domingo, 23 de julho de 2017

E.A.



Estou aqui.
Que horas são? São as mesmas.
Mas não quero olhar o relógio.
Estou sem inspiração,
escrevo tudo, escrevo as mesmas
coisas que escrevi ontem,
as mesmas besteiras,
as mesmas canções.
Estou aqui.
Aqui, fazendo o que?
Exatamente as horas tais
estou aqui, sem saber o que fazer.
Sou escravo de uma firma,
sou escravo de um corpo.
Por que? Porque a vida
nos quis escravos de tudo.
De tudo: escravos do amor e da morte.
Que horas são?
Que me importa saber as horas?
Não sei escrever.
Estou cansado.
Estou sem inspiração.
Estou calado.
Só não estou morto
porque ainda vejo, falo, respiro,
sinto.
Viver é sentir?
Sei lá o que é viver,
sei lá o que é sentir.
Estou aqui.
Pareço uma árvore,
mais não estou plantado.
Estou trabalhando para
receber o papel que o governo
imprime em suas máquinas de estado.
Enquanto passo fome,
passo sede, passo gritos,
e... e que importa? Tenho
que passar por isso e por tantos.
E todos me são iguais.
Todos reclamam enquanto fico
em silêncio, enquanto penso,
enquanto escrevo.
E eles se irritam porque não
trabalho.
Não, não sei porque não nasci
com alma e espírito de escravo.
Mas sou escravo.
E estou aqui.
Por que? Porque as horas
dizem que estou aqui.
E minha cabeça não
soluciona o estar ou não estar
aqui.
Aqui aonde? Aqui?
Não sei se sou isso que escreve,
se sou isso que canta.
Meu Deus, que tédio, 
que tristeza, que lugar desgraçado.
Vão para o inferno todos?
Eu irei junto? Não é melhor
me deixar em qualquer lugar
onde exista o amor, a paz,
a esperança e a felicidade?
Essas coisas que não existem.
Coisas imbecis, passatempos do ócio,
invenção das religiões, tédio das massas.
Trabalhar, trabalhar, trabalhar.
É isso a vida? Estudar, estudar, estudar.
É isso a matéria?
Que há mais para saber e não saber.
Me deixem em paz.
Quero ser sem ser.
Não falem comigo,
me deixem aqui, me perdoem,
me digam: que faço aqui?
Não faço nada porque não estou aqui.
E passarão todos. E esse é o final.
De resto a explicação ficou no verso:
Estou aqui.

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