domingo, 27 de dezembro de 2020

OS DOIS TEÓLOGOS - conto

 

OS DOIS TEÓLOGOS

 

                Claro que para ambos o céu era o mesmo: estivessem de dia, com as nuvens passando para o lado através do vento; ou estivessem de noite, com as estrelas e os planetas que naquela tensa época ainda podiam ser adorados pelos incautos pagãos.  Não se pode firmar com certeza, apenas por base de conjecturas formidáveis, que ambos se encontraram em um julgamento. Cada qual tinha a base do peso da sua medida: aquele que estava no centro do julgamento, tinha uma grande e larga barba cobrindo o seu rosto, uma barba negra, imponente. E aquele que presidia o julgamento, também estava com uma barba grande e negra, imponente.

         De um e de outro, todos sabiam de um pouco, já que era lógico na época supor que todos entendiam que o sucesso e o fracasso eram a raiz da mesma moeda de ferro coroada no meio da testa de algum rei anglo-saxão morto no meio de uma guerra sem heróis.

Com essa lógica era possível dizer em brados que tanto a direita quanto à esquerda são frutos dos mesmos lados.

        Ora, um se chamava Alonso, e dizem que tinha táticas de conversações mistas, capaz de agradar tanto reis quanto pontífices, tanto nobres quanto pobres, senhores ricos e bispos. Por causa disso circulou-se em todos os meios que era um dos ancestrais mais antigos da tribo de Benjamim, descendente de Abraão, no entanto, abandonando a religião dos primitivos ancestrais, se lançara sobre a base da fé mais elevada do Ocidente, capaz de parar os exércitos infiéis que podiam vir por todos os lados. Tornou-se um douto sacerdote da Igreja, capaz de condenar qualquer pessoa por heresia caso escutasse ou visse algo que desagradassem os seus olhos de um tom esverdeado.

             O outro se chamava Santiago e por mais que viesse de uma casta mais modesta, não era conhecido popularmente pelo povo. Disseram que gostava de estudar a alquimia em segredo, pois temia ser descoberto. Seus sermões dentro da igreja aguçaram os ouvidos de Alonso, que percebeu estar na presença não de um enviado dos céus e sim, de um herege que estava ali para afrontar a fé cristã. Bastava um árabe estar ali no meio daquele tribunal para ver a semelhança dos dois homens: pois tanto o que julgava o herege quanto aquele que estava sendo julgado pareciam ser filhos da mesma mãe. Até mesmo a barba negra fazia aos mais ousados e em tímidos ruídos dizerem que Alonso, o Alto-inquisidor, era muito semelhante com o alquimista Santiago, aquele herege que teve seu laboratório alquímico descoberto pelo Santo Oficio religioso.

Os livros de Santiago foram condenados ao fogo, e ele mesmo também foi condenado a perecer nas chamas, para sempre com suas ideias e com o seu corpo. E assim triunfou Alonso sobre o seu concorrente, já que ambos queriam o poder e a posse dentro das ordens e ordenança da Igreja.

   Mas contam os homens dignos de fé que a disputada não terminou desse jeito, e que o julgamento foi transportado até o Céu, e nas alturas teve inicio, após a morte de Alonso, que teve uma desagradável surpresa ao encontrar o condenado Santiago na presença de Deus. Ambos na frente do Soberano Altíssimo gritaram para serem ouvidos pelo Senhor, que em um acesso extremo de um bocejo não fez questão de continuar a disputa, apenas dizendo que para ele nada daquilo era exato.

  - Senhor, como pode um herege alquimista entrar no Vosso Reino? – perguntou Alonso.

  - Senhor, como pode um homem endurecido e perverso como esse entrar no Vosso Reino? – também perguntou Santiago.

 

                        Mas Deus que tinha questões mais importantes para resolver e não gostava de se intrometer em assuntos humanos, fez questão de responder a pergunta de ambos para ambos:

  - Acontece que para mim nenhum nem outro se diferem. Os dois para mim são a mesma pessoa. Tanto o condenado quanto o que condena. E aqui encerro as vossas disputas.

 

Fim

 

 

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