrânia.

Os cossacos me suspenderam
pelos pés (vocês sabem, eu sou
um vendedor judeu de circuncisão
e rosas frias e mortas), enquanto

eu lhes anunciava a ressurreição
dos mortos com versos livres e estrofes.

Ai, Ucrânia, Ucrânia,
tão longe dos Estados Unidos,
tão perto da Rússia.

És tão linda em tua neve
és tão bela em tuas palavras.
Conheci uma ucranianinha muito bonita,
faz muito tempo.

Por isso o ar da Ucrânia
me fere. E eu quero
cantar a Ucrânia,
o país ucraniano

o povo da Ucrânia.

Solidão no quarto

Solidão no quarto

...metáforas...metáforas...metáforas...

Os livros na cama
gemem mundos estranhos.
Poetas antigos, estranhos
sonhos de outros mundos.

A caneta é azul,
vermelha, não verde.
Uma mariposa risca
o ar, entrando no poema

seco, lento, fixo.
O poeta escreve na
solidão do quarto
suas palavras mornas.

São melancólicos lírios,
são sonhos interrompidos,
são papeis esquecidos
nos olhos, nas bocas.

A figura de uma mulher
nua, estampando sua
xana com as mãos em
fogo e em flecha.

O mel dos livros sagrados,
as histórias, mapas, as geografias,
os misteriosos roteiros,
canções lentas e antigas.

Idiomas. Atravessados.
Talvez seja o mesmo poente.
Ai, solidão, solidão,
o monte está do outro lado.