(com pequenos fragmentos surrealistas, pressentimentos de paixões avassaladoras, sonhos, imaginações, lembranças, visões proféticas, só)
- abre-se as cortinas com os primeiros personagens -
(..)
Sombra: Esse sorriso de noite se reflete em mim?
Claridade: Não, não. Sim, sim.
Sombra: Por quê dormes sem mar ou colher?
Claridade: Não vês o amor da raiz secreta da nuvem?
(...)
Noite: Sombra que vai, sombra que vem.
Dia: Claridade que arde. Dor que não tem.
Noite: Amém.
Dia: Meus braços de fogo, minha alma de tocha.
Noite: Seus cabelos me tocam.
Dia: Não vês as nuvens que choram?
Noite: Não há poente mais belo do que teus olhos.
Dia: E quem decifrou aquele mistério?
Noite: Mistério!
(..)
Mar: Subiremos por onde? Andaremos para onde? Peregrinaremos aonde? Amaremos a quem? Pediremos a quem? Beijaremos a quem?
Seremos o quê? Nadaremos no que? Passaremos? Passaremos?
Terra: Valsas que vão, valsas que vem. Sonhos que são sonhos que sem... Beijo de amor, beijo de dor. Deus, a vida te pertence. A Videira da Vida também.
Mar: Subiremos por onde? Andaremos para onde? Peregrinaremos aonde? Amaremos a quem? Pediremos a quem? Beijaremos a quem?
Seremos o quê? Nadaremos no que? Passaremos? Passaremos?
Terra: Já colheram os frutos caídos no chão. Pronto. Pegaram com as mãos. As formigas picaram seus pés. A luz do candelabro já soou. A luz do sofar tocou. Agora são outras horas. E agora não teremos mais nada.
Mar: Posso pedir algo?
Terra: Peças!
Mar: Posso ser mais espuma e menos água?
Terra: Peças!
Mar: Posso ser menos terror e mais amor?
Terra: Peças!
Mar: Posso engolir a areia com minha boca de sal e minha língua de ondas?
Terra: Peças!
Mar: Posso amar os seres que se deságuam em mim?
Terra: Peças!
Mar: Posso morrer sem fim?
(...)
Pelicano: Voo pelo verão.
Aves: Que bom que sabes.
Pelicano: O outono não quer.
Aves: Que achas daquela montanha?
Pelicano: O amor rima sempre com dor?
Aves: Quem irá bicar aquele peixe no mar?
Pelicano: Delírio, escolhas, sonhos, algo?
Aves: Diremos que nada restou. Será dilemas.
Pelicano: Mas nada.
Aves: Mas nada, nada.
(..)
Metáfora: Quem me deixou entrar nas palavras?
Singelo: Cala-te!
Metáfora: Os bois no campo serão mortos.
Singelo: Cala-te.
Metáfora: Serei um sino no meio do dia.
Singelo: Cala-te.
Metáfora: Eu também morrerei no pó da terra.
Singelo: Cala-te.
Metáfora: Sofrimentos são véus encobertos de mariposas.
Singelo: Cala-te.
Metáfora: Frondosa moça de olhos azuis. Peito de azeitona. Nádegas de bambus.
Singelo: Cala-te.
Metáfora: Outono cristão.
Singelo: Cala-te.
Metáfora: Ofício de amor.
Singelo: Cala-te.
Metáfora: Inverno muçulmano.
Singelo: Cala-te.
Metáfora: Ofício de amor.
Singelo: Cala-te.
Metáfora: Flor asiática. Formosa oriental.
Singelo: Cala-te.
Metáfora: Negra noite nos cabelos da negra negra.
Singelo: Cala-te.
Metáfora: Sinagogas judaicas de portas de ouro.
Singelo: Cala-te.
Metáfora: Morrerei com todos os seres da terra.
Singelo: Que serás?
Metáfora: Uma estrela.
Singelo: Um enigma.
Metáfora: Só.
Singelo: Só.
(...)
Homem: Tu me amas?
Mulher: Sim, sim.
Homem: Tu me queres?
Mulher: Não, não.
Homem: Aquela flor.
Mulher: Aquele cheiro.
Homem: O orvalho da manhã.
Mulher: Nossos beijos sem luares.
Homem: Saudade?
Mulher: Nem fragmentos.
(..)
Morte: Quem irá colher os restos que ficar?
Vida: Tudo recomeça quando tudo se acabar.
(...)
Sonho: Não durmas nesse momento.
Lembrança: Por que não queres minhas lágrimas?
Sonho: Não tens que carregar todos nos braços?
Lembrança: Aquela menina me cravou um punhal.
Sonho: Punhal de ouro, punhal de prata.
Lembrança: Não tenho medo de saber quem é que me mata.
Sonho: Carregas algo de cigano em ti?
Lembrança: Ela era uma cigana. Tinha os olhos puxados, tinha a pele escura, tinha a voz manchada de arco-íris e mel.
Sonho: Nenhuma vírgula pode ser decifrada em teu coração.
Lembrança: Não creio. Porque interrogo as coisas quando canto.
Sonho: Não te querem como eu te quero.
Lembrança: Não me querem nem a claridade...
Sonho: ...nem a sombra.
(..)
Amor: Silêncio, a chuva dialoga.
Dor: Nenhuma saudade pode resistir o amor.
Amor: Qualquer um que me queira...
Dor: ...Qualquer um...
(...)
Sereno: Nada mais que um pouco de pó no caminho da estrada.
Serena: Nada mais que um beijo de mariposa numa flor sem perfume.
Serena: Nada mais que um insuportável cheiro agreste de felicidade.
Sereno: Nada mais que um cigano beijando uma linda cigana camponesa.
Sereno: Nada mais que o orgulho e a orgulhosa agulha agulhando o céu.
Serena: Nada mais que as doces parábolas de Cristo sendo ensinadas para nós.
Serena: Nada mais que as Escrituras da Bíblia sendo lidas em nossos olhos.
Sereno: Nada mais que todos os livros escritos por nossas mãos cansadas.
Sereno: Nada mais do que as fadigas da esperança esperada no por-do-sol.
Serena: Nada mais...
Sereno: Nada mais...
(..)
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