segunda-feira, 31 de julho de 2017

Que outra coisa



Que outra coisa para cantar

a não ser o amor dentro do amor?

Estranho



Que mundo triste,
chora a rosa
solitária
no jardim.
Que mundo...
estranho.
Passa uma abelha
sem conhecer
os meus problemas.
Mas ela faz o mel
mais gostoso do mundo.
Eu o roubo para vendê-lo.
Justificação: preciso sobreviver
com um pedaço de papel emitido pelo governo.
Que mundo triste e estranho,
chora a rosa
solitária
no jardim.

domingo, 30 de julho de 2017

Canção de amor sem chorar



Enquanto ela passeia
com olhos e mãos azuis
pequena, pequena
ela chora vinho e dor.

Ai, meu amor, 
ai, meu amor.

Quando a lua aparecer
vou contar os beijos dela
vou contar os beijos dela
quando a lua aparecer

Ai, meu amor,
ai, meu amor.

sábado, 29 de julho de 2017

Paráfrase



                                                               para tolstoi 

Escrever frases é muito fácil,
   difícil mesmo
 é amar e perdoar seus inimigos.

Vinho & Pedra





Vinho
Teu rosto sereno de neve coalhada,
chorando no campo rosas quebradas.

Pedra
Tuas manchas pequenas de ventos sombrios,
chorando suas lágrimas no mar sem rumo.

Vinho
Tuas mãos tão pequenas, apalpando a colina,
chorando poemas nas grandes esquinas.

Pedra
QUEM BATEU NAQUELA PORTA
QUANDO O MEIO-DIA ENTRAVA?

Vinho
Sereno, resto de miragens...

Pedra
Que me dizes se eu te disser que te amo?

Vinho
Digo que não te amo.
Que nunca te amarei.

Pedra
Que me dizes se eu te disser que te amo?

Vinho
Acredito em tudo, menos na mentira.

Pedra
Que me dizes?

Vinho
Chorando no campo suas folhas mortas.

Pedra
Tenebrosa lembrança.
Restou o nada.

Vinho
Teu rosto sereno de neve coalhada,
chorando no campo rosas quebradas.

sexta-feira, 28 de julho de 2017

Noturna melodia


Perdi as horas,
que sangraram
pequenas rosas
no jardim da imaginação.
Um pássaro
repousa na janela
seus olhos de espelhos,
enquanto minhas mãos
se cortam para ver
o que há no arco-íris
dos desejos.
Perdi as horas.
Já não sei se
sou sonho ou fantasma,
lesma ou palavras.
Sou tão humano
mesmo rodeado de
tanta dor e sofrimento?
Por causa disso
a lua embalsama
meu quarto com
cristais enferrujados.
Passeando pelo céu
posso contar estrelas.
Mais se alguém as vênde-las
já não sei se estarei disposto
a comprá-las por tantas
lágrimas de cereja.

logo


Mágoa


Onde dorme minha lenta dor
que já não choro? No rio profundo
que não desvendou-me; o que percorro 
se não as horas restadas do tempo?

As lagrimais cachoeiras soam
forte, como sinos desesperados.
Dentro da nuvem a água embaçada
põe-se a correr como as fontes.

E o amor é a ferida da flechada
quando o coração não quer dormir,
pulsando na noite dentro da madrugada?

Essas questões esquecidas
registradas no palpite de uma canção.
Por mim foi sentida, ou fui tudo ilusão?

Cai a noite


Cai a noite cinzenta
bem no fundo do meu
coração sem cor.
As estrelas dançam
suas valsas de saudades,
profundas e misteriosas.
A noite que cai
não tem nome,
nem angústia.
A cor negra se
mistura ao cinzento
da tempestade
que sobe de
tanta dor e calor.
A noite cai:
lenta e incompleta,
bem fundo
no meu amor.

quinta-feira, 27 de julho de 2017

Galhos secos


Galhos secos no chão
e em cima do coração.
Um pequeno luar feito
de nada, de mistérios.
A vida se vai e se renova,
se quebra e chora.
Galhos secos no chão
e em cima do coração.

quarta-feira, 26 de julho de 2017

Vento

Vento no olival,
no olival da minha alma.
Vento no olival,
triste e amargo
em meus olhos albinos.
Vento no olival,
de lágrimas cinzentas
e espadas cinzas.

Chuva


Colheita do tempo e do vento,
do trigo sem mel, das rochas,
colheita das nuvens, das vozes,
pingos, gotas, odes, a chuva cai
com tremendo estampido em meu
coração sem massas, sem uvas,
enquanto o sol queima os meus
olhos com pequenos gafanhotos
e pequenos grilos sorridentes que
imóveis caminham pelo arco-íris.
Não é o fim do mundo nem o começo.
Deus espera no céu as lágrimas da chuva.
Eu contemplo os pequenos mamíferos.
Colheita triste de vento e tempo.

Coração cigano

Coração cigano
embalado em
lágrimas e rios,
sombrio e claro,
duvidoso e material.
Coração cigano
embalado em canções,
sonolento como a
nuvem da tarde,
agreste como o
tronco que restou
da árvore.
Coração cigano
de duvidas e limonadas,
de luas e pratas,
de imensos vales.
Coração cigano
interpretando mãos
silêncios barulhos
cachoeiras cabelos.
Nos olhos do coração
uma moeda dança
uma pequena valsa
e dois namorados se
casam em cima das
estrelas, mortos.
Coração cigano
cheio de adivinhas
submerso de terras
de mares de areias.
Quem não viu o
coração cigano
com asas e com tendas?

Comparação


As portas são cinzas,
são cinzas,
as portas.
Os rios são claros,
claros como o luar.
Seus olhos são negros,
são negros
seus olhos.
Os rios são claros,
claros como o luar.
O dia é amarelo,
amarelo
como a espiga.
A espiga do sol
queimou o luar.
As portas são cinzas,
são cinzas,
as portas.
Os rios são claros,
claros como o luar.

Percurso qualquer



Um rio largo percorre
o coração de asfalto
imóvel, de estrelas
embalsamadas do céu.

Pintadas de cobre,
algumas gaivotas enormes
dançam bêbadas de
tanto mar agreste de luz.

O por-do-sol 
sem auroras chorosas
canta lágrimas imóveis,
papeis e marfins.

O rio percorre sua
canção lenta e plumosa.
Sua fábula é repetir-se.

Seu fim é tornar-se salgado
de praias e de mares.

Canção do amor duvidoso


Tu me amas como vidro,
me amas, amas, como a areia.
Tu me amas repartido a vinho,
tu me amas, amas, amas como o vento.
Tu amas ele, tu me amas, tu nos amas
como a sombra que estampa
a noite, e não amas a ninguém,
e sentes que amas a solidão.
Tu amas e amas o coração alheio,
amas as nádegas femininas,
amas os espelhos, mais não
amas a nada, amas a tudo.
Amas e não amas o coração
dilacerado e molhado pela chuva.
Nem o ar, nem a canção, nem
a mão inconsútil estendida.
Tu me amas como vidro...

Balsa amorosa


Há um rio noturno
bem fundo
nos beijos do
orvalho.
As águas são
lentas dentro
dos seios de
limão.
O ar da noite
absorve sua paixão.
Na praça o outono
descansa nos olhos
do carvalho.
O amor passou.
E chorou o barqueiro
apaixonado.

Onde


Que estás
fazendo aí,
parada?
sozinha?
Vendo as
estrelas?
Pensando
na vida?

terça-feira, 25 de julho de 2017

Ensinamento do deserto



Rios de pedras,
amores em caracóis,
um sol outonal,
a mensagem da
miragem desértica.

Todos os símbolos
no algorismo do labirinto,
a fria mensagem da
neve, a imóvel 
ilusão indefinida.

Na mesa, na garrafa,
o sol, a lua, a noite
no quadro, a pintura
sem tinta,

as estrelas a mensagem
a pureza a escuridão
as coisas a luneta:
só e nada mais.

Arpão.

segunda-feira, 24 de julho de 2017

Valsa da mariposa negra

A mariposa, a mariposinha negra,
a pequena mariposa negra
no jardim sem cabeleira,
chorando ondas em perfumes,
beijando o orvalho das flores.
A mariposa, a mariposinha negra,
olhando a negra enquanto
todos dormem o sono da sonolencia,
a mariposinha, a pequeníssima mariposa,
brilhando como o punhal dos seus olhos.
A mariposa, a bela mariposa,
negra com as asas rosa em forma
de carta, xadrez enigmático, casa.
A mariposa, a mariposinha negra,
encaracolada como a lua sem pregos,
escura como a noite suave,
preta como o ébano africano.
A mariposinha pousando
no meu coração sem bom-dias.
A pequena, a negrinha mariposa,
no meio da cortina, beijando o
gato que morde as cortinas.

domingo, 23 de julho de 2017

livre arbítrio


rosto imóvel


Canção de desespero



(marfim de prata)

A lua não apareceu
porque não tinha dinheiro no céu.

Os anjos choravam de
alegria, enquanto o mar
cantava suas cantigas de ninar.

Por que choras, pequena gaivota?
Choras de saudade do mar?

O vento que balança o barco
meu rosto insiste em cortar.

Os mercados tem ações
que insistem em se quebrar.

Meu coração murmurações
que insistem em saltar.

A gaivota de asas lentas
vive se gabando de ouro.

Meu chapéu tem um furo,
mas minha alma é cigana.

Escuro, escuro é o muro,
o céu é escuro, é azul o muro.

A lua não apareceu
porque não tinha dinheiro no céu.

Valioso



Meu coração tem marfim
e pedras preciosas pequenas.

Meu coração é sereno
como uma nuvem sem água.

Ai, amada, meu coração
é de ouro, é de prata!

Perplexidade



Não querem que eu seja feliz
não, não querem.
Mas o vento tem
plumas que me
agridem o rosto.
Não, não querem.

Em silêncio me ferem
com facas invisíveis.
Não, não querem.
Não querem que eu seja feliz.
Então a vida me fere.

A vida me fere
com gotas de morte.
Eu tenho paz, eu tenho sorte.
Não, não querem.

Enquanto caminho
para trabalhar no vento,
minhas mãos se congelam
de tédio, sem dinheiro.

Não, não querem.
No muro o meu nome
é um apito, um bule,
no mar meu espírito
naufragou de amor.

Não querem que eu seja feliz.
Não, não querem.
Por isso deixo todos perplexos,
todos desesperados,
todos amargos, porque 
as palavras são vãs,
e a vida é vã, e a morte
é vã, e as coisas vãs
são todas poéticas.

Não, não querem.
Por isso sou feliz
com a bolinha de papel,
com a caneta azulada,
com o destino das estrelas.

Sim, sim: me querem!

Canção da bichinha




Ai, a bichinha sim,
ai, a bichinha não.

Ai, a bichinha ali,
ai, a bichinha lá.

Barbas de pratas
chorando no ar.

Violinos quebrados
na maldade do mar.

Ai, a bichinha sorri
com sete laços de barretes.

Ai, a bichinha sim,
ai, a bichinha não.

Dizem que vivem em
água doce, em água morna.

Barbas de pratas
chorando no ar.

Violinos quebrados
na maldade do mar.

Escrever



Escrever é vento,
leve tormento de quem
não sabe o que descreve.
Sabedoria.

E.A.



Estou aqui.
Que horas são? São as mesmas.
Mas não quero olhar o relógio.
Estou sem inspiração,
escrevo tudo, escrevo as mesmas
coisas que escrevi ontem,
as mesmas besteiras,
as mesmas canções.
Estou aqui.
Aqui, fazendo o que?
Exatamente as horas tais
estou aqui, sem saber o que fazer.
Sou escravo de uma firma,
sou escravo de um corpo.
Por que? Porque a vida
nos quis escravos de tudo.
De tudo: escravos do amor e da morte.
Que horas são?
Que me importa saber as horas?
Não sei escrever.
Estou cansado.
Estou sem inspiração.
Estou calado.
Só não estou morto
porque ainda vejo, falo, respiro,
sinto.
Viver é sentir?
Sei lá o que é viver,
sei lá o que é sentir.
Estou aqui.
Pareço uma árvore,
mais não estou plantado.
Estou trabalhando para
receber o papel que o governo
imprime em suas máquinas de estado.
Enquanto passo fome,
passo sede, passo gritos,
e... e que importa? Tenho
que passar por isso e por tantos.
E todos me são iguais.
Todos reclamam enquanto fico
em silêncio, enquanto penso,
enquanto escrevo.
E eles se irritam porque não
trabalho.
Não, não sei porque não nasci
com alma e espírito de escravo.
Mas sou escravo.
E estou aqui.
Por que? Porque as horas
dizem que estou aqui.
E minha cabeça não
soluciona o estar ou não estar
aqui.
Aqui aonde? Aqui?
Não sei se sou isso que escreve,
se sou isso que canta.
Meu Deus, que tédio, 
que tristeza, que lugar desgraçado.
Vão para o inferno todos?
Eu irei junto? Não é melhor
me deixar em qualquer lugar
onde exista o amor, a paz,
a esperança e a felicidade?
Essas coisas que não existem.
Coisas imbecis, passatempos do ócio,
invenção das religiões, tédio das massas.
Trabalhar, trabalhar, trabalhar.
É isso a vida? Estudar, estudar, estudar.
É isso a matéria?
Que há mais para saber e não saber.
Me deixem em paz.
Quero ser sem ser.
Não falem comigo,
me deixem aqui, me perdoem,
me digam: que faço aqui?
Não faço nada porque não estou aqui.
E passarão todos. E esse é o final.
De resto a explicação ficou no verso:
Estou aqui.

Poema da morte



A morte beijou
a lua

com beijos serenos
de prata.

A vidraça quebrou-se.

A lua nua
sorriu :

prata e alva.

Peso existencial



Há um peso em existir muito grande.
Há um peso...
Há um peso em existir muito grande..

Canção da musa escura





Da África veio os seus ancestrais,
   pintando de ébano o seu corpo moreno,
 dando voltas pelo céu
com pequenas estrelas brilhando
seus olhos, dentes, cabelos,
as cores de um continente inteiro.

Amada, africana de herança,
pulsando a dor da lembrança
(a escravidão),
a gota, o sereno.
A cada lembrança uma lágrima,
por dentro pulsando a alegria.

Por isso nomeei-te musa
da escuridão, da luz profunda.
Por isso em seus lábios perfeitos,
meus beijos eram mais vivos
que as raízes profundas da
rosa.

A negra



A negra,
a negra,
escura,
escura como a lua.
Tão clara,
tão viva,
tão pura.
A negra
é o significado
do meu coração.
Machucado,
machucada.
A negra,
a negra,
a negra escura,
escura como o por-do-sol,
escura como a lua.

A voz da
negra,
voz tão pura,
me encontra
no dia,
no algodão,
no trabalho
de cada-dia.
Meu Deus,
o Senhor criou
na negra
a perfeição.

A escuridão,
a beleza certa,
de uma mulher
escura,
tão pura,
tão nua,
tão viva,
tão escura
como a sombra.

Porque se
digo que
sua cor
é a taça ébano
do meu amor,
você
ri,
sorri,
brinca,
diz que não te quero,
diz que não te amo.

Mesmo assim,
te amo e te amo,
negrinha, negrinha,
fulô do meu jardim,

fulô do meu coração,
fulô do meu amor,
fulô das mais belas:
isso sim é amor!

foto: ilustrativa


Sem importância



Se passares por um pessegueiro
Não dê importância
Siga morto seu caminho
 Como toda a humanidade faz.

Grito




Você veio da África?
Vim, vim.
Veio sorrindo?
Chorando carmim.

Você veio do sul?
Vim, vim.
Veio sorrindo?
Chorando flores.

Você veio do norte?
Vim, vim.
Veio sorrindo?
Cantando lamentos.

Saudades do vento.
Saudades..

Canção da princesa negra



com tema de jorge de lima

Não era um dia qualquer,
nem havia nuvens no mar.
A noite simbólica ardia
suas velas de ancoras,
suas guerras noturnas.
A princesa de cor de ébano,
negra como a fúria negra,
entrelaçada de marfim e ouro,
a coroa de mel e metal.
Um grito dentro da noite,
fez vendavais de lilases,
o verde das árvores gemeram
coroando de ar as espadas.

Uma voz estranha de pátrias outras
destilou o outono nas sobrancelhas.
Depois pousou mãos amargas
em todas as sílabas escritas.

Levai os cativos,
levai os escravos.
Levai para o mar,
para o navio do mercado.
Carregando na mão
o chicote e a tortura.
A praia deserta, o sol 
moreno e quente,
não viu mais os rostos
dos afundados no oceano dormente.

A princesa suplicava
com sua voz de mariposa.
Ninguém a escutava.
Só as rochas e os grilhões.

No meio do caminho
avistou o barco inglês.
Jogai para fora os negros,
porque a escravidão terminou.
Mesmo assim, a voz serena,
não escutou o espelho quebrado.
Alguns foram mortos, 
nas águas afundados.

O navio chegou a terra
sempre primeira com lemas de 
outra nação.
Subiu a princesa negra,
lavada de dor e solidão.

Seus gritos de marfim
serenos não foram escutados, não.
Sua voz doce e pura
não sensibilizou os números.

Por fim o rastro de sangue
enevoado de areia
foi ficando quente, triste,
bem no meio da estrada.
A princesa sentou-se diante
de um barbado bicho-preguiça.

O amor abusou da sua coroa
apaixonando suas redes de tetas.
No mel que escorreu do céu
apaixonou o rei da outra terra.

A dor se misturou a harpa
nos gritos dos lutadores de liberdade.
E então, segurando o livro sagrado,
fugiram com sete estrelas ao refúgio.
Nunca mais fora encontrados.

E a princesa ficou sem nome,
esquecida do outro lado.