quinta-feira, 7 de novembro de 2019

De divórcios até Godzilla



...quando você sair da tempestade, você não será a mesma pessoa que era quando entrou. ...

-haruki murakami, escritor japonês  -



 
    Quando minha esposa me ligou dizendo que queria se divorciar de mim, não fiquei espantado com a situação, já que a dias não nos falávamos mais. Ela tinha pegado suas coisas e saído de casa, indo morar com sua amiga, Samantha. Não me importei muito.

 Desliguei o telefone, guardei ele no bolso. Meu gato, o Sr. Taurin estava ronronando aos meus pés. Fui até a janela do apartamento, e fiquei contemplando a cidade imensa e luminosa que aparecia a frente dos meus olhos.

 Ela quer o divórcio porque não devemos mais mentir sobre o nosso relacionamento. As vezes quando eu brigava com ela, me acostumei a sair de casa e ir procurar algumas garotas de programa apenas para conversar. Se não as encontrava, eu ficava até tarde bebendo Coca-cola ou comendo algum lanche em qualquer lugarzinho que estivesse aberto perto de casa. 

 Um vento frio começou a soprar pra dentro do apartamento, fazendo que o Sr. Taurin fosse direto para o seu cantinho preferido de dormir, uma imensa bacia cheias de roupas sujas que eu sempre levava para a lavanderia.

 Lembrei quando nos apaixonamos. Ela era uma menina recém formada na Universidade de Advocacia, falava mansamente com termos técnicos, e eu, um simples escritor de jornal. 
 Ela dizia para as amigas que eu era um grande poeta, e que muitos poemas meus iriam ser publicados futuramente. Isso não era totalmente um engano da sua parte. Eu sempre gostei muito de publicar poesia desde os tempos de escola. 

Com o passar do tempo, fui ficando muito apavorado ao saber que as pessoas poderiam saber da minha vida apenas por ler algum poema autobiográfico meu. Quando publiquei meu primeiro livro, chamado "As escolhas de um planeta", ela trouxe um belo lanche do McDonald’s, e comemoramos comendo felizes vendo um belo filme que acabava de ser lançado no cinema (e que eu baixei pela internet). 

 Eu tinha centenas de manuscritos jogados em minha própria biblioteca particular. Não estava me sentindo bem para publica-los, e resolvi deixá-los assim, dentro de uma caixa, papéis e mais papéis com minha letra fina, quando não datilografadas em uma velha máquina de escrever que fora presente de meu avô. 

    Agora ela estava me pedindo o divórcio. Quando nos casamos fiz o voto ocidental que é costume de se tagarelar nos umbrais das igrejas cristãs "aceito". Teria ela mentindo que aceitava? 

 Fechei a janela e tirei a aliança do dedo, onde o seu nome estava gravado em letras cursivas de uma beleza sem igual. Não sou um homem de chorar lágrimas ao vento. Como diria uma velha canção da qual sempre me emociono ao cantá-la "sou um poeta, e não aprendi a amar."

 Os cabelos ruivos dela balançando contra o vento foi a primeira coisa que me chamou a atenção. Ao vê-la, senti que meu peito iria explodir de emoção, como se o meu próprio corpo tivesse se transformado em uma bomba relógio, em uma estrela gasosa querendo se explodir. Eu não podia deixá-la escapar, porque as coisas que nos escapam muitas vezes não retornam para nós. Perguntei o seu nome, e ela sorriu um pouco tímida, meio sem graça com a situação. Minha sorte era que a minha irmã mais nova, Sayuri, estava se formando na mesma turma de advocacia que ela estava. 

 Então agora ela estava me pedindo o divórcio. 

Se o Godzilla dos meus pesadelos chegasse de um meteoro do céu e começasse a destruir a cidade iluminada que eu posso ver da janela do meu apartamento, não me deixaria tão sem rumo como estou agora. 

O nosso relacionamento realmente não dá mais certo. Ela pode ter o seu divórcio tranquilamente. Isso é que uma pessoa decente deve fazer. E eu sou obediente a decência. 

 Acendi um cigarro e traguei-o de má vontade. Liguei a televisão, e por pura coincidência, o filme que tínhamos assistido na comemoração da minha primeira publicação, estava passando na televisão.   Fiquei irritado com o cigarro, com o gato e com o filme. 
Nenhum deles poderia ser culpado com o fim de nosso relacionamento. Ela quer ir, e então que vá. Eu não posso prende-la. 

Sentei na minha mesa de trabalho, peguei a caneta de tinta azul e um pedaço de papel, e anotei com uma lágrima escorrendo pelo rosto:

"Acabou-se, sem ser fim,
 Nosso amor de poucas silabas
Finalmente chegou ao fim..."

Nos divorciamos em outubro. Depois de assinar os papéis subi até o céu para ver se o Godzilla teria algum café para mim tomar.
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário