quarta-feira, 13 de agosto de 2025

A RUSSA



A moça está parada diante do balcão.

O letreiro vermelho pisca: COCA-COLA.

Ela não pede.

O homem atrás do balcão espera, mastiga um chiclete.

Ela pensa que se pedir, vão ouvir seu sotaque. Vão perguntar o passaporte. Vão perguntar o visto. Vão perguntar demais.

Não é o medo de ser presa — é o medo de ser descoberta.

Não quer que saibam que veio de um lugar onde o inverno é tão longo que o sol se esquece da gente.

Na Rússia, pensou, até a alegria é fria.

E ela não quer mais a Rússia.

Mas a Rússia quer ela: vive atrás dos olhos, nos gestos de segurar uma xícara, no jeito de trançar o cabelo, no nome que ninguém sabe pronunciar direito.

Às vezes sonha que voltou. Não pelas ruas, mas pelo cheiro — carvão queimando, sopa de beterraba, lenha molhada.

Acorda com a garganta cheia de neve.

O homem do balcão se impacienta.

— Vai querer o quê, moça?

Ela sorri rápido, como quem se desculpa por existir.

— Água.

Sempre água.

A água não faz perguntas.

Sai do bar com o copo na mão e tenta acreditar que é só uma imigrante qualquer numa cidade qualquer. Mas no reflexo da vitrine, vê um pedaço de Moscou grudado no seu rosto.

E sabe que não importa o quanto tente esquecer: o que é inverno por dentro não derrete.



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