Ternura para o amanhã
Onde minhas mãos se escondem
longe dos teus olhos de luares frios
ali me deito ali sonho ali me torno
algo escuro algo enegrecido algo puro.
Sua boca torna a me alimentar com
imaginações e ferros pesados enquanto
meu pulso e meu suave pensamento
conclui com palavras secas a vida
e o deserto das casas desmoronam
tumbas no fundo da minha alma sangrada
e estrelas pequenas e baças fundam
nomes que não posso dizer por futuros.
Sei que o meu amor foi congelado
sei que as minhas palavras já não valem nada
por dentro do carro fui vendo as estradas
e o verde vivo do cosmo inchou minha alma.
Minha pobre alma velada pelo amanhã
minha pobre voz roubada pelo rei dos grilos
meus pensamentos ocultos feitos de estilhaços
vidros vidros do oceano e do sal onde pousei
onde eu quis ser mais do que eu poderia ser
mas
a vida não quis que eu fosse nada que eu pudesse
e minha voz cantou desesperada de silêncio como o galo
solitário no jardim da minha casa
e me lembrei de rostos rostos lindos rostos bons
e me lembrei que a morte era apenas uma metamorfose
da própria vida e que a vida por si mesma não pode ser sem a morte.
Mas eu já não estava iluminado,
me deixaram separado de tudo o que eu amava:
das bibliotecas cheias de teias de aranha e pessoas
enclausuradas em celulares,
do oceano, da praia imóvel, da areia pura e seca do mar
onde meus braços podiam repousar e a minha esperança
assassinada por brutos e invejosos rodeando minha alma
e eu me lembrei que eu era um serafim abandonado.
E quanto mais eu gritava conseguia ver o silêncio
dos mortos que me rodeiam nessa cidade abandonada
e quando eu quis ver as estrelas
pude sentir o vento e o frio do cosmo me tocando.
Com a voz fanha e embargada de suor
eu quis dizer tudo, e como sempre eu não dizia nada
nada que as espadas da escuridão e as cavernas da vida
não iam dizendo na minha cuca fundida de pó e lama,
zombavam de mim quando eu era criança
e de repente me tornei admirado calado quieto assustado
e nenhuma palavra conseguia me atingir
porque era tarde, a escuridão do sol corroeu a minha alma
e o lustre das baleias, o amanhecer dos besouros,
a mordida dos vaga-lumes, as picadas dos pernilongos,
a morte do touro com navalhas de comércio e o fogo
do relinchar dos equinos transportados sem asas
tudo isso apagava os meus pensamentos
e eu cruzava os dedos incapaz de trabalhar
e em cada noite me deixavam morto
enquanto os meus olhos falavam de
mariposas, runas, antigos destinos,
descendências feitas de papel em lata,
medalhões esmagados e ouro roubado
que não se pode comer nem partilhar.
Quando me coloquei de pé
disseram que tudo o que sei fazer são
desabafos, comercializando traumas,
propondo enigmas antigos
e parábolas que nenhum ser
doente ou cheio de feridas poderia
entender com os olhos manchados
de lágrimas roxas.
Foi então que coloquei em todos os meus versos
as janelas, as cortinas, os sofás, as casas,
e foi ai que entenderam que enquanto a
noite bruta me velava meus sonhos iam
se tornando reais: marchavam, como as horas,
seguiam o ritmo dos ponteiros e o frio do vento
anunciava a chegada da manhã.
Eu, com a mais doce ternura,
coloquei no fundo do peito uma agulha.
E a manhã foi se tornando alva, como um sonho,
e me lembrei que a cor amarela também era esperança.
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