quarta-feira, 13 de agosto de 2025

ELOGIO A EPSTEIN


I

No pátio vazio, uma sombra de pedra

respira o frio das manhãs londrinas.

O mármore não dorme —

ele sonha de olhos abertos,

sonha com o peso das mãos que o moldaram

como quem segura uma ave

e ao mesmo tempo um corpo morto.

Vejo, entre o pó e o silêncio,

a Mulher no Cavalo,

o São Miguel inclinado sobre o dragão,

o anjo que não anuncia, apenas observa.

Epstein, teu cinzel é prece e punhal.


II

No eco de uma cidade feita de neblina,

as tuas figuras se levantam como sentinelas

em fronteiras invisíveis.

Não guardam nada — e guardam tudo:

a infância quebrada da guerra,

os ossos de cidades antigas,

o sal dos navios que trouxeram as vozes.

Há um murmúrio pagão

em cada rosto bíblico,

uma ferida moderna

em cada corpo eterno.

É como se teu martelo soubesse

que o tempo é ao mesmo tempo sagrado e vulgar.


III

Recordo os braços nus da Gênese,

os músculos tensos como cordas

que ainda vibram do sopro divino.

Recordo também

o Cristo no entalhe do túmulo,

onde a luz se recusa a entrar

como se respeitasse o luto.


Na pedra, há frio.

No frio, há claridade.

E na claridade, o peso de um mundo

que apenas a arte suporta carregar.


IV

Não há ornamento supérfluo,

não há sorriso decorativo.

A beleza que crias

é austera como prece dita no deserto,

é violenta como a primeira verdade dita a uma criança.

E ainda assim,

nessa gravidade mineral,

há ternura:

o toque lento sobre a curva de um ombro,

o silêncio cúmplice entre duas figuras

que se olham há milênios.


V

As tuas esculturas não terminam,

elas continuam na carne de quem as vê.

Seguem conosco pelas ruas,

entram em nossos sonhos

e se deitam ao nosso lado na noite.

Jacob Epstein,

teu cinzel não corta a pedra:

abre nela um abismo

por onde vemos o rosto do mundo

— e o nosso próprio rosto,

feito de pó e vento,

mas capaz, por um instante,

de se crer eterno.



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