quinta-feira, 17 de outubro de 2019

A chuva



Hoje amanheceu sem chuva
nos meus olhos feridos de
flechas lentas e antigas que
dormem no meu peito como
feridas egípcias e chagas israelitas.
Na verdade você se foi e eu me fui
e a chuva não veio até a minha porta
trazendo o seu nome de girassól
e eu não sorri em volta como uma pluma
porque o meu amor foi tingido por
uma tempestade sem pássaros,
como se as mãos divinas se esquecessem
de mim pelas portas das cidades,
e a minha miséria não foi ser mosca,
nem saber os dons das águas,
nem rimar pó com sol já que o
esquecimento era tudo o que eu
tinha para dizer para a tempestade
que estava se aproximando com
a pressa das montanhas.
A chuva caiu bem longe e eu não
sorri, e não tive ódio, e não cantei
cacidas, nem gazeis antigos dos mouros,
apenas abri meus braços esperando o vento
e me deixaram numa caixa como que se isso
se importasse e eu fosse ouvir o vinho ou a chegada
de Cristo pelas águas que desciam frias até meu corpo
sebastianizado de flechas amargas cheias de cobras
e tristes gafanhotos sem mel.
Então adormeci para despertar
cheio de ira e ninguém sabia quem eu era.
E ninguém chamou meu nome.
E ninguém quis entender que a
chuva é o que é porque somos o que somos.

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