O telefonema
Eduarda
já estava deitada na cama. Havia acabado de fechar o livro de poesias
românticas que estava lendo, quando o telefone tocou.
“Quem está
me ligando a essa hora da noite?”, ela pensou, enquanto olhava o relógio ao
lado da cama, na pequena cômoda.
Segurou o
telefone com a mão direita, e antes mesmo que acabasse de dizer “alô”, uma voz
grave e masculina disse:
- Duda!
Duda! Como é bom ouvir a sua voz, Duda. Puxa vida! Você não imagina como eu
estou feliz em poder falar com você, Dudinha. Finalmente eu encontrei o número
do seu telefone!
Eduarda ficou espantada por alguns segundos.
Foi um choque escutar alguém a chamando de Duda, que era um antigo apelido que
seus primos haviam colocado nela há muito tempo atrás.
Só que ela
não sabia de quem era a voz.
- Quem está
falando? – perguntou Eduarda, sentindo uma vergonha interior leve.
A pessoa que
estava falando com ela sabia muito bem quem era ela, e ela não sabia quem era a
pessoa que a estava telefonando.
- Como
assim, Duda? Você já se esqueceu dos tempos em que a turma tomava banho de
cachoeira? – a pessoa do outro lado
assombrou Eduarda, já que quando ela morava em Presidente Prudente, realmente
várias garotas e garotos iam tomar banho de cachoeira e se aventurar pelas
chácaras e sítios que havia pelos arredores da cidade.
- Eu não me
esqueci – disse Eduarda. – Só não sei quem é você. Quero saber. Qual é o seu
nome?
A pessoa do outro lado da linha ficou em
silêncio. Eduarda ouviu um barulho de isqueiro se acendendo. “Com toda certeza
é uma pessoa que fuma cigarros na madrugada”, disse Eduarda para si mesma. “Não
consigo me lembrar de ninguém que eu conheça que tenha insônia”.
- Lembra
quando o tio Jorge levou um saco cheio de balas e doces e seu pai tomou os meus
doces e deu para você?
“Será que ele é um parente meu?”, Eduarda
agora estava espantada com isso. Ela não só não se lembrava disso, mais seu
subconsciente realmente se lembrava do dia em que seu pai dera para ela na
festa do seu primo Matheus, um saco cheio de balas e doces.
- Isso aqui
é cortesia do tio Jorge – disse seu pai. – Esse tio Jorge é mesmo uma formiga
que gosta de açúcar!
- O tio
Jorge era uma formiga que gostava de açúcar – disse a voz do outro lado.
- Você é meu
parente? – perguntou Eduarda. Já estava se cansando de conversar com uma pessoa
que não revelara o nome. – Se for algum parente deve ser algo grave para ter me
telefonado a essas horas da noite.
- Não
aconteceu nada de grave por aqui – disse a voz. – E não sou o seu parente. Fica
tranquila. Eu sei como você não gosta nem um pouco de nenhum dos Coelhos.
Eduarda
Coelho ficou intricada. A pessoa conhecia o sobrenome da sua família.
- Não quero passar a noite interrogando uma
pessoa que não me diz como se chama – disse Eduarda um pouco agressiva. – Você
é algum primo distante? Um ex-namoradinho meu que pediu o meu contato para
alguma prima? Tenho certeza que foi Neide, aquela travesti descarada, que te
passou o meu telefone.
- É verdade
que Neide está casada com Ícaro? – perguntou a pessoa do outro lado do telefone
– Não foi ela quem me passou o seu contato!
- É verdade,
sim! – respondeu Eduarda. – Neide e Ícaro estão juntos, e mora por ai. Você
devia saber muito bem disso.
- Eu não
moro em Presidente Prudente – disse a voz.
- E como
sabe de tantas coisas da minha vida, que aconteceram em Presidente Prudente? –
perguntou Eduarda, dando um leve bocejo.
- Já está
com sono, Duda?
- Estou sim.
E vou dar razão à vontade do meu corpo. Só não quero ser mal educada e desligar
na sua cara.
- Não
desliga agora. Por favor. A sua voz está me fazendo tão bem.
- Eu nem sei
quem é você, cara. Fala logo o seu nome e para de me deixar curiosa. Pra que você
me ligou a essas horas da noite? Pra ficar de joguinho comigo?
- Eu
precisava saber se esse número era o seu. E quando eu ouvi a sua voz, ela me
fez tão bem.
- E então
você decidiu ficar recordando coisas vividas, da qual eu faço parte, sem me
dizer como você se chama, é isso? – perguntou Eduarda fazendo uma cara de
deboche.
- Não é isso
não... – respondeu a voz. – Eu precisava te ouvir. A sua voz sempre me fez um
bem danado. Você se lembra do Pitto?
Eduarda se arrepiou todinha. Pitto havia sido
um pequeno cachorrinho que ela teve, e que fora atropelado por uma moto que
passou muito rápida e nem sequer parou para prestar socorro.
- Não estou
a fim de chorar a essas horas da noite, obrigada!
- Você se
lembra dele, não é?
- Me lembro!
– disse Eduarda zangada. – E o que o Pitto tem haver com a porra do seu nome
cara? Me fala logo como você se chama
antes que eu desligue.
- Foi tão
bom ouvir o seu alô, Duda! Obrigado por ter falado comigo. Eu senti um bem danado escutando a sua voz.
Espero poder te encontrar algum dia.
O estranho do outro lado da linha do telefone
desligou. Eduarda foi até a cozinha e fez um leite com nescau. Depois que
tomou, pensou:
“Será que
isso foi um sonho? Não pode ter sido. Ele conhecia o Pitto.”
Sentou-se na cabeceira da sua cama e olhou
para fora. O vento bateu de leve na janela do seu quarto, que estava fechada,
fazendo o frio do vento dar um leve som opaco de contato com o ferro das grades
da janela com o vidro.
- Quem será
que me ligou? – perguntou Eduarda, intrigada.
Fim
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