segunda-feira, 12 de março de 2018

SENTADO

SENTADO 

     Não levantei, para que ela não soubesse das minhas tremedeiras nas mãos, larguei a caneta e passei a encará-la e a visão da sua bela nádega andando em volta entre os livros pareceu ser a melhor coisa que havia de ter acontecido em minha miserável vida desde o ano em que meus dedos começaram a tremer, por causa, dissera o médico responsável por dar esperanças aos autores de textos, da involuntariedade, eu diria parkinson,  ou como diria meu avô isso é nome de doença ou nome de alemão? 
   Os olhos dela, claros como duas pérolas, a cabeleira farta, escorrida, caída até as costas, o nariz arrebitado, em contraste ao meu nariz adunco e frio de europeu magricelo. pareceu procurar algo em uma das fileiras de livros nas estantes da biblioteca, por sorte, eu, o guia dos idiotas, gravara de memória todas as posições dos livros e corredores, e eu de certo poderia dizer que a direita, nas quatro primeiras estantes de livros, estavam os livros de literatura russa, inglesa, portuguesa e brasileira, e do lado esquerdo, os livros de história, economia, matemática e filosofia, como no dia em que a própria bibliotecária se surpreendeu com tais ousadas percepções dialéticas de controlador sistemático, ei, como assim você gravou as posições dos livros e das estantes? por puro olfato, minha cara, desde pequeno meu pai me mandava gravar poemas para recitá-los para os familiares em festas e ocasiões especiais, e por isso, decorar virou uma espécie de vicio, sempre onde eu fora, que cor era o daquele carro? azul, daquele prédio, quantos andares? cinco. o tamanho e a medida exata do oceano? do atlântico, pode ser? cento e seis milhões e quinhentos mil quilômetros. 
    Mas ela não devia de estar interessada nesses fatos da minha vida, e tampouco eu, já que eu estava mais interessado em saber a cor da calcinha que ela estivesse usando, mas um amigo meu diria que nesses tempos de empoderamento feminino o melhor a fazer é ficar com as mãos trêmulas segurando a caneta e forçando o texto a escorrer do que se aventurar a paquerar uma linda moça loira e acabar preso por acusação de algum delito feminista que se possa inventar. não concordo com isso jamais aconteceria comigo as coisas acontecem quer você queira quer você não queria, eu discordo, as mulheres não são tão mesquinhas a esse ponto, mas ficar pensando na cor da calcinha de uma linda loirinha na biblioteca seria o quê? mesquinho, horrendo, mas eu não quero saber disso. eu queria saber o seu nome. e por quê não perguntou?   Foi a primeira coisa que pensei. Em perguntar-lhe o nome. É claro. Mesmo assim não levantei. Ela pegou os livros que queria. Passou por mim. Muito bonita. Marcou os livros e saiu. Peguei a caneta e voltei a escrever. Escrever virou rotina. Era uma moça muito bonita.

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