sábado, 23 de agosto de 2025

A menina

Era começo de inverno em São Paulo.

A menina esperava o ônibus no Largo da Batata quando viu o rapaz parado na esquina.

Ele usava um casaco cinza, muito simples, e olhava fixamente para o nada.

Parecia deslocado — como se tivesse saído de outra época.


Ela se aproximou.

— Você está perdido? — perguntou.

Ele sorriu levemente, um sorriso cansado.

— Não. Estou apenas procurando voltar.

A voz tinha um sotaque suave, estrangeiro, mas antigo.


Conversaram pouco.

Ele disse que era japonês, um soldado da Segunda Guerra.

Disse que havia atravessado mares e batalhas, e que agora estava ali,

naquele ponto da cidade, sem saber por quê.

Ela não acreditou de imediato. Mas a presença dele

tinha uma densidade que a impedia de duvidar completamente.


O ônibus chegou, parou, partiu.

E ele continuava imóvel, cercado pela neblina inesperada da noite paulista.

Então, de repente, o rapaz começou a caminhar.

A cada passo, a neblina se adensava.

Ela tentou segui-lo, mas ele desapareceu.

Apenas o silêncio ficou no ar, úmido, frio, carregado.


No chão, perto do ponto, havia uma fotografia.

Ela se abaixou e pegou.

Era antiga, amarelada.

Mostrava um jovem japonês em uniforme militar.


Em casa, mais tarde, levou a foto à mãe.

A mãe olhou com atenção, surpresa, depois sorriu,

um sorriso cheio de algo que parecia saudade.

— Esse é seu avô.


A menina voltou para o quarto.

Deitou-se com a foto entre as mãos.

Lá fora, a cidade seguia barulhenta, indiferente.

Mas dentro dela, uma estranha paz se espalhava,

como a mesma neblina em que o rapaz havia sumido.



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