o homem que vendia sonos
conto
Os sonhos são a literatura do sono....
Frase de Jean Cocteau.
começou como uma brincadeira por causa dos
amigos que duvidavam dele quando ele disse
que podia vender sonos.
"isso não é possível."
"você só pode estar contando
histórias de pescador."
de tanto zombarem, ele falou
bem alto: "Pois eu provo, eu
posso vender meus sonos pa-
ra qualquer um, a qualquer
hora e em qualquer lugar.
Meus ancestrais eram judeus
cabalistas que foram expulsos
da antiga Espanha católica. E
de geração em geração passaram
segredos mágicos que
por fim chegaram até a mim".
A primeira demonstração deixou
todos na cidade de cabelos em
pé, pois Nacib, o libanês, por
causa da guerra civil no seu
país natal que o obrigou a
emigrar, não conseguia dormir
mais, era um insone, quase
um morto-vivo.
Por fim o homem deu a Nacib
uma olhada, cobrou cem reais
adiantados. Depois que o libanês
entregou o dinheiro em sua mão, ele disse
em hebraico "nifsh chia, nishmat hashem, lech lishon, achsav paked alich lishon*", e Nacib caiu es-
tatelado no chão, adormecido no
mais profundo sono.
Foi tanto benzimento e tanto ave
maria que até o padre João
foi chamado para verificar se
aquilo não era uma heresia, ou
alguma arte feita pelo demo-
nio.
Mas logo Nacib, o libanês acordou
e disse a todos que estava se sentindo
muito bem, muito revigorado. Abraçou o
homem com lágrimas nos olhos, faz dez
anos que não consigo dormir, disse, muito
obrigado, que isso, o homem respondeu,
você me pagou e eu fiz o que devia fazer, oras,
e mostrei a esses amigos duvidosos que eu
realmente sou um vendedor de sonos.
Com a cidade mais calma ele passou
a vender sonos constantemente.
Crianças, jovens, mulheres, homens cansados
do serviço pesado de cortar cana ou colher café,
pessoas com insônia, formavam fila para serem
atendidos por ele.
Acontece que ele vendeu tanto
sono para os outros que seu
próprio corpo foi definhando:
os olhos ficaram cinzentos, as
mãos amareladas, era possível
ver seus ossos quando ele ria,
e de vez em quando uma
mosca cheia de sangue saia de
dentro de sua boca enquanto
ele falava.
Por fim foi definhando até
desaparecer e nunca mais ser
visto em nenhum lugar da cidade.
Os que se lembravam dele
diziam que ele era um grande
ocultista da cabala judaica medieval.
Quando o Bispo visitou a
cidade, Padre João lhe disse:
- Saiba senhor Bispo, que aqui em Altopicoshuypis
tivemos a honra de sermos visitados
por um homem sublime da bíblia, aquele que
subiu ao céu em um redemoinho de fogo. Me
falha a memória o nome exato dele.
- Não seria Elias?
- Sim, senhor Bispo, ele vendia sonos para
as pessoas daqui. Fez uma grande fortuna,
mas acabou desaparecendo. Acho que ele
foi arrebatado de novo para o céu.
- Não, meu caro padre João, você está enganado.
Eu sei muito bem de quem você está falando.
Esse homem não era Elias, não, esse daí era
Maimonides... Devia estar fugindo dos berberes** da
Espanha Moura... Vamos rezar um pouco a missa agora!
Fim.
*Alma viva, alma do nome, vá dormir, ordene agora que você durma
**os berberes, primeiros habitantes do Norte da África, presentes na Argélia, na Tunísia, no Mali, na Líbia e no Níger, e somam 45 milhões de pessoas espalhadas na África
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