terça-feira, 20 de novembro de 2018
Foge Kumo, a guerra chegou (conto)
"Talvez tudo isso seja justificável", pensou Kumo, quando olhava as bombas transformando a cidade em cinzas.
Os mortos descansam em paz, nada sabem que seus sucessores passam por aqui. Naquele dia o sol parecia forte, e senti que seu calor queimava minha nunca. Minha avó apanhou um chapéu de sua bolsa, e com todo carinho que tinha, colocou ele em minha cabeça.
"Isso irá te proteger um pouco", ela me disse, sorrindo. Agradeci, e não me importei muito em retribuir o sorriso, estava fascinado com a beleza arquitetônica dos túmulos.
Nós japoneses temos a fama de perfeccionistas aos olhos dos ocidentais, mas creio que isso é um erro. Não somos perfeccionistas, somos habilidosos e concentrados. E esse é o motivo pelo qual, no começo, nos demos tão bem na guerra.
A invasão na China foi muito criticada pelo meu avô. Meu pai era um nacionalista, defensor de qualquer assunto que enaltessese
e exaltasse o "grande Japão".
Meu avô não era assim.
Ele era mais centrado e espiritual, leitor de textos budistas, respeitava as culturas, sabia falar perfeitamente inglês, francês e chinês, sem nunca ter saído do Japão.
"Essa guerra não irá acabar bem", dizia, "o que começa errado, acaba por terminar errado".
"És um covarde, Kumo-san. Quem venceria o Grande Japão, se o nosso Imperador é invencível?"
Nessas horas meu avô se calava, preferia comer sua comida quieto, a discutir com meu pai sobre assuntos de guerra. Ganhei meu nome, Kumo, em homenagem a ele.
Ali estava o túmulo de meu pai. A seu lado, o túmulo de meu avô Kumo, recém adornado com palavras de lembranças saudosistas. Depositamos fotos e objetos em cada um deles, e depois minha avó colocou um prato de arroz em cada um.
"Os mortos não comem, vovó", pensei em dizer-lhe, quando reparei que chorava ela em silêncio. Eles devem descansar em silêncio, sem saberem o que seus sucessores fazem nesse lado da vida (será que os missionários cristãos que vi estarão certos em dizer que existe dois lados?).
Meu pai foi convocado para a guerra. Nunca vi tanta alegria em seus olhos. Iria lutar pelo grande-Japão, e pela prosperidade da grande-Ásia.
Minha mãe enlouqueceu, e sem motivos, desapareceu num dia de chuva.
-Kumo, você ficará conosco, até seu pai voltar. Me disse minha avó.
Meu pai, e minha mãe, já não me reencontrariam.
A entrada dos Estados Unidos na guerra, deixou meu avô mais preocupado. Seus cabelos negros, de uma hora pra outra, encaneceram. Podia-se ver em seus olhos a dor e a melancolia do sofrimento que sua nação passava.
-Aproveite seu tempo. -Ele me dizia. - você ainda é só um menino!
Mas eu não podia aproveitar meu tempo. Tinha que trabalhar em fábricas de armamentos.
O grande-Japão não pode perder.
Meu avô foi morto por nacionalistas imperiais, por ter dito em uma conversa, que provável "é o Japão perder tudo, como castigo das invasões que praticára".
O corpo de meu pai chegou de Okinawa. Enterramos ele do lado do túmulo de meu avô.
Em abril de 1942, o Japão foi bombardeado pela primeira vez. Muitos feridos, alguns mortos (e os mortos nada sabem...). Em 10 de março de 1945, foi o primeiro bombardeio que vi em minha vida.
Nesse dia, tínhamos ido, vovó e eu, visitar os túmulos de meu avó, Kumo, um homem sensato, e o túmulo de meu pai, que talvez fosse um guerreiro samurai reencarnado.
O cemitério fica no alto de uma colina, e é possível avistar Tókio inteira dali.
久茂 Kumo
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