quarta-feira, 30 de outubro de 2013

1- Chegamos ем Campinas, meu irmão e eu. Eu estava com cabelos grandes, que todos diziam me deixar afeminadamente afeminado. Eu me ria com isso e deixava crescer meus cabelos até os ombros. Eu me achava um hippie. Meu irmão já não: ele gosta de cabelos curtos... ele fuma... ele é moreno, bonito, estranho. Eu não. E nós nos damos muito bem. Chegamos em Campinas em Janeiro, e partimos nesse mesmo dia para São Paulo, para visitar uns parentes que tinham (tenho absoluta certeza "de impressão") se esquecidos de nós. 
2- Eu estava lendo um livro interessantíssimo: Madame Bovary, Gustav Flaubert. A noite, parei. Meu irmão estava roncando como um cão. Como um cão não. Mais eu tinha a impressão de que o diabo estava naquele lugar, e eu chorava tristemente, e Deus não escutava meu choro. E eu sofria, sofria e sofro. Mais eu lia Madame Bovary, e para mim era um livro interessantíssimo e culto. Pare na página 17, no primeiro dia em que chegamos na casa de meu avô. 
3- Peguei uma folha de papel branquíssima, e com uma caneta preta (talvez ela fosse azul, ou vermelha, ou verde, ou cinza, ou prata, ou amarela, ou roxa), anoite os tipos de profissão que talvez meu avô pudesse ter. Talvez ele fosse: A: um político corrupto. Eu descartei essa idéia, porque meu avô era muito admirado pelos trabalhadores, mesmo isso sendo um fato comum entre políticos corruptos, meu avô era bem respeitado pelo Mr. B.. Mr. B era o dono de um prédio, e fora até para Los Angeles, quem sabe pegar as putas americanas dessa cidade. B: Um poeta. Só que ele não poderia ser um poeta. Meu avô sequer lia livros, nunca lera nenhum livro na vida. Dizia saber a bíblia de cor, salteada de trás pra frente. Pedi que me explicasse o porquê de Deus ter deixado Isaías mandar as ursas devorarem as crianças que o chamava de "Calvo". E me lembrei que meu avô era calvo, quase careca na superfície de cima da cabeça. E antes de eu levar uma cintada no pescoço, eu me lembro de ter ouvido ele dizer: _ Calvo é sua avó!.
4- Eu roubei uns livros de poesia numa sebo em São Paulo. Consegui roubar três livros por debaixo da camiseta, e os livros eram grossos e pesados. O primeiro era Antologia Poética de Pablo Neruda, publicada no Chile. O que um livro publicado no Chile, escrito em castellano, na porra de um país onde as pessoas  mal sabe falar o português, fazia ali, naquela sebo literária, fedida e obscura, como uma biblioteca mórmon. Eu não poderia responder e não responderei. O segundo livro, era uma edição antiga dos poemas completos de Carlos Drummond de Andrade. E eu sempre admirei o bicha profundo e meigo que é Carlos Drummond. E eu prego para as pessoas não deixarem de ler Drummond, e sim João Cabral. 
Elizbeth Bishop dizia que os nomes dos poetas brasileiros davam caimbrã na língua. Eu acho que os poemas de João Cabral é que dão câimbra na língua. Meu irmão viu-me botando fogo num exemplar de "Morte e vida: severina", e perguntou-me: "porquê queima esse livro? por acaso quer bancar o nazista dos trópicos?", e eu respondi com simplicidade: "Esses poemas todos dizem que são pedra. Quero ver. Se forem pedra, não vão queimar". O livro queimou e felizmente era um livro que eu tinha roubado da biblioteca pública de Adamantina. O terceiro livro, era um grande e pesado dicionário de português. E eu me pergunto: para quê quero um dicionário de inglÊs? Ora, para roubar o máximo de palavras possíveis. Minha titia me viu roubando os livros. Ela estava comigo, e ela também fumava. Eu não fumava cigarros naquela época, eu não acreditava em nada e em ninguém. Então ela perguntou: "São livros de espírita?" E com minha negatividade, ela suspirou. "Pena". Ela gostava de espiritismo.
continua...

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