sábado, 10 de junho de 2017
E o sino canta!
Foi o tempo que chegou e o frio e o vento
e a neve e as coisas minúsculas e maiúsculas,
nada disso importou para a vida, ou para Deus,
ou para o sol, ou para a lua ou para as minhas
mãos cheias de névoa de neve de frio de água.
Eu me lembro de tudo isso, de todo acontecimento
movido a luz movido a noite movido a trevas
porque as coisas são e não são os ventos os
vinhos a solenidade das palavras as esquisitices
familiares os trabalhos as vírgulas mal-colocadas.
Tudo isso pode ser comparado ao som do violino
que canta no escuro e na claridade do coração.
Isso porque o amor e as estrelas são uma coisa
são apenas metáforas distantes, físicas ocultas,
melodias esquecidas dentro do tempo em cada
língua em cada idioma metálico e frio dos confins
sonoros da terra.
Mesmo que seja incompreensível a lógica
é cantar e cantar sempre o mesmo som imitando
quem sabe o ar do mar a foice que corta a terra
a morte dos insetos pequenos, as dores insuportáveis
as guerras que se vão os capitalistas endemoniados
os socialistas enterrados nos bosques suportar
os pobres os ricos suportar o carvalho do dinheiro
o papel dos bancos consumidores de juros e pobreza
os geradores das riquezas os anjos as coisas valiosas
uma mulher feita de diamante e de rubi um amigo
feito de laços invisíveis feito de matéria feito de
vento lebre feito de carvalho e chuveiro feito de
nada que possa lembrar os lagos imensos e a tristeza
do olhar.
Essas coisas ardem porque o poeta se senta
diante do papel branco e começa a escrever
com caneta de cor negra suas lágrimas e
seus poemas são sua vida que passa por
olhos (meu Deus, quantos olhos), passa
por mãos em mãos, dedos em dedos,
pulmão em pulmões, coração a coração.
E o verso arde dentro das coisas inumeráveis:
a infinita areia das praias, o metal dos corvos
no meio do campo vazio de vida, os crustáceos,
os computadores, as vassouras, os tapetes,
as janelas fechadas, o escuro do quarto,
o escuro de um caixão, a morte dentro
de um palito de fósforo, o orgulho nos
olhos do contador, a falsidade dos relâmpagos,
as metáforas do pequeno menino que brinca
solitário, o verde do matagal ao lado da casa
alugada, a cidade cheia de luz, a cidade
cheia de trevas,
o ouro, o pó da terra, o vento, a carniça
que atraí os urubus, a pena do pelicano,
os perdidos, os encontrados, os livros
jogados dentro das estantes das bibliotecas
esvaziadas de temor, de arrogância, de
alegria, de melodias que se findam sem
sino, sem violino, sem mar, sem espuma,
sem ar de terra, com ar de coisas que se
perderam a muito tempo,
quando o tempo oculto não era nada,
quando o amor pulsava de dia em dia,
de hora em hora, de momentos em momentos.
E todas essas coisas podiam ser vistas
dentro de uma fotografia, de uma pintura,
quando os homens navegavam pelo mundo
sem saberem da existência de outros povos,
de outros amores, de outras nações,
porque a nuvem coberta era a silhueta
da verdade.
E o tempo pulsava no relógio
em frente a loja direita e esquerda.
E o frio varria a rua coberta de vazio.
Entendiamos isso
sem entender nada disso.
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