quinta-feira, 12 de abril de 2018

Balada do desempregado


Moinhos de vento lutam contra dom quixote,
enfrentamos as latas e chutamos os caixotes.
Do outro lado do muro uma multidão vomita
veneno, argila, pentes de sedas e fogos-de-artificio.

Do lado onde estamos podemos ver a multidão
urinando orquídeas e os políticos forrando suas
casas com fantasmas em forma de dinheiros.
O vento gelado uiva como um lobo solitário.

Dom quixote tem nas mãos uma espada
em brasas vivas, capaz apenas de cortar mentiras.
O rio que leva o mistério dos poetas
deságua embaralhado no coração sem vida.

Mortos atravessam nossos olhos com poentes,
esquecidos vagabundos estão descontentes,
imensos prédios gritam por socorro
e o mar chora vendo todo esse alvoroço.

O descontrole é total na cidade: 
mãos queimadas, presos com folhas de mel,
abelhas industriais caprichando pela ridicula
liberdade e bandeiras sendo levantadas para

direções sem destinos. 
Em frente a nós mesmos o morto sorri
como se deixasse uma mensagem de paz
para as formigas que levantam ao meio-dia

enquanto os galos forasteiros cantam
e as galinhas ciscam as últimas moedas
das mãos do judeu encurralado de
mercadoria na fonte dos árabes do oeste.

Levantamos a voz com uma multidão
enfurecida, levantamos a voz, a voz falhando,
cantamos, cantamos, vemos a marcha
ridícula do sangue enquanto lembramos

que tudo o que nos rodeia é a criação humana,
uma sociedade feita de mentiras e ridículas
demonstrações de solidariedade que chegam
a ofuscar o céu e fazer Jesus suspirar de ódio.

Movendo as mãos, a multidão caminha,
urinando por socorro, gritando, vomitando
por medos, tombando árvores por casas,
comprando comida aos rios do dinheiro.

E com a boca envolta em silêncio
meditamos com distinção a tristeza
desses sofrimentos, imaginando 
a paz que deve haver no coração

diminuído de tumbas e lamentos.
A voz da cidade é absurda e se
levanta como o sexo: um imenso
prazer de ver o destino concluindo

as ilusões, meditando com o celular,
espelhando nossos sofrimentos nos livros,
vendo a morte em todas as direções livres,
lembrando sabiamente que os seres que

pensam são mais ridículos que os
seres que sem pudor defecam pelo campo verde.
Enquanto as ondas bravas, as ondas amadas
vão levando as nossas almas de suspiros.

Levantando com a multidão,
estamos só, estamos rodeado
por imensas cercas elétricas,
por casas e tumbas, porque a cidade

é apenas um cemitério,
e a sociedade é um imenso túmulo
onde seres sem esperança e amor
urinam e defecam.

Dom quixote quebra o rosto do vento,
suas mãos ensanguentadas na mesa
escrevem um poema que deixa
os dentes do marfim pretos.

Na calma de seus olhos dom quixote
medita com os anjos emparelhados no quintal.
Os reinos do mundo queimados por Deus
são o sinal de uma esperança esperançosa.

Enquanto a noite vai caindo quieta
e as nuvens semeiam seu esperma de água na terra,
dom quixote joga xadrez enquanto moinhos de ventos
se encurvam pela beleza da donzela.

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