Não se impressione muito com esse seu sucessinho. O ser humano está fadado ao fracasso. Isso eu disse a ela nua noite fria, quando liamos nós dois poesia.
Ela também escrevia poesia e como eu, gostava também de gatos, livros de fantasia e é claro que ela também gostava de frio. Pudia jurar que eramos almas gêmeas. Muito tão linda, tão loira, tão simpática em me oferecer um lugar para passar a noite, aconchegado com meus cadernos velhos e mal-ruídos pelas traças diante de uma lareira (acreditem que a casa dela tinha uma lareira, e isso foi a primeira coisa que reparei ao entrar).. Diferente de mim é claro: tão feio, tão tímido, tão estranho e tão chapado. Era uma noite de setembro, posso me lembrar do cheio do seu perfume fortíssimo que me dava enjoo. Ela era diferente, meiga e agressiva e não se importava com o que diziam dela ou dos religiosos de sua família que a chamavam de perdida (quando não de coisa pior). Me contou que não fez faculdade pelos mesmos motivos que eu; para que eu iria entrar lá? para me enganar? aprender? só entramos para a faculdade para aprender exatamente o que nos ensinam nas escolas: NADA. E eu ria. Ria gostosamente do jeito que ela dizia essas frases hilariantes em nossa roda de amigos. Ela era uma heroína para meus olhos anfíbios, e eu gostava dela. Não um amor de querer ela pra ser minha, esses amores doentios sempre acabam em tragédias shakesperianas, e eu sempre preferi viver uma vida solta, leve e arriscada.
O nosso primeiro beijo aconteceu em um lugar separado da cidade, e até onde me recordo, foi em um terreno baldio. Eu havia jogado um tijolo pra cima, par ver se a lei de Newton ainda estava em vigor. O tijolo acertaria minha cabeça se ela não tivesse me empurrado com toda a força que uma menina magra e seca tem. E eu cai com força masculina no chão deliciosamente. Ela devia ter uns dezenove anos, e eu posso jurar que tinha vinte ou vinte um ou vinte e dois. E então me levantei recitando uma porcaria qualquer... Não, eu estava cantando uma milonga enquanto os camaradas não vinham, e ela me observava com um sorriso tosco na boca.
Eu deveria ter gritado: oh criatura linda e abominável, pare de sorrir, sorrisos me deixam com o coração apertado e feliz. Como se ele fosse realmente assim. Do que é que você está falando? De amor. E nos beijamos ou eu agarrei ela, fiz-a fechar os olhos com uma magia sobrenatural, para ela não ver meu nariz meio-judaico, e então nosso lábios, e isso eu digo com tranquilidade, se tocaram como se fossem duas enguias elétricas acasalando desesperadamente.
Mas não tinha amor. Fora um beijo. É claro! E beijos rápidos e sem paixão são rapidamente esquecidos, assim como as palavras.
Não contei nada disso a nenhum dos companheiros, e eles talvez não aceitaria tais coisas. Eles, coitados, viviam num mundo de elfos encantados sempre que fumavam suas ervinhas-do-capeta, e depois via teorizar as mais hilariantes idéias de escrita que se podiam ter. Que eu e lembre, só a vi um dia com um cigarro na boca. Eu gostava mais de beber vinho do que tragar fumaça. E ela zombava de mim; "Um escritor que nunca bota um cigarro na boca só pode ser marica ou é um covarde", e eu respondia delicado: "Acontece que eu sou os dois Line, não se esqueça disso."
Gostava de escrever sóbria e eu gostava de escrever chapado. Eu acho que até hoje quando quero de falar com a folha e com a tinta sobre o amor, eu bebo e converso com o copo ou com a garrafa do meu lado, e as respostas são as mais gêniosas que posso ouvir. A garrafa de cerveja certa vez me contou que u home amava tanto a sua mulher, que depois de beijá-la no rosto e dizer todas as juras e promessas de amor, dizia a ela que se caso visse-a com outro homem, a mataria com dois tiros na cabeça, sem deixá-la explicar o que falava ou o que fazia com este. Ou o caso do home que traía sua mulher com um travesti, e se sentiu ofendido quando esta lhe deu dois pares de cifres de minotauro na cabeça com um gay (que segundo a garrafa, era seu irmão).
Eu escutava a garrafa e contava essas coisas para ela, não a garrafa, mas para Line, e ela sorria como se eu estivesse brincando:
_ Por isso eu não te amo e não sinto falta disso. Só te amo secretamente dentro das tumbas do meu peito. Não quero-te mau. Você sabe...
_Até nas frases você está sendo poetizador. E lá ia eu encher minha cara com o copo de cerveja. E naquela noite liamos poesias, um do outro. E ela se enchia de orgulho por ter publicado elas num jornal grande e recebido uma crítica maravilhosa de um crítico de merda. Não se impressione muito com esse seu sucessinho. O ser humano está fadado ao fracasso. E lá ia fui eu encher minha cara com o copo de cerveja.
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