quinta-feira, 21 de agosto de 2025

Luan Dnir - conto

   Acordou com o peso estranho entre as pernas. Uma coceira, um zunido baixo, uma sensação viscosa de movimento.

Abriu os olhos, ainda atordoado da ressaca de vodka barata e calmantes. A mão desceu por hábito, roçando o corpo, buscando a carne que lhe garantia contratos, fama subterrânea e dinheiro rápido.

Quando puxou o lençol, viu.

— Que porra é essa?! — a voz explodiu no quarto abafado.

     Onde antes havia o pênis ereto de sempre, soberbo, pronto para a câmera, agora um inseto negro se contorcia. O corpo segmentado brilhava com uma viscosidade oleosa, as patas agitadas, antenas tremendo, como se farejassem o horror.

Ele recuou, mas o corpo — o próprio corpo — estava preso ao bicho. Não era algo colocado, nem uma ilusão: era sua carne transformada.

O celular vibrou na mesa de cabeceira. Era o produtor.

— Luan, já tô na porta do estúdio. Tua cena hoje é com três atrizes. Preciso de você inteiro. Não fode.

Ele desligou sem responder. O zumbido do inseto cresceu, quase como uma risada metálica.

      Tentou abafar o animal com a mão. A pata cortante arranhou sua palma, deixando um risco fino de sangue. Gritou, não de dor, mas de indignação: perdera sua arma, sua identidade, seu passaporte. Sem pau, não era nada. Com pau-inseto, era menos que nada.

Foi ao espelho. O reflexo devolveu um homem comum, suado, barba rala, olheiras profundas. E no centro, o monstro. Uma fusão grotesca.Imaginou a câmera filmando aquele horror: close nas antenas, zoom nas patas. Pornografia entomológica. O riso nervoso lhe escapou, seco, quebrado.

Pensou em cortar. Pegar a faca da cozinha, separar homem de bicho. Mas a ideia trouxe um frio insuportável. Quem seria ele sem isso? Uma sombra? Um cadáver respirando?

O celular voltou a tocar. Mensagens inundavam a tela: “Onde você tá, caralho?”, “Se atrasar não recebe!”, “Não me deixe na mão!”.

E ele olhou de novo para baixo. O inseto se mexia, vivo, pulsante, como se tivesse fome. Uma fome que não era sua.

Encostou a mão, sentiu a vibração, o zumbido. Pela primeira vez em anos, teve medo do próprio corpo.

Apagou a luz, deitou, cobriu-se inteiro.

No escuro, apenas o som: zzzzzzzzzzzzzzzzzzz.



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