...com as mãos segurando os espinhos de uma rosa intranquila no campo...
Quando eu era outono
eu tinha lágrimas de dor
bem no fundo do coração.
E meu coração de marfim
ardia cheio de pó e pólvora.
Eu pensava que era dor,
mais hoje creio que aquilo
era sintoma da poesia.
Por isso eu chorava tanto.
Gritava pelo amor e só
as mariposas me diziam:
oras, cala-te. E eu me calava,
ouvindo a brisa marinha,
sentindo o gosto de mel
que vem do céu imóvel,
sentindo o paladar das ostras.
Minha companheira morena
cigana como o meu ser
me abandonou por outro.
Por isso o outono me consolava
porque eu tinha muito sono.
Eu era alegre por Deus e por outras coisas.
Como livros, amizades,
pequenos versos, sonhos.
E tudo me abandonou.
No fundo no fundo era a solidão
dizendo que me queria tanto
e a morte e a dor me agrediam a face.
E eu implorava por misericórdia
chorando lágrimas e relâmpagos.
Todo dia eu ia na casa de um touro
e conversava e ria e almoçava e aprendia.
Assim era a minha vida,
cheia de primaveras, cheia de coisas
indecifráveis e imóveis como
o sol, a lua e os planetas congelados.
Por isso eu me punha a ir
sem rumo como uma tartaruga
pelas ruas sinistras e suaves
de Adamantina, minha cidade.
Ai, quantos buracos me acompanhava!
E quantas árvores e pequenos pássaros.
Todas as borboletinhas no caminho
me diziam em sua língua indecifrável:
não chores, o outono não te abraça.
E eu ria. E eu chorava.
Via as fotos e os céus e me punha a
supor que as coisas me odiavam.
Mais o ódio é puro como é pura
a minha alma cheia de muros e algas.
Eu me via marinho e pela primeira vez
a terra me engoliu e me sufocou.
Então eu vi a face do amor
bem no fundo do meu coração transparente
de azul e cinza.
Era a chuva que gritava por mim, dizendo:
faz o café e trabalha.
E eu rindo e chorando outonos profundos
ia me lembro de cada coisa que eu tinha:
meus cabelos grandes e imensos,
meus olhos claros como a pedra do sítio,
minhas orelhas de abano como as dos elefantes,
meu nariz gigante de pelicano.
Ai de mim, quantas assombrações
vinham me encher a cara de coca-cola
e de cimento e de hinos, de música,
e de trabalhos de super-mercados lotados.
Tudo isso me veio, tudo isso me foi dado.
Que desespero, pois minhas lágrimas outonais
acabaram, não surtiram mais efeitos.
Até que veio a sombra do mundo em minha vida,
e a morte chegou sem ser convidada em minha casa.
E a morte comeu meus olhos azuis,
a morte comeu os meus sapatos azuis,
a morte comeu a minha alma azulada.
E eu chorei como nunca chorei.
E ardia em mim a saudade e o cosmo.
E ninguém duvidou que eu fosse sincero.
Ninguém duvidou que eu comesse o surrealismo.
Não, ninguém me publicou enquanto eu pedia.
Ninguém me amou enquanto eu chorava.
Ninguém me ajudou quando eu estava cego,
faminto, solitário, nu como uma videira seca.
Foram essas as coisas
inevitáveis que ocorreram
em minha vida distante.
Assim foi a minha fábula no presente.
E eu dizia
meio esquecido e meio acordado
meio sonambulo e meio cigano
um pouco judeu um pouco mouro:
Quando eu era outono
eu tinha lágrimas de dor
bem no fundo do coração.
E meu coração de marfim
ardia cheio de pó e pólvora.
Eu pensava que era dor,
mais hoje creio que aquilo
era sintoma da poesia.
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