Foi aqui
a primeira vez que eu
(faz quanto tempo mesmo?)
te beijei.
Sua boca de mel tocou os meus lábios,
e a esperança ardeu como o muro das lamentações em meu
coração de vidro. Ali entendi o significado das explicações,
ali mesmo eu vi os seus olhos enegrecidos me iluminando.
A noite não havia consumido o meu coração nem o teu,
e sua boca ardia de amor na minha boca de judeu.
E quanto mais nos distanciávamos um do outro
o amor ia nos aproximando, decifrando os mapas,
os relógios, os espelhos, os muros, as cercas,
os livros misteriosos, os labirintos esquecidos,
as mitologias, os sonhos, os candelabros, os contos.
De repente
escrevi o seu nome.
Nome tão lindo, tão pequeno,
nome de mariposa,
nome de borboleta,
nome de pardalzinha,
nome de luneta.
Esqueci-o
carregando-o por todos os lados.
Já não existia hora, nem comércio, nem casa, nem trabalho.
Sua boca era o meu presente, o meu passado, meu instante
jorrando, ardendo, queimando, esfriando o meu ser tão sofrido.
Entraste pela porta
e disseste para os meus olhos:
pousa na janela do meu amor tuas mãos feridas de brilhantina.
E queimaram a minha pele com fumaça,
e cortaram os meus pés com distancias,
e machucaram a minha mão com cobranças,
e deram-me nomes ridículos, sofridos.
Por ti tudo suportei.
Meu Deus, tu o sabes,
que como Jacó amou Rachel
eu também a amei.
E ela não me quis.
Por que? Porque as coisas não existem.
As coisas são por si mesmas
como o campo, como o frio,
como o vulcão que destrói
e queima a corrupção.
E ela não me quis.
Não, não.
Ela não me quis.
Suportei todos os mistérios, fui esburacando a lua,
sofrendo o sol, queimando minha pele de camelo,
fazendo o meu comércio, vendendo minhas pinturas,
vendendo o meu sentimento, olhando do outro lado da ponte
o rio de águas cristalinas que era Cristo dentro do meu peito
incendiado de vontades, desejos, coisas, ilusões, sagrados.
Por fim ela me avistou do outro lado do muro,
já não era dia nem noite, já não era tarde nem manhã,
a porcelana estava queimada, o vazio existente não abria
sua porta, os autores estavam mortos, os vidros espatifados,
as árvores cortadas estavam queimadas,
as máquinas eram as coisas que existiam
dentro das minhas lágrimas de caracol.
E um enorme pé esmagou minha pequena casca.
O café esfriou, a chuva se calou, o dia tornou a ser o que não era.
Por que? Porque as coisas não existem.
As coisas apenas são o que são. Isso. Ilusão.
Então eu me lembrei que eu tinha coisas boas
para recordar sentado na pequena escada da minha humilde casa:
os versos de walt whitman e de pablo neruda,
a doce melodia de ariano suassuna, as orações hebraicas,
a voz da minha queria avó, o som da música da chuva.
Eu me lembrei da voz dela, a voz, aquela voz do amor
e me enchi de pensamentos, compartilhei coisas, mistérios.
Era e não era a lembrança das coisas que não são.
Era lorca, tolkien, era cecília meirelles, era bíblia,
era amigos e inimigos, era estrelas, mares, poentes.
Embalsamado de amor coloquei a minha voz
a recitar escuridão.
Querem o meu dinheiro.
Mas ainda sou pobre, pobre.
Não tenho marfim, nem prata, nem ouro.
Por que querem que um poeta pague pelo
seu prato de arroz e de feijão?
Amor, ai amor, tudo isso é essa dor.
Mais você canta, e é preciso cantar,
porque preciso escutar sua voz.
Não sei escrever detalhes, nem inventar mundos,
não sei caminhar com roupas, nem com cores,
não sei decifrar olhos, não sei amar e nem sei ser amado.
Por isso só você pôde ser o meu amor eterno.
Por isso estou preso. Por isso estou acordado.
E
foi aqui
a primeira vez que eu
(faz quanto tempo mesmo?)
te beijei.
Nenhum comentário:
Postar um comentário