sábado, 30 de setembro de 2017

A benção de Jacó

A benção de Jacó

(diálogo imaginário)

- Jacó, venha aqui!

-Eis-me aqui, meu pai.

-Forre minha cama. Forre bem forrada,
do jeito que sua mãe faz. Você é tenro e lírico.

-Sim meu pai. Assim forrarei sua cama,
do jeito que minha mãe faz.

-Jacó!

-Eis-me aqui, meu pai!

-Forraste minha cama do jeito que eu lhe pedi?

-Sim, meu pai.

-Obrigado meu filho. Você é tenro e lírico. Por isso
eu te pedi que fizesse isso para mim. Agora me faça
um favor, chamai Esaú, e descansai. 

-Esaú, nosso pai te chama.

-Irei eu ir ter com meu pai. 
Falarei com ele. Sai, sai!

-Esaú, meu filho, venha aqui!

-Eis-me aqui, meu pai!

-Estou velho e lento, meu filho,
velho e lento como a maré silvestre.

-Não meu pai, estás formoso como
a videira frondosa do Eterno.

-Não meu filho, não me maltratais.

-Perdão meu pai.

-Perdão meu filho. Ouvi o que te digo.

-Dizei meu pai, e eu escutarei.

- Estou velho e farto, por Deus abençoado.

-Que assim seja sempre, meu pai.

-Mais eu não sei o dia da minha morte.

-Longe ela esteja de todos nós, meu pai.

-Ouve-me filho meu.

-Falai, meu pai!

-Toma as tuas armas de feridas,
 a tua aljava e o teu arco de cor rubra.

-Sim, meu pai, assim farei eu.

- Sai pelo campo orvalhado de luz.
Apanha para mim alguma caça. Faça um guisado saboroso.

-Sim meu pai, assim eu ouço.

-Minha alma irá te abençoar depois do contentamento.
E então poderei morrer com minha benção em tua cabeça vermelha.


-Jacó, venha aqui!

-Eis-me aqui, minha mamãe amada.

-Ouve bem a tua mãe, meu filho?

-Escuto tua voz até com o vento soprando, minha mãe.

-Escuta, pois o Senhor comigo falou,
que o menor seria abençoado, e o maior o servidor.

-Minha mãe, que o frio da prata seja lento.
E que o amor entre os irmãos seja sem dor.

-Meu filho, ouves o que tua mãe fala?

-Minha mãe, escuto a tua voz até com a fúria do vulcão.

-Teu pai disse a teu irmão que iria abençoa-lo antes de morrer,
pois já está velho e muito farto, abençoar teu irmão ele vai.

-Minha mãe, eu te ouço. Que o Eterno determine tudo.

-Meu filho, escuta a minha voz?

-Sim, mamãe, até no verde deserto e na areia do poço.

-Pegue dois cabritos do rebanho,
aqueles mais frondosos.

-Minha mamãe, assim eu farei.

-Eu te farei um guisado saboroso.

-Minha mãe, não tenho fome.

-Irás dá-lo ao seu pai. Daí ele irá te abençoar.

-Esaú, minha mamãe, tem pelos de leões,
e eu sou liso como as rochas do mar.

-Meu filho, escuta a minha voz?

-Escuto, minha mãe, até no fundo do mar.

-Pois teu pai não irá te apanhar.

-Mamãe, posso lhe falar?

-Meu filho, falai, que eu ei de escutar.

-E se eu apanhado for? Mamãe, ai que dor,
no coração eu iria levar uma maldição.

-Sobre mim seja a maldição tua se fores
apanhado, meu filho, meu Jacózinho de lírios.

-Mamãe, que benção eu ei de tomar?
Esaú é peludo como os leões, e eu sou liso como as rochas do mar.

-Meu filho, escuta a minha voz?

-Mamãe, até no barulho eu a ei de escutar.

-Põe a pele dos cabritos nas mãos, toma as vestes do teu irmão.

-Mamãe, assim quero eu te alegrar.

-Meu filho, leve o guisado e o pão, para o teu pai te abençoar.


-Meu pai, meu pai, meu cego pai,
de rios, de ventos, de lestes e oestes.

-Quem és tu, meu filho?

-Eu sou o teu primogênito. Cabeludo como os leões.
Ruivo como a fogueira. Forte como os cabritos.

-Quem és tu, meu filho?

-Sou Esaú, filho de Isaque, neto de Abraão, irmão de Jacó,
filho de Rebeca, casado com duas mulheres belas. Uma é filha da abominação.

-Quem és tu, meu filho?

-Sou Esáu, teu filho preferido. O caçador de arcos,
o derrubador de touros, o montador da morte, o amigo dos abrigos.

-Quem és tu, meu filho?

-Sou Esaú. Esaú, seu filho.

-Venha até mim, meu filho de tantos títulos.
Deixa-me apalpa-lo, pois estou cego de olhos e ouvidos.

-Quem és tu, meu filho?

-Sou Esaú, teu favorito.

-A voz é tenra e lírica, como a voz de Jacó,
mas as mãos são fortes e peludos, como as de Esaú.

-Assim eu o disse.

-Quem és tu, meu filho?

-Esaú, o teu preferido.

-Abençoo-te meu filho.

-Aceito a benção meu pai.

-És mesmo Esaú? És mesmo o verão,
o fogo? Ou és o suplantador de lírios?

-Sou eu mesmo, meu pai. O fogo nos lírios.

-Dai-me de tua caça, meu filho, dai-me
dos lírios em fogo dos cabritos. Traz também a sobremesa e o vinho.

-Meu pai, beba até a tua alma ficar lenta.

-Meu filho, não me digas isso.

-Coma meu pai, a noite tem sucos e lírios.

-Meu filho, dai-me um beijo na nuca. 
E eu te abençoarei,por Deus, nosso Rei!

-Meu pai, eu aceito tua benção.

-Eis que o cheiro do meu filho é como o cheiro do campo, 
que o Senhor nos deus e abençoou.

-Que o Senhor te dê, que Deus que fez o orvalho dos céus,
 te dê das gorduras da terra, das abundâncias dos trigos e dos mostos.

-Meu pai, eu aceito tuas benção das mãos do Eterno.

-Deixa-me falar meu filho e eu falarei minha benção: Sirvam-te povos, e nações se encurvem a ti; sê o senhor de teus irmãos, e os filhos da tua mãe se encurvem a ti; malditos sejam os que te amaldiçoarem, e benditos sejam os que te abençoarem. Escuta-me meu filho.

-Eu aceito tuas bençãos, meu pai.

-Dai-me um beijo, meu filho, e saí abençoado.

-Eis-me aqui, meu pai.

-Quem és?

-Esaú, teu filho, trouxe-te a caça que pedistes.

-Se és Esaú, quem foi que abençoei? Comi de tudo, antes que tu viesses, e abençoei-o, e ele será bendito.

-Jacó? Terá sido? Não é o seu nome um suplanto de mel e trigo? Roubou-me a primogenitura com castigo, e agora minha benção de trigos.

-Deveras foi, meu filho.

-Meu pai, abençoa-me a mim também: tens apenas uma benção? 
Chorarei tão alto que me arrependi de fogos e de lírios.

-A benção será a que eu te disser. Ouve meu filho:  Eis que a tua habitação será nas durezas da terra e no orvalho do céu.

-Meu pai, eu escuto.

-Pela tua espada viverás, e ao teu irmão servirás. 
Porém,  quando te livrares,  sacudirás o seu jugo do teu pescoço.

-Seja assim meu pai, a tua voz ouço.
Chegar-se-ão os dias de luto de meu pai; e irei ferir Jacó pela minha benção.

-Jacó, venha aqui!

-Eis-me aqui, minha mamãe.

-Escutas a minha voz?

-Eu a ouço das montanhas, minha mamãe.

-Teu irmão busca te ferir, parti para Labão, meu irmão.
Parte e mora com ele até que o furor de teu irmão cesse.

-Se assim queres, minha mãe.

-Estou enfadada Isaque das filhas da terra. Mandai Jacó a meu irmão buscar mulher que não me fira a alma com descontentamentos.

-Por Deus te ouvirei, amada minha.

-Jacó, venha aqui.

-Eis-me aqui, meu pai.

-Parte para Labão, irmão de tua mãe. 
E não voltai até estar casado com mulheres que não sejam de Canão.

-Assim te escuto, meu pai.

-Vai a Padã-Arã, à casa de Betuel, pai de tua mãe, e toma de lá uma mulher das filhas de Labão, irmão de tua mãe.

-Assim te escuto, meu pai.
-E que Deus Todo-Poderoso te abençoe, e te faça frutificar, e te multiplique, para que sejas uma multidão de povos.

-Assim te ouço, meu pai.

-E te dê a bênção de Abraão, a ti e à tua descendência contigo, para que em herança possuas a terra de tuas peregrinações, que Deus deu a Abraão.

-Assim te ouço meu pai.

-Esse é o meu adeus, filho meu.


-Esse é o meu adeus, meu pai!

foto: ilustrativa

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