Inspirado

Quando desci pela primeira
vez em São Paulo,
com o meu boné na cabeça
e segurando um monte de
papéis velhos escritos a mão,
ouvi uma voz santa me dizendo:
chegaste até aqui poeta inspirado?

Não, não sou poeta, não acredito
em inspiração, mas em trabalho.
Tudo é um conjunto que a vida
tenta nos forçar.

Não posso ser livreiro, nem quitandeiro,
nem posso ser cão, cavalo, bode,
não posso ser cerca, não posso ser poste.
Me amaldiçoaram com o dom da poesia,
sem inspiração, sem dizer: bom-dia, poeta,

começai a escrever seus versos com
o teu sangue, sim, porque é o teu
sangue que irá pagar a entrada
que terás no reino dos Céus.

Mas eu como judeu decidido,
nariz adunco e flechado para o sul
e olhos turvos de cega bondade,
me fiz um comprometimento,

sempre que estiver inspirado
irei anotar tudo o que a inspiração
ditar, e irei queimar no quintal,
e deixarei que o sol veja o
espetáculo para se inspirar também

e depois, inchar como
um doente mórbido
e engolir a terra, e as fumaças
do universo irão dialogar:

é, realmente ele não era um poeta inspirado!