segunda-feira, 28 de maio de 2018

O país pega fogo



...uma nação que faz crescer sua revolta até manifestá-la, é uma nação em grandes passos de progresso...
Frase atribuída a um Ministro da Idade-Média

O país pega fogo,
eis o sinal do sol em teus olhos de novo.
O país pega fogo,
isqueiros e velas acesos,
pontes cheias de lamas,
ruas com buracos e peixes
dormindo nos lençóis dos imaginários
sonhos.

O país pega fogo.
Uma vez, duas vezes ao ano.
A grande mariposa da nação
cheia de mel, cheia de fumaça
escura e branca.

O país pega fogo,
não sílabas, nem ferros,
nem poentes, nem asfalto.
Um instante e nada se tem
no super-mercado, e a desordem
anuncia a sua ordem: levantai-vos, pobres,
sacudi suas roupas sujas e queimadas,
porque a nação inteira está queimando.

O que queima, perguntam os elfos
no jardim dos meus olhos.
Queimam culpa, corrupção,
roubos, mortes.
O que queimam essas pessoas,
perguntam-me os estúpidos cupidos mortos,
queimam a arte,
queimam os livros,
queimam tudo o que é bom.

O país pega fogo,
mais o que querem reclamar
se o fogo já estava aceso
a milhões de anos?

Meu sinal de amor desperta



Meu sinal de amor desperta,
meu sinal de amor,
meu lento sinal de amor,
de sempre, contente,
o mesmo amor pálido,
o mesmo amor ausente.
Desperta, levanta e adormece
em videiras clandestinas,
em pedras sonolentas.
Meu amor, eis o sinal.
O sinal da vingança dos poetas,
agora que o mundo arde e que
o país inteiro queima, eis aqui
o sinal do meu amor: eis aqui o meu único poema. 

domingo, 27 de maio de 2018

Minhas matérias no CANAL SUBVERSA ; )





outros poemas e textos:http://www.canalsubversa.com






Cheguei


...olhe para dentro, para as suas profundezas, aprenda primeiro a se conhecer...
Sigmund Freud


Cheguei a lugar nenhum.
Lugar nenhum, lugar nenhum.
Ouvindo bossa-nova.
Lugar nenhum, nenhum.
Música de lugar nenhum.
Sendo judeu.
Lugar nenhum, lugar nenhum,
povo de lugar nenhum.
Sendo cigano.
Lugar nenhum, lugar nenhum,
cheguei a lugar nenhum,
carregando um lugar solitário
um coração de ferro e cobre
cem mil mercadorias de pano
e poemas feitos por pura sorte.
Cheguei a lugar nenhum.
Lugar nenhum, lugar algum.

sábado, 26 de maio de 2018

Dia transparente



Lento dia de névoa e fogo estendido pela janela
 carregado de nuvens, poemas, e sonhos.

Uma miragem de oceanos se revela nos olhos
como duas pinças de escorpião, um mar feito
de flores verdes e longínquas nuvens amareladas
 como as páginas dos livros que foram molhados
 pela chuva transbordante.

Dia, dia transparente de fuligem e aço,
dia onde nada acontece porque nosso pés
estão debaixo de uma ponta feita de terra,
areia, petróleo, crises mundanas, anjos.
Dia, dia transparente de fuligem e aço,
dia onde tudo acontece como uma miragem,
onde nossas mãos seguram o tronco da árvore tombada
tentando ressuscitar a noite pelos poemas, pelo ar em
que respiramos como gafanhotos em forma de mariposas.

Ai, olhos meus, olhos atravessados
de luz e trevas como duas mantas.
Olhos meus, que tanto viram e nada 
viram, porque são cegos como toupeiras,
são cegos, cegos, cegos como as estrelas.
Ai, olhos meus, olhos profundos, olhos meus.

Dia, clandestino e transparente,
surgindo pela janela o sol, ovo cru e vermelho
reflete os sete espelhos do coração.
Coração manchado de ilusões, é claro,
como tudo o que move esse planeta
o mínimo planeta dentro de outro planeta
e no fundo do fundo a vida é um sonho.
Dirão os poetas mais rebeldes que não
é um sonho de manga nem de goiaba,
sim, é apenas um pesadelo de vermes.

Dia, onde posso depositar minha gravata
em forma de palavras? meu desperdicio 
de existência? Naquele vaso de flores,
ou no meu coração de alicate?

Como és belo, dia, dia, dia,
fonte da revolta, fonte da vida.

Lento dia de névoa e fogo estendido pela janela
 carregado de nuvens, poemas, e sonhos.


sexta-feira, 25 de maio de 2018

Apócrifo de Décio Pignatari


Em tempos de crise
Poesia.
Poesia?
É. Poesia.

Letra


O país tá em crise fica sossegado
o presidente tem dinheiro pra pagar advogado.
Caminhoneiro protestando na frente da estrada enquanto o povo sentado vendo TV não faz nada.

O preço da gasolina tá um caos e agora como eu faço pra chegar no litoral.
Esse pai só vai pra frente quando mudar de Presidente mesmo assim eu sei o povo vai ficar descontente.

Policial fardado de um lado bandido do outro
Enquanto os políticos roubam do seu bolso.


Pos-mortem
Esse país só vai pra frente quando
Quando vendermos detergentes.

quarta-feira, 23 de maio de 2018

Mudanças


Mudei meu amor
 agora o coração
continua continuou.

Curiosidade


-Como seria amanhecer na China?

Radical

Sim. Mais uma vez!

Trajeto

Eu sabia. 

       Juro que sabia.

Um texto




  -Sentado. Apenas isso. E nada mais. Se eu tivesse dito para ela que eu estava fodendo com alguém, acho que talvez ela iria ficar menos chocada. Caso de livre arbítrio, é claro. E já faz treze anos de pobreza.

  Posso muito bem começar a descrever minha vida sexual só para ganhar dinheiro, dizer todos os boquetes que ganhei por ai, posso até mesmo descrever algo ficcional só para chamar a atenção, usar frases de efeitos bonitas e diretas, coisas que possam fazer os olhos se revirarem de curiosidade. Não. Essas coisas não fazem nenhum bem para um escritor.

   Quando ela me perguntou o que eu estava fazendo o meu primeiro desejo foi de dizer: estou aprendendo a usar vírgulas no meu texto. As , são as coisas mais bonitinhas que um escritor pode por em um texto. E eu sempre gostei de brincar com o texto, deixá-lo livre, expô-lo, etc... etc...

   O que está fazendo? Estou sentado. Só? Só. Por qué, queria que eu tivesse levando um boquete? Quem sabe se fosse meu. Que charada estranha. Que mundo estranho.


   Sentado, com a tinta escorrendo do pincel (não, isso não é uma metáfora, sexual, pelo amor de Deus). Que cidade ridícula, essa em que você vive.  É verdade. Só Kafka poderia entender as angustias que tenho quando caminho pela porra dessa cidade moribunda. 

    Por qué? Oras, eu já te disse, como vou voltar a dizer, estou sentado, de vez em quando me levanto, vou alongar as pernas, dou uma caminhada, dou bom-dia para os vizinhos, que de tão sem educação não respondem, respiro, fico olhando as borboletas no jardim.

  Está sentando? Que humanidade idiota. Quantos detalhes jogados para o lado.

  Vou dizer a coisa mais sensata que posso dizer: uma linda bucetinha peluda é como uma aranha caranguejeira subindo pela parede azulada. Sabe. Essas metáforas as vezes servem para descrever o que nós sentimos por dentro. 

  O que eu sinto por dentro? Não sei dizer, sinto dores terríveis. Ela brincou: são dores de parto? Não não. Não precisa usar um humor tão pesado comigo. Eu aguento piadas, sabe?

 -Pois bem. 

 -Tem mais alguma coisa pra dizer? Está frio. E o mundo gira. Que chato.

Eu tinha uma piada / quadrinho


a fúria louca


Recordação


Como um pássaro livre


sábado, 19 de maio de 2018

Não-fuga



Cada vez menos difícil 
esta 
fugir de mim mesmo!

Trajetória cigana



Como eu posso, 
eu continuo.

Alucinação da neve



Mais fique comigo...


Não fui eu quem te
esqueceu.
Eu não te
esqueci. Você me
esqueceu nesse
muro frio sem olhos.

E por isso


E por isso eu perdi
meus olhos na cinza luz do céu.

Por qué? Porqué meu coração
de navalha não te esquecia.
Como estrelas e botos nos

frascos das lembranças.

Não fui eu quem te esqueceu
horizontinha minha minha abelhinha minha navalhinha.




Ventania sem fim



A luz entra pela janela
-que estranho jogo de
vento frio e luz amarela-
enquanto os olhos se
movem para fora da
tela
a luz e o vento frio
entram pela janela.

Sonhos clandestino

Sonhos clandestino
(roteiro de curta)

i
A abertura do filme deve ser o menos trivial possível.
A câmera deve começar o movimento pegando a luz solar,
mostrando um céu azul, limpo de nuvens, até focar em dois árabes
em um caminho deserto. Eles conversam. Um está com turbantes, e segura alguns tapetes nas mãos e debaixo dos braços.

-diálogo dos árabes

Árabe  1
Então não conseguiu vender nada desta vez?

Árabe 2
Nada. Os negócios estão cada vez piores
por essa banda.

Árabe 1
Talvez devêssemos voltar pra casa.
Ou buscar outros lugares para comerciar.

Árabe 2
Acabamos de chegar.
Vamos dar um tempo.

Árabe 1
É, vamos dar um tempo.

ii
Som de música árabe-tradicional. 
Mostrando desertos,alguns camelos, discussão, 
imagens do mediterrâneo ou de algum país do Oriente Médio. 

iii
A cena foca em dois casais debaixo de uma árvore.

O nome do primeiro casal é Ana e Paulo.
O segundo é Federico e Andreia.

-diálogo do primeiro casal-
Ana está com um pequeno vestido verde.
Ela tem uma aliança de prata (foca na aliança em alguns momentos).
Paulo usa um chapéu fedora. Masca uma espécie de palha. Não usa aliança.

Paulo
Você viu aquela nuvem?

Ana
Que nuvem?

Paulo -apontando para a nuvem
Aquela ali.

Ana
Estou vendo.

Paulo
Parece um coração, não é?

Ana
É, parece.

Paulo fecha os olhos. Ana continua olhando para o céu.

Ana
E aquela ali.

Paulo
Qual?

Ana -apontando
Aquela ali cego.

Paulo
Estou vendo.

Ana
Com o que parece?

Paulo -mau-humorado
Com uma aliança.

Ana
E por qué você não está usando a sua?

A câmera foca no segundo casal.
Federico é um homem de cabelos loiros.
Andreia tem os cabelos escuros. 
Ele olha para os sapatos novos que tem.
Andreia usa um colar, e um vestido rosa.

Federico
Odeio sapatos novos.

Andreia
Você odeia tudo, Federico.

Federico
Pode ser.

Andreia
Me odeia também?

Federico
Eu nunca te odiaria.

se beijam

Andreia sorri
Sabe que eu gostei desse vestido rosa?

Federico
Um dia você disse pra mim
que detestava a cor rosa.

Andreia
E você me disse que odiava sapatos novos.

Federico
Eu continuo odiando.

Andreia
Eu não posso odiar um presente
do meu namorado.

Federico
É por isso que eu te amo, minha rosa.

Andreia
Não precisa me chamar de rosa.

Federico
Minha abelhinha?

Andreia
Disso nunca. Por favor.

Federico
Odeio sapatos novos.

iv
Barulho de trovão. Mostra uma tempestade.
Aparece um homem correndo no meio da chuva.
Ele canta "chove, chove, chove mais". 

v
Mostra uma menina olhando a lua.
Uma lágrima escorre pelo rosto dela.
Mostra uma bíblia na cabeceira de sua cama.
Ela segura um papel na mão, e um retrato.
Ela poe o retrato (um homem) e coloca o papel junto.
Começa a chorar bastante.
O vento bate na janela.
A lua amarela é coberta por alguma nuvem.
A nuvem forma um texto: sinto saudades de você.
A menina amaça o papel. 
Soluça. Levante e apaga a luz.
Tudo fica escuro no quarto.
Ela fala, sussurrando lentamente: eu te amo.

vi
Foca um pintor sentado no meio da rua. Suas pinturas estão em um tapete. 
Ele esfrega a mão, radiante, quando se aproxima um homem de aparencia
tosca e burguesa (no estilo mais tosco que possa parecer, terno e grava)

diálogo do artista com o colecionar de artes

colecionador
Quero comprar esse quadro.

artista
Não está a venda.

colecionador
Como não está a venda?
Você está mostrando seus quadros pra vender não é?

artista
Não. Estou expondo para esses pobres de espirito
toda a minha vida.

colecionador
Quero comprá-la.

artista
Não está a venda.

colecionador
Você está morrendo de fome.
Precisa do meu dinheiro.

artista
Outros muitos morreram de fome.
E de sede, e de dores.
Já disse, não está a venda.

colecionador
Quero comprar sua arte.
Compro todas, se prostado
me adorares.

o artista se figura em um 
homem com vestes brancas.
com a mão enriste grita:
Ao Senhor, teu Deus adorarás, e só a ele servirás. 

o colecionador vira um monstro e desaparece em uma nuvem de fumaça
o artista sentado olha uma criança com uma moeda de prata.
a criança estende a moeda e aponta para uma pintura de uma flor.

criança
Quero essa.

artista
Pode levar. Está na promoção.

A criança coloca a moeda na mão do artista. O artista sorrindo.

artista
Obrigado Jesus.

vii
Mostra o sol se pondo. Uma menina corre atrás de um menino.
Eles estão brincando. Enquanto o sol vai se pondo, eles vão crescendo.
Mostrando eles como adolescentes, ele grita "eu te amo" e ela responde
gritando "eu também te amo". O por-do-sol continua, mostra eles se beijando.
Mostra eles se casando diante do por-do-sol. 
Mostra eles brincando com seus filhos no por-do-sol (o foco sempre é o por-do-sol).
Mostra eles envelhecendo.
Mostra duas tumbas diante da luz morna que vai se findando.
Só quando o sol se esconde e a noite chega, estrelada e com uma lua suave e branca
mostra os dois túmulos completos. Em palavras brilhantes completando os dois aparece
escrito: Eis aqui o amor.
Assim: 


viii
Barulho de vento. Uma avó faz chá e  a chaleira chia. 
A neta da avó desenha um desenho.
As duas começam a chorar juntas. A avó limpa as lágrimas
no avental. Ela abre um almanaque  onde se lê "hoje, chuva".
Começa a chover lá fora. Ela estende o almanaque.
A menina (lágrimas brilhando) lê: Eu sei o que sei.

ix
Os dois árabes do começo aparecem sentados
O do turbante boceja. Aparece um casal. Eles perguntam:
Quanto está esse tapete? 
Mostra a transição. A moça paga o árabe sem turbante.

Árabe 1
Bom, agora as coisas vão.

Árabe 2
É, agora vão.

música armorial lenta e triste
aparece um fim bem grande.

dedicado a minha família 

depois dessa frase outro fim menor



créditos.