quarta-feira, 31 de agosto de 2016

manuscrito / manuscript

manuscrito / manuscript
 

Na mesa e sobre a mesa lotada de nada,
a incrustação das cores verdes e pérola
revelam a matéria da superfície usada
para a marmoraria dar-nos uma coisa tão bela.

Em cima podemos reparar que o objecto
é sólido, perfeito para qualquer artesão de poesia.
É possível descrever mundos inteiros
sentado nessa mesa.

Isso porque ela nos direciona ao
leste e ao oeste, quando nos viramos da cadeira.
Em leste, podemos contemplar um morro
suave e marrom com uma casa azulada bem em cima.

Ao oeste, por pura sorte e coincidência, 
temos a vista mais linda que podemos imaginar:
um campo enorme e verde que mais parece
um sonho, imensidões de árvores chocalhando ao vento.

Mais voltamos ao trabalho mais rápido do que
possamos dizer ao relógio em cima das igrejas.
Aqui, temos tempo para ler e desfrutar um
pouco do frio e da memória baça que carregamos.

Agora começa o trabalho: recitamos em primeiro
lugar tudo o que nos aconteceu na viagem.
A primeira folha recebe o jato preto ou azulado
da tinta da caneta, formando letras latinas

que só mais de dois mil anos poderão ser entendidas
por algum anglo-saxão curioso por terras tropicais.
O conjunto aparece em cada linha, trazendo à lume
versos pequenos e quebrados, cheios de imperfeições.

Tudo está dito no manuscrito em cima da mesa:
o peixe morto que brincava com o rio, a roda-d'-água
que talvez tenha tombado de tanta ferrugem e de tanta água.
O dia em que o primeiro vídeo-game chegou nas mãos e nos olhos

(olhos esses, que o luar jurou ser cheio de lágrimas).
O caderno é rasgado e torna a ser mexido por mãos
imprecisas e tolas, que rasgam e dilaceram a voz
do (coitado!) poeta desempregado que sonha

em conhecer ilhas imensas e belas na ásia.
Alguns pernilongos, algumas aves, também
apreciam fazer companhia ao poeta.
Nem sempre são bem-vindos por causa do aproveitamento mundano.

Em cima do branco, do branco puro e vivo,
uma pequena casa torna-se desenhada e
uma avalanche de tempestade assume formas
delicadas e vivas no poema e no desenho.

A noite, quem sabe, serão os grilos 
e as estrelas distanciadas por léguas
que irão consultar a voz que se prendeu no manuscrito.
Até lá, o frio e o calor beijarão a mesa sem consequência.

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