A VENDEDORA DE MAGIA
O mercado de peixe local era muito
requisitado internacionalmente. Os pescadores ganhavam muito bem por cada peixe
que vendiam para o exterior. Miguel gostava muito de passear pelo mercado de
peixe, não sentia enjoo como seu irmão Santiago, que não só não podia sentir o
odor dos peixes, como não podia nem sequer prova-los.
- És um
grande fresco Santiago, disse Miguel irritado com o irmão. - Não existe coisa
melhor do que peixe para se comer. É o símbolo cristão por excelência.
- Pois o
símbolo dos cristãos deveria ser um porco, disse Santiago que não era religioso
como o irmão, e odiava ir para as missas. - Ai sim eu ficaria contente. Afinal
é o que eu mais gosto de comer. Porco!
Que não te
ouça os judeus que compram as carnes dos tubarões de duas cabeças no mercado de
peixes, disse Miguel.
Alguns ciganos chegaram pela cidade
carregando bandeiras com vários símbolos diferentes. Santiago observava as
ciganas com olhares de sedução. Nenhuma lhe prestava atenção, pois os ciganos
tinham os seus próprios assuntos para cuidarem.
Levantaram a tenda do lado direito da cidade, o lado da sorte, onde as
pessoas mais pobres viviam.
- Que há que
você está vendo? – perguntou Miguel segurando um peixe vivo de dois olhos no seu
relógio de pulso. – São os ciganos? Fiquei sabendo que já chegaram pela cidade.
Espero que eles paguem o imposto devido aqui... Não é justo apenas nós pagarmos
os impostos.
- Deixe de
dizer asneiras, Miguel – disse Santiago. – Os ciganos têm suas próprias regras
sociais.
- Você está
observando as ciganas bonitas, não está? – Miguel sentia muito prazer em encher
o irmão com perguntas.
- Como posso
estar observando as ciganas, se estou aqui conversando com você, seu idiota? –
disse Santiago.
- Tenho que
ir ao Mercadão – disse Miguel. – Vou comprar algumas coisas para nós comermos.
- Que não
seja peixe – disse Santiago.
- Não será
peixe!
O
Mercadão era conhecido pela variedade de produtos que os comerciantes ali
vendiam em inúmeras barracas enfileiradas uma atrás da outra, como grandes
árvores em um bosque. Miguel gostava de andar no meio das pessoas, porque ali
no Mercadão encontrava inúmeras pessoas, todas das mais variadas formas e
aspectos. Havia uma mulher com corpo de
aranha, que estava sentada no meio de um pequeno palco, onde um verde e alegre
duende de dois olhos na barriga tocava flauta e agradecia as tímidas moedas que
os transeuntes ofereciam para ele, arremessando-as no ar até o pequeno barril
que ele colocara a frente para receber seus trocados. Havia grupos de centauros
que discutiam herméticas fórmulas com homens velhos de barbas muito cumpridas
que chegavam até o chão. Havia minotauros sem camisetas que pousavam com suas
cabeças bovinas para os pintores em forma de baratas que com ágeis mãos (ou
patas) faziam ótimas pinturas e esculturas realistas. Havia tímidas flores que levantavam as
cabeças para cantar canções chinesas quando o vendedor chinês chegava até o
pote onde elas estavam deitadas e pronunciava algumas palavras nunca ouvidas
nesse lado do mundo. Havia mulheres
muito altas com traços romanos no rosto, semelhantes às modelos das passarelas,
porém assustavam quaisquer homens que ali passavam, pois não tinham pudor algum
em mostrar os seios grandes e esverdeados para quem quer que fosse, ou alguma
parte das nádegas muito brancas que se assemelhavam a girassóis ardentes como
fogo. Essas eram as ninfas, musas dos
bosques que estavam ali como meras representantes sexuais dos faunos, que
sentados ficavam como bons comerciantes esnobes sem esboçar nenhuma reação
quando algum turista oferecia pouco dinheiro para se deitar com alguma ninfa de
rosto asiático e seio azul.
Miguel
ficava encantado com tudo isso, pois além do mercado de peixe, sua única
diversão era ir visitar o Mercadão e comprar alguma coisa diferente para o
jantar. O pouco dinheiro que herdada de seu pai, um ilustre capitão de navio
que foi engolido pelo mar, dava para sustentar ele e seu irmão. A mãe havia se
casado novamente e partira para uma terra muito distante, pelo qual os dois
irmãos apenas mencionavam para qualquer um que perguntassem por sua mãe que se
chamava Terra do Bomfim.
Ao
passar pelo meio do Mercadão, Miguel observou em um canto quieta e silenciosa
uma linda mulher de vinte e cinco anos e vinte e cinco séculos que estava
sentada em uma cadeira feita de cauda de pássaros muito antigos.
- O que
vendes? – perguntou Miguel interessado na beleza diferenciada da mulher.
- Sou uma
vendedora de magia – respondeu a mulher sem nenhum orgulho. – Gostaria de
comprar uma magia?
- Gostaria
primeiro de saber o seu nome – disse Miguel. – Você é uma moça muito linda!
- Não sou
moça – disse a vendedora de magia ríspida. – Me chamo Shelda. Não é um nome
muito comum para as pessoas dessa cidade.
- Não, não é
– disse Miguel. – E o que viria ser magia?
- Não sabes
o que é uma magia? – perguntou Shelda.
- Não sei o
que é – respondeu Miguel um pouco envergonhado. – Nunca aprendi isso no
seminário que frequentei.
- Isso não
tem nada haver com seminários – disse Shelda.
- E tem
haver com o que? – perguntou Miguel.
- Tem haver
com encantamentos, bruxarias, ocultismos.
Miguel encarou os olhos de Shelda com
interesse. Percebeu que no fundo dos olhos dela estavam milhões de estrelas e
planetas bailando num cosmo profundo e denso.
- Você é cigana?
– perguntou Miguel.
- Você faz
muitas perguntas, Miguel, disse Shelda. Nunca vi um homem com essa tendência
antes. Você precisa usar mais o ponto de exclamação!
Você sabe o
meu nome, disse Miguel surpreso. De onde nos conhecemos?
Vou
responder a sua primeira pergunta. Depois eu respondo à segunda, disse
Shelda. Sou cigana, filha de Nabuco e
Sarai. Meus pais vieram da Romênia, há muito tempo. Eu te conheço por causa da
marca que você tem no seu braço esquerdo. Essa cruz ai, essa cicatriz.
Sim, eu
tenho uma cicatriz em forma de cruz, e ela está aqui e é bem visível, disse
Miguel. Só não estou recordando de você ou de ter te contado sobre minha
cicatriz.
Miguel, eu
peguei você e Santiago nos braços, disse Shelda. Eu fui amiga da sua mãe. Há muito tempo eu
passei por essa cidade. Vocês eram pequenos, e seu pai era vivo. E nessa época
eu já vendia magia.
Miguel
ficou extremamente maravilhado com o que disse a cigana. Convidou ela para ir
até a sua casa para jantar, o que ela aceitou. Não sem antes fazer Miguel jurar
que iria comprar uma magia das mãos dela, antes que os ciganos fossem embora
para a próxima cidade.
- Eu juro –
disse Miguel.
Às sete da noite Shelda estava sentada na
mesa com os irmãos Miguel e Santiago. Havia pão e queijo na mesa, vinho e bolos
de sementes de chocolate. Um pequeno javali assado completava a refeição, que
saciou tanto a cigana quanto os dois irmãos.
- Miguel
disse que a senhorita vende magias – disse Santiago. – O que vem ser isso?
- Magia são
coisas que os outros não podem ter. Por isso as vendo por um preço bom e
barato. E quando essas pessoas tem a magia nas mãos se sentem bem e
maravilhadas.
- Que coisas
seriam? – perguntou Santiago.
- Você já
quis fazer ventar, não é? Eu vendo magias que podem fazer ventar, chover,
crescer árvores, nascer ouro no nariz, afastar lobisomens.
- Você vende
utilidades, então! – disse Miguel.
- Não são
utilidades – disse Shelda indignada. – São magias, já o disse.
- E você
conheceu a minha mãe e meu pai? – perguntou Santiago. – Eles nunca disseram que
eram amigos de uma cigana.
- Sua mãe
nunca me mencionou para vocês porque eu pedi, disse Shelda. Eu sei que ela está
na Terra do Bomfim. Passamos por lá, vocês sabem, a caravana de ciganos que eu
faço parte. Sua mãe mandou lembranças. Foi uma coincidência fortuita ter
encontrado Miguel no grande Mercadão. Vi que seu cabelo loiro é semelhante aos
cabelos de sua mãe, mais o rosto puxado em forma de tubarão é semelhante ao
vosso pai, sem duvida.
- Que bom
que você conheceu a nossa mãe! – disse Miguel.
A caravana dos ciganos estava deixando a
cidade quando as primeiras estrelas do céu estavam brilhando bem longe. O velho
cigano que ia à frente de todos levava um pandeiro e alegre tocava ele com as
mãos.
Miguel havia dado uma moeda de ouro para
Shelda, antes de se despedir dela. Entregue a magia para Santiago, disse
Miguel, ele saberá fazer o melhor com ela.
Quando os ciganos já estavam sumindo
pelo horizonte, Santiago levantou a magia que Miguel havia comprado de Shelda,
a cigana, e arremessou a magia para o céu, que se tornou negro como uma rajada
de ventanias frias.
Vários peixes prateados começaram a cair
de cima das nuvens, batendo sobre as casas e sobre as árvores, derrubando as
pessoas desatentas que escorregavam nas barbatanas que se espatifavam no chão.
Fim
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