domingo, 24 de março de 2019

NÃO EXISTE GUARDA-ROUPA

NÃO EXISTE GUARDA-ROUPA
conto

      O juiz disse algo para o escrivão e de súbito, se calou.  Minhas mãos tremiam desde agosto, quando o calor parecia não ter fim, e o apocalipse podia ser vivenciado de qualquer esquina, na cidade.
 - Pode se levantar, senhor Paulo. Suas acusações não deixam dúvidas. Realmente você teve intenção de analisar o tigre. A questão é...
  Pensei que ele estava tendo dificuldade em expressar a ideia de que na minha casa qualquer um poderia acessar outro ponto do universo. As acusações de bruxaria eram ridículas, pelo simples fato de minha casa estar repleta de livros cristãos, e de direito internacional.
  Jamais neguei a ninguém a possibilidade de visitar outros mundos, porque quando criança, quando me acostumei a discutir teologia em latim com os duendes de meu quintal, mamãe resolveu não me internar, ainda que eu continuasse contando na escola de pés juntos que havia visto na rua de casa um elefante amarelo, e um casal de flamingos patinadores de gelo.
 O caso do tigre não foi tão grave quanto estavam querendo parecer que fosse.
 Eu já criava ele há uns sete anos, antes de ter me formado em advocacia, e ter ganhado de meu pai a coleção completa dos livros de jorge luís borges.
   Me interessei pelos tigres quando vi a sombra desse saindo de dentro da minha mochila, rosnando contra mim.
 Fiquei assustado, mas por fim entendi o tigrês, seu idioma, e sabia que ele apenas me pedia para fechar a janela, pois o vento da américa latina estava deixando seus olhos lagrimejados, e por ser um animal de cores mistas, sentia que isso estava a fazer-lhe mal.

 Por vias das dúvidas, com as mãos no crucifixo, agarrei-me as cortinas, e de súbito, com uma força imensurável, fechei a janela, e o vento cessou.

  Resolvi batizar o tigre de Tadeu.

Tadeu não se cansava de me acompanhar até a escola, e tenho que confessar que era uma cena ridícula, um homem de trinta anos acompanhado de um tigre na frente da faculdade.
  Tentei enxotar-lhe mais de uma vez. Como é de costume dos felinos, deitava-se no chão,  como quê a pedir carinho, ronronando alto, fazendo as moças de seios e nádegas enormes se aproximarem e pedirem para passar a mão nele.
  A melhor maneira de conseguir uma transa era ter um tigre ao meu lado, aos sábados de noite.

 Tadeu se cansou disso, e passou a se esconder dentro do velho guarda-roupa, como que me chamando para encontrá-lo.
  Quando não ia procurar, sentia uma garra de leve em minhas pernas, e uma mordidinha me fazia levantar para xinga-lo.
 Eu acabava pedindo desculpas, e ele voltava a se esconder no guarda-roupa, como se nada tivesse acontecido.

- A questão é - continuou o juíz. - Onde está o guarda-roupa com o tigre dentro?

- Não existe guarda-roupa - respondi sinceramente.



  

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