domingo, 27 de dezembro de 2020

O telefonema - conto

 

O telefonema

 

   Eduarda já estava deitada na cama. Havia acabado de fechar o livro de poesias românticas que estava lendo, quando o telefone tocou.

“Quem está me ligando a essa hora da noite?”, ela pensou, enquanto olhava o relógio ao lado da cama, na pequena cômoda.

Segurou o telefone com a mão direita, e antes mesmo que acabasse de dizer “alô”, uma voz grave e masculina disse:

- Duda! Duda! Como é bom ouvir a sua voz, Duda. Puxa vida! Você não imagina como eu estou feliz em poder falar com você, Dudinha. Finalmente eu encontrei o número do seu telefone!

 

 Eduarda ficou espantada por alguns segundos. Foi um choque escutar alguém a chamando de Duda, que era um antigo apelido que seus primos haviam colocado nela há muito tempo atrás.

 

Só que ela não sabia de quem era a voz.

 

- Quem está falando? – perguntou Eduarda, sentindo uma vergonha interior leve.

A pessoa que estava falando com ela sabia muito bem quem era ela, e ela não sabia quem era a pessoa que a estava telefonando.

 

- Como assim, Duda? Você já se esqueceu dos tempos em que a turma tomava banho de cachoeira?  – a pessoa do outro lado assombrou Eduarda, já que quando ela morava em Presidente Prudente, realmente várias garotas e garotos iam tomar banho de cachoeira e se aventurar pelas chácaras e sítios que havia pelos arredores da cidade.

- Eu não me esqueci – disse Eduarda. – Só não sei quem é você. Quero saber. Qual é o seu nome?

 

  A pessoa do outro lado da linha ficou em silêncio. Eduarda ouviu um barulho de isqueiro se acendendo. “Com toda certeza é uma pessoa que fuma cigarros na madrugada”, disse Eduarda para si mesma. “Não consigo me lembrar de ninguém que eu conheça que tenha insônia”.

 

- Lembra quando o tio Jorge levou um saco cheio de balas e doces e seu pai tomou os meus doces e deu para você?

 

  “Será que ele é um parente meu?”, Eduarda agora estava espantada com isso. Ela não só não se lembrava disso, mais seu subconsciente realmente se lembrava do dia em que seu pai dera para ela na festa do seu primo Matheus, um saco cheio de balas e doces.

 

- Isso aqui é cortesia do tio Jorge – disse seu pai. – Esse tio Jorge é mesmo uma formiga que gosta de açúcar!

 

- O tio Jorge era uma formiga que gostava de açúcar – disse a voz do outro lado.

 

- Você é meu parente? – perguntou Eduarda. Já estava se cansando de conversar com uma pessoa que não revelara o nome. – Se for algum parente deve ser algo grave para ter me telefonado a essas horas da noite.

 

- Não aconteceu nada de grave por aqui – disse a voz. – E não sou o seu parente. Fica tranquila. Eu sei como você não gosta nem um pouco de nenhum dos Coelhos. 

Eduarda Coelho ficou intricada. A pessoa conhecia o sobrenome da sua família.

 

 - Não quero passar a noite interrogando uma pessoa que não me diz como se chama – disse Eduarda um pouco agressiva. – Você é algum primo distante? Um ex-namoradinho meu que pediu o meu contato para alguma prima? Tenho certeza que foi Neide, aquela travesti descarada, que te passou o meu telefone.

 

- É verdade que Neide está casada com Ícaro? – perguntou a pessoa do outro lado do telefone – Não foi ela quem me passou o seu contato!

 

- É verdade, sim! – respondeu Eduarda. – Neide e Ícaro estão juntos, e mora por ai. Você devia saber muito bem disso.

 

- Eu não moro em Presidente Prudente – disse a voz. 

 

- E como sabe de tantas coisas da minha vida, que aconteceram em Presidente Prudente? – perguntou Eduarda, dando um leve bocejo.

 

- Já está com sono, Duda?

- Estou sim. E vou dar razão à vontade do meu corpo. Só não quero ser mal educada e desligar na sua cara.

- Não desliga agora. Por favor. A sua voz está me fazendo tão bem.

- Eu nem sei quem é você, cara. Fala logo o seu nome e para de me deixar curiosa. Pra que você me ligou a essas horas da noite? Pra ficar de joguinho comigo?

- Eu precisava saber se esse número era o seu. E quando eu ouvi a sua voz, ela me fez tão bem.

- E então você decidiu ficar recordando coisas vividas, da qual eu faço parte, sem me dizer como você se chama, é isso? – perguntou Eduarda fazendo uma cara de deboche.

- Não é isso não... – respondeu a voz. – Eu precisava te ouvir. A sua voz sempre me fez um bem danado. Você se lembra do Pitto?

 

  Eduarda se arrepiou todinha. Pitto havia sido um pequeno cachorrinho que ela teve, e que fora atropelado por uma moto que passou muito rápida e nem sequer parou para prestar socorro.

 

- Não estou a fim de chorar a essas horas da noite, obrigada!

 

- Você se lembra dele, não é?

 

- Me lembro! – disse Eduarda zangada. – E o que o Pitto tem haver com a porra do seu nome cara?  Me fala logo como você se chama antes que eu desligue.

 

- Foi tão bom ouvir o seu alô, Duda! Obrigado por ter falado comigo.  Eu senti um bem danado escutando a sua voz. Espero poder te encontrar algum dia.

 

 O estranho do outro lado da linha do telefone desligou. Eduarda foi até a cozinha e fez um leite com nescau. Depois que tomou, pensou:

“Será que isso foi um sonho? Não pode ter sido. Ele conhecia o Pitto.”

 

   Sentou-se na cabeceira da sua cama e olhou para fora. O vento bateu de leve na janela do seu quarto, que estava fechada, fazendo o frio do vento dar um leve som opaco de contato com o ferro das grades da janela com o vidro.

 

- Quem será que me ligou? – perguntou Eduarda, intrigada.

 

Fim

 

 

 

 

 

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