quarta-feira, 30 de novembro de 2016

o mundo nas mãos





o camponês e o industrial entram. cada um fica de costa ao lado do outro. o camponês fala primeiro, com a voz um pouco baixa.

camponês: o que trouxeste?
industrial: o vinho e o sangue.
camponês: em minha roupa o vento dorme.
industrial: em minha mão a erva não colhe.
camponês: nasci como um coitado.
industrial: a cidade é o meu presente e o meu passado.
camponês: a chuva, óh Deus, me esqueceu.
industrial: o que brota do chão é tudo meu.


entram o cigano e o santo. o camponês e o industrial sentam-se no chão

cigano: minhas mãos seguram a morte.
santo: minhas mãos seguram a vida.
cigano: estrelas de ouro carrego no olhar.
santo: choro as feridas dos outros...
cigano: meu norte é não ter pátria.
santo: minha pátria é o céu de cima.
cigano: que tens nas mãos?
santo: desejos e sonhos... que tens nas mãos?
cigano: minhas mãos seguram a morte.
santo: minhas mãos seguram a vida.


o santo sai. o cigano fica em pé. vêm o judeu e se põe de lado ao cigano.

cigano: que tens nas mãos?
judeu: carrego o meu mapa astral, sincero.
cigano: que tens nas mãos?
judeu: minha santa religião.
cigano: que tens nas mãos?
judeu: minha luta e minha bravura.
cigano: que tens nas mãos?
judeu: minha ternura pura.
cigano: que tens nas mãos?
judeu: o sangue de Abraão.
cigano: que tens nas mãos?
judeu: uma pátria, uma faca, uma paixão.

o cigano senta-se. levanta o industrial e vem também o santo.

judeu: Oy vey, quem são?

industrial: o mundo nas mãos.

santo: quem és?
judeu: que digas?
santo: que direi?
judeu: quem sou?

industrial: isso mesmo que dissestes.
judeu: o que significa isso?
santo: nada que o céu não explique.


todos ficam de pé.

camponês: o que trouxestes?

industrial: o vinho e o sangue.

santo: o destino frio e o rio.

cigano: o silêncio do meu grito.

judeu: a maravilha do não-dito.

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