terça-feira, 17 de setembro de 2019

Não havia nada


Mais eu não te esqueci,
mesmo quando não havia muros,
nem quando a geometria não fazia
sentido para mim que não gosto
de televisão nem respiro o ar das
eternidades divinas que se vendem
nas miseráveis igrejas.

Eu fui o sol e fui apagado como uma vela,
parti como um sapato rasgado e levei
um tiro na minha esperança de hebreu.
abri o mar com as flechas e engasguei
meu cuspe com o martelo e o prego dos
vampiros.

Caminhei para longe porque não quis
ver seus olhos verdes como a grama.
Se eu soubesse que o sofrimento era
a minha sina de nascença talvez seria
menos feliz do que fui, porque só posso
viver dizendo verdades incalculáveis que
não valem muito apena, porque a cruz pesa
como o mais pesado poema de fernando pessoa.

Poeta fui como todos os outros,
fiz do meu amor a venda de um sapato velho,
fiz do meu coração uma flor cheia de abelhas,
fiz do meu riso um rouxinol desesperado,
e fiz da minha vida as vestes da morte azulada de túnicas.

E quando ando pelas imensas esquinas
sei que não podem me ver de verdade
porque já estão mortos dentro de seus automoveis
e não sabem e não entendem e não querem ver
que fui flechado como sebastião até a morte
e depois venci os mouros como santiago mais
negociei a minha venda e vendi jerusalém
por trinta moedas de prata que valiam mais
do que o ouro do trono do rei davi.

Ninguém me oferece a esperança,
eu mesmo sai pelas ruas gritando:
posso te ofertar o meu amor sangrado,
mais é claro que as dividas são manipuláveis,
e eu tenho dentro do meu peito apenas dores.

Pretendo ir embora de novo no mesmo silencio em que fui concebido,
eu não terei filhos, porque assim quer Deus, porque assim quis Deus,
porque as coisas não são feitas para acontecer como a nossa imaginação
pretende, 
porque a fé é uma mentira enganosa, e porque tudo o que acontece nesse
mundo coopera para o mal triunfar, mesmo que no fim os bons se deleitem
com água, não seria melhor ser explicado o porque do bom andar a pé
e o impio sempre estar andando a cavalo?

Em um impulso irei descrever gerações
que foram escravizadas pelo mar, desde os egipcios que já não existem
até os eslavos que se foram para as arabias negociarem gado e traficarem ouro.
Esse mundo é uma desgraça porque assim quer Deus, porque assim quis Deus,
e podemos nos culpar por isso, mais a natureza não pode ser vencida,
e o homem só pode dominá-la pelos instantes que ela mesma o determina.

Solte o sol como eu com as mãos que queimam como velas de shabat
solte os rolos da torá e comecem como eu a recitar o shemá sempre
que me vence a tristeza e a minha cara de lula-gigante rodeia o poente
enquanto luas sinistras em forma de mulheres com imensos penis conversam
com o meu coração enquanto eu tento entender o que faço aqui nesse país
amaldiçoado por todas as criaturas que Deus criou através da sua mágica infinita.

Serei eu que estou louco por perceber que esse sistema é doente?
Por que sou eu o louco se não sou eu quem está com o chicote e tudo o que faço
é uma maneira de dizer que não quero levar chicotadas?
Vocês não me entendem, porque se eu não posso me entender como é que vocês
me entenderão? Vocês quem, pergunta o meu aflito coração, enquanto caminho
pelas sarjetas sujas dessas ruas miseráveis, e me lembro que o sofrimento não é
opcional, a alma apenas sente o que deve sentir, porque Deus assim quer, porque Deus assim quis,

e se há fome, não se ofendem com os que morrem de fome mais criticam a pornografia
em vossos pulpitos, enquanto vocês hipócritas gemem de noite a noite já que todas as
noites são as mesmas noites, mesmo que as tumbas embacem as vozes dos mortos
vá perguntar a eles gentis capitães do dinheiro se eles querem ressuscitar de novo
nesse mundo onde as dúvidas se amontoam pelos campos.

Por isso seu nome vai ficar comigo
como um amuleto sagrado, como o vinho que tomo,
como o pão que não pode ser amassado,
como o meu presente,
como o meu passado.

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