quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

NÃO GRITE


Não grite para mim nenhum
suspiro.
Ai, rotina desgraçada,
ai, alegre rotina do destino.
Quero traçar em meu quarto
o som da alma o som belo e infinito.
Sou poeta, que mais querem de mim?
Mendigo sentimentos para escrever-vos
poesia.
Não dói em teu coração a dor de
dar-se a outro que não te queria?
Ai, meus suspiros de alicates
não fazem diferença nenhuma nessa vida.
Aliás, nada faz diferença nessa vida:
estar nela, não estar nela.
Aliás, o que raios é isso que chamo de vida?
Uma coisa disseram com certeza
umas amigas minhas que também
se deram a dar em escrever poesia:
não tens nenhum poema perfeito,
escrever apenas asneiras sentimentais.
Ai, rotina desgraçada,
só posso escrever poemas sobre coisas
astrais.
Preciso parar um pouco, respirar,
sair a andar pelas ruas dessa cidade.
Sou essa cidade, por isso passo tão mal
porque tenho calçadas quebradas,
gente infeliz, religiosos demagogos,
políticos ladrões, pobres, ricos,
tudo isso dentro de mim já é uma
desgraça.
Ai, rotina desgraçada,
só posso me vender com poesia.
Alguns não sabem o que raio faço
dentro dessa firma.
Não vêem? Não percebem:sou eu que
ilumino essas tranqueiras ardidas.
Sou eu que cheiro as tinas, as pessoas,
as vidas. Sou eu que acendo a luz.
Antes não era eu, era um anjo andaluz
que vinha e acendia a luz.
Aliás, não era um anjo, era uma anja.
Uma anja cigana.
Ai, rotina desgraçada,
só posso viver arrotando palavras.
Ninguém lerá esse poema até o final.
Estão todos lendo, estão todos escrevendo.
E eu faço parte desse comboio, desse rebanho
que lê sem saber o que lê e escreve sem saber
sobre o que escreve.
Ai, rotina desgraçada,
só o mar pode me emocionar.
Não, não gritem a minha volta.
Quero ficar em paz, quero dormir e
sonhar com borboletas chinesas a minha volta.
Voltemos a Portugal, a Al-andaluz,
voltemos ao Brasil imperial.
Formemos um Novo Mundo
que não seja esse, e que não
exista mais poesia. Seremos todos
espantalhos das grandes corporações.
Ai, rotina desgraça,
que isso não seja profecia.
E agora, como terminar versos
tão sem lógica e sem sentido?
Ai, rotina fantástica,
o que será que significa tudo isso?

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