quinta-feira, 31 de julho de 2025

Uma infância deprimente



O menino toma café.

Preto. Quente. Amargo.

Como o mundo que ainda não conhece,

mas já sabe que odeia.


A xícara pesa mais do que a infância.

Tem sete anos

e pensa em Sartre sem saber que pensa em Sartre.

O ser e o nada misturados com leite.


Lá fora, a natureza:

pássaros gritam porque estão vivos.

Árvores balançam porque não têm escolha.

Tudo verde demais para tanta solidão.


A mãe limpa o chão como quem apaga pegadas.

O pai dorme com a TV ligada —

outro homem morto de olhos abertos.


Ele observa o sol batendo na janela

e pensa:

“tudo o que brilha apodrece depois.”


A infância é um palco vazio com cortinas floridas.

A vida é um pátio onde formigas carregam cadáveres.

O café esfria.

O menino também.



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